Sobre a Ab-rogação – E a falsa interpretação dos fanáticos anti-Islam

Existe ab-rogação no Alcorão? E Se existe, é realmente o que dizem os inimigos do Islam?

O assunto da teoria da ab-rogação tem sido utilizado constantemente pelos fanáticos anti-islâmicos na tentativa de provar o caráter intolerante e brutal do Islam. Segundo eles, a ab-rogação seria a forma de justificar o abandono da estratégia inicial de “iludir os não-muçulmanos com uma atitude pacífica” com a adoção da verdadeira intenção do Islam: a eliminação de todos os não-muçulmanos. Assim, todos os versículos de tolerância e paz teriam sido “ab-rogados” no Alcorão. Apoiados nas diversas opiniões e teorias de eruditos e clérigos islâmicos, quase sempre contraditórias sobre o tema, os ferrenhos inimigos do Islam fazem de suas suposições “verdades consagradas” e propagadas em sites mundo afora.

Todavia, não é assim tão simples. A própria balbúrdia de opiniões que ora apontam este ou aquele ayat como ab-rogado, ora acendem a dúvida e recorrem a um sem número de ahadith (tradições) que uma outra escola rejeita, é uma prova em contrário: NÃO EXISTE BASE ALCORÂNICA TAMPOUCO HISTÓRICA PARA A AB-ROGAÇÃO DE AYATS DO ALCORÃO, pelo menos no sentido que se pretende dar (uma anulação absoluta de um ayat).

O Alcorão fala por si mesmo: “Não ab-rogamos (cancelamos) nenhum versículo, nem fazemos com que seja esquecido sem substituí-lo por outro melhor ou semelhante. Não sabes que Deus tem poder sobre todas as coisas?” (S. 2 – V.106)

“Ma nansakh min ayati aw nunsikhá náti bikhairi minha aw miçlihá… Não abrogamos um ayat ou fazemos que seja esquecido sem substituí-lo por outro melhor ou semelhante (equivalente)…”

O ayat foi revelado para um grupo de judeus que inquiriram o Profeta (S.A.A.S.) sobre a mudança da Qibla dos muçulmanos (de Jerusalém para Makka). Uma outra versão é de que o questionamento tinha a ver com as leis da Torah. Seja qual for o caso desse questionamento não se tratava de uma ab-rogação ou cancelamento de algum ayat do Alcorão, mas de uma prática dos primeiros muçulmanos (a adoção da Qibla de Jerusalém) ou como alguns exegetas mencionam, algumas leis da Torah.

A frase “aw nunsikhá nati… ou fazemos que seja esquecido”,  não faz referência ao Profeta (S.A.A.S.) como alguns pensam – se refere aos povos e sociedades, faz alusão às leis divinas dos Livros anteriores que foram esquecidas ou negligenciadas no decorrer dos séculos e que seriam portanto, canceladas e substituídas pelo Alcorão.

Assim, o ayat não fala de ab-rogação de versículos do Alcorão.

Uma segunda passagem aborda o tema:

“E quando substituímos um versículo por outro – e Deus bem sabe o que revela – dizem: “És somente um mentiroso”. A maioria deles nada sabe.” (S.16 – V.101)

“wa idha baddalna a’ayatã makána a’ayatin- wa’llahu a’alamu bimá yunazzilu… E quando substituímos (trocamos) um versículo por outro e Deus sabe o que revela…”

O ponto a ser ressaltado é o termo BADDALNA (nós substituímos ou trocamos) no lugar do termo naskh (ab-rogação) – o que é indicativo de forma clara que não se trata de “anular ou desfazer” algum ayat do Alcorão, mas complementar alguma orientação substituindo-a por outra mais ampla e abrangente.

Portanto, com base nos ayats do Alcorão é incorreto dizer “que versículos tenham sido anulados ou cancelados”. Se houvesse anulação ou cancelamento o termo utilizado no ayat seria naskh e não o verbo baddala (substituir ou trocar).

Algumas conclusões que podem ser tiradas dessa simples análise desses dois versículos são:

Nenhum ayat foi abolido (ou cancelado) pois, mesmo que substituído permanece com sua aplicabilidade no contexto específico no qual foi revelado.

Um ayat não cancela outro, um ayat explica e complementa outro.

Um exemplo em nossa vida diária pode ser dado para auxiliar o entendimento: Um patrão chega para o seu novo empregado e diz, “Amanhã, chegue aqui às 8 horas”. No dia seguinte, depois do expediente, pouco antes do empregado ir embora, o patrão diz: “Amanhã chegue aqui às 8 horas e registre seu nome no livro de comparecimento.” A segunda ordem substitui a primeira (ou a complementa) porém, a primeira não deixou de existir.

Ainda que houvesse a ab-rogação de um versículo (a ser entendida como uma anulação ou cancelamento) por outro, não haveria nenhum exemplo de negação absoluta da ordem anterior para o estabelecimento de uma nova ordem – o que constituiria uma contradição. Por exemplo, se um ayat diz “cumprí vossos juramentos” seria inconcebível (e jamais ocorreu no Alcorão) que outro ayat fosse revelado a dizer “não cumpram vossos juramentos” cancelando o anterior.

Portanto, a suposta acusação de que versículos que ordenavam a paz e o entendimento com os Povos do Livro tenham sido ab-rogados por versículos que ordenavam a guerra ou a hostilidade com os Povos do Livro é uma acusação ridícula e grosseira. A explicação histórica (e verídica), que esses movimentos tentam ignorar, é que os versículos que tratavam da guerra foram revelados quando a agressão dos idólatras se tornou um conflito inevitável – ou seja, quando os primeiros muçulmanos já haviam se estabelecido em Medina, pois o Alcorão foi revelado em consonância com o desenrolar dos acontecimentos. Uma vez que os idólatras de Quraish optaram pela violência e pela guerra, os muçulmanos foram instruídos a reagir e lutar por suas vidas, seus bens e sua fé.

Os críticos ao Islam, de forma precipitada, apresentam, por exemplo, a alegação (até de alguns eruditos) de que o versículo 109 da sura 2: “Muitos dos adeptos do Livro desejariam vos fazer voltar à descrença depois de terdes acreditado, movidos pela inveja em seu íntimo, depois que a verdade se tornou evidente para eles. Tolerai e perdoai até que Deus faça chegar Sua ordem. Deus tem poder sobre todas as coisas”, tenha sido ab-rogado pelo versículo: “Combatei aqueles que não creem em Deus e no Último Dia nem proíbem o que Deus e Seu Mensageiro proibiram, tampouco praticam a verdadeira religião, dentre aqueles que receberam o Livro, até que paguem o tributo, humilhados”. (S.9 – V.29) Se hipoteticamente aceitarmos a relação entre os dois ayats, dois pontos devem ser ressaltados:

O segundo ayat não aboliu o primeiro, mas o complementou.

Em nenhum dos dois ayats se faz referência a todos os adeptos do Livro indistintamente, tanto no primeiro como no segundo o texto especifica um grupo dentre eles “muitos dos adeptos do Livro” e “os que não creem… dentre os que receberam o Livro”. Esse grupo especificado seria “aqueles que demonstravam hostilidade e ódio aos muçulmanos e que se rebelavam contra Deus”, tornando-se agressores e iníquos.

 

 

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