A Compilação do Texto Alcorânico

Extraído da obra “The Quran in Islam”
Por: Allamah S.M.H. Tabatabai

Como o Alcorão foi revelado sura por sura, versículo por versículo, isso logo despertou grande fama entre os árabes que apreciavam belas palavras e eloqüência escrita, em vista da extraordinária fluência do texto e de seu belo estilo. Eles vinham ao Profeta (saas) de todas as partes, todos os dias, para ouvir alguns versículos e memoriza-los. Ao mesmo tempo, os eminentes de Makka e os influentes membros da tribo Quraix que eram idólatras e tenazes inimigos do Islam, tentavam evitar isso e ameaçavam os árabes que se aproximavam do Profeta (saas) propagando que o Alcorão era “feitiçaria”. Entretanto, as pessoas vinham na escuridão da noite, sem o conhecimento de seus parentes e se sentavam ao redor da casa do Mensageiro (saas) e o ouviam recitar o Alcorão.

Naturalmente, os muçulmanos fizeram um grande esforço para memorizar, preservar e registrar o Alcorão por muitas razões. Primeiro, eles consideravam o Alcorão como sendo a Palavra de Allah e seu único texto religioso. Segundo, era uma obrigação em suas preces diárias a recitação de alguns versículos. Terceiro, porque era parte da missão do Profeta (saas) ensiná-los o Alcorão e as injunções islâmicas.

Este método, depois da migração do Profeta (saas) para Medina, onde uma sociedade islâmica independente foi formada, tornou-se mais organizado e regular, e um considerável número de companheiros do Profeta foi encarregado de aprender e ensinar os preceitos, e foram sendo aperfeiçoados diariamente, de acordo com a explícita instrução do Alcorão, eles foram isentados de participarem do Jihad afim de cumprir esta obrigação.

Enquanto a maior parte dos Companheiros do Profeta especialmente aqueles que migraram de Makka para Medina, eram analfabetos e não podiam nem ler tampouco escrever, judeus cativos foram empregados para ensinar a escrita que era muito simples naquele tempo, e assim, um grande número de pessoas foi alfabetizada.

Deste grupo, que foram chamados “recitadores” pertenciam os quarenta (ou setenta segundo alguns historiadores ) que foram martirizados no evento de Bair Mauna. Os versículos e suras que gradualmente desceram foram registrados em diversos materiais como omoplatas de camelo e folhas de tamareira. O que é certo e inegável, é que a maioria das suras foram ensinadas aos muçulmanos antes da morte do Profeta (saas), e em centenas de tradições seus nomes foram mencionados nas descrições das preces e na maneira de recitá-las e também na descrição do trabalho missionário do Profeta ou de seus companheiros antes de sua morte, tanto pelos sunitas como pelos xiitas. Há inclusive uma menção dos nomes de grupos de suras dos primórdios do Islam tais como Tawal, Main, Maçani e Mafsalat nas tradições do tempo do Profeta (saas).

Após o falecimento do Profeta (saas), Ali (as) (1), que de acordo com a clara confirmação do Profeta era mais conhecedor do Alcorão do que qualquer outra pessoa, retirou-se para sua casa e compilou o Alcorão em um volume, em sua ordem de revelação, e depois de seis meses, completado o trabalho colocou o volume sobre um camelo e levou-o para apresenta-lo ao povo. Um ano após a morte do Profeta (saas), a batalha de Yamama aconteceu, na qual setenta dos recitadores foram mortos. O califa, temendo a possibilidade da morte de mais recitadores em outra batalha e o desaparecimento do Alcorão ordenou a compilação do Alcorão em um único volume. Com a ordem do Califa, um número de companheiros recitadores sob a supervisão de Zaid B. Çabit desempenhou esta tarefa. Foram coletadas todas as suras e versículos e concluído o trabalho, cópias foram enviadas a várias partes do califado (2).

Tempos depois, no período do terceiro califa, este foi informado que devido a negligência de algumas pessoas em copiar e recitar o Alcorão, certas discrepâncias tinham surgido, que punham seriamente em perigo o Livro de Allah no que se referia a sua fidelidade. A fim de impedir este perigo, o califa emitiu uma ordem para obter por empréstimo a cópia do Alcorão que tinha sido compilada na época do Primeiro Califa, e que estava aos cuidados de Hafsa, uma esposa do Profeta (saas), filha de Omar Al Khattab. Cinco companheiros recitadores, incluindo Zaid b. Çabit, que tinham sido encarregados da primeira compilação, foram destacados para fazer várias cópias para serem usadas como originais para outras cópias futuras. O califa instrui-os a reunir todas as cópias que estavam espalhadas pelas várias províncias. Essas cópias foram trazidas de volta para Medina e sob ordem do Califa foram incineradas. Finalmente, várias cópias foram redigidas, uma das quais foi mantida em Medina, uma foi enviada para Makka, outra para Damasco, outra para Kufa e outra para Basra. Estas cópias que são chamadas de o Alcorão do Imam são os originais das demais cópias.

Muito Embora Ali (as) tenha compilado o Alcorão antes e apresentado ao grupo que recusou aceitá-lo, e embora ele não tenha sido admitido como membro do primeiro e do segundo grupo de compiladores, ele jamais demonstrou oposição ao resultado de seus esforços e aceitou a compilação desses grupos, e mesmo em seu próprio califado, nunca falou uma só palavra de protesto contra isso. Mesmo os Imames da Casa do Profeta (as) que foram descendentes de Ali e seus sucessores nada disseram contra a validade destas compilações, nem mesmo os seus seguidores mais próximos. Ao contrário, eles aconselharam seus seguidores a aceitar o que o povo recitava.

Pode ser definitivamente declarado que o Imam Ali (as) silenciou sobre este ponto, a despeito da diferença entre a sua compilação e as subseqüentes, com respeito a ordem das suras, foi devido a crença da Família do Profeta (as) que a exegese do Alcorão por meio do próprio Alcorão é válida e este método de arranjar as suras mecanas e medinenses não afeta os altos objetivos do Alcorão, e que ao se comentar um determinado versículo, todos os demais devem ser considerados (…).

A história do Alcorão tem sido perfeitamente clara até a atualidade, e seus versículos e suras são constantemente recitados pelos muçulmanos e legados às gerações seguintes. Sabemos que o Alcorão que temos em nossas mãos hoje é exatamente o Alcorão que foi revelado ao Profeta (saas) quatorze séculos atrás. Assim, o Alcorão não necessita da evidência histórica para provar sua validade e autenticidade de sua revelação muito embora sua história seja conhecida em detalhes.

Notas do tradutor:
(1) Esta distinta posição de Imam Ali (as) no que tange a compreensão do Alcorão (o que o capacitava ao encargo da compilação) é afirmada em tradições constantes nos livros de ambas escolas No Tafsir Burhan consta o dizer do próprio Imam (as) : “Não desceu ayat algum ao Profeta (saas) sem que ele me recitasse e me ditasse para que eu escrevesse com minha própria letra. E me ensinou o Ta”wil (aplicação) e o Tafsir (explicação), os ayat Nasikh (abrogantes) e os Mansukh (abrogados), os Muhkam (determinantes) e os mutaxâbih (alegóricos), e rogou a Allah que me dotasse com seu entendimento e memorização, e desde que suplicou por mim eu não esqueci nem um único ayat do Livro de Allah nem suas peculiaridades que o Profeta me recitava e eu escrevia”.

(2) Esta segunda compilação adotada tomou como ordem de apresentação das suras a sua extensão (as mais longas foram colocadas no início e as mais curtas no final) sendo esta a única diferença substancial entre esta e a compilação do Imam Ali (as). Como sabemos, Ali (as) ordenou as suras na ordem de sua revelação e acrescentou a título de comentário as causas e o momento da revelação. Xaikh Mufid em Al masa”il As Sawiîah considera a compilação de Ali como “correspondente a ordem da revelação, antepondo-se as suras mecanas as medinenses, as ab-rogadas as abrogantes, colocando-se cada coisa em seu justo lugar”.

 

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