Sermão de sexta-feira da Mesquita do Brás de 21 de dezembro de 2018 – Sheikh Wissam Issa – “As referências para o julgamento do Juízo Final”

Em nome de Deus, O Clemente, O Misericordioso.

Louvado seja Deus, O senhor do universo. O louvor abundante e infinito para Deus por Suas graças. Que a paz e Suas bênçãos estejam sobre a melhor de Suas criaturas, o nosso senhor e profeta Mohammad (S.A.A.S.), e com seus purificados Ahlul Bait (A.S.), com seus bons companheiros e com todos aqueles que o seguem verdadeiramente até o Juízo Final. E que a paz e as bênçãos de Deus estejam sobre Seus anjos e sobre todos os Seus profetas e mensageiros, os virtuosos e bondosos servos.

Ó Deus nosso perdoe os crentes e as crentes. Ó servos de Deus recomendo-vos o temor a Deus. A temência na fala, na prática, na mente e no pensamento.

Uma das questões que mexe com o pensamento humano, que pode criar dúvidas internas, é sobre o destino dos povos que nasceram e vivem isolados da civilização. Aqueles que talvez nunca tiveram ou terão contato com nenhum outro povo, civilização e religião, seja o Islam ou as demais doutrinas. Qual o tipo de julgamento ou destino desses povos (exemplo: indígenas e beduínos) diante de Deus no dia da ressurreição? Será que só por não serem muçulmanos e não seguirem uma doutrina serão castigados ou terão outro destino?

Primeiro vamos registrar aqui o seguinte verso do Alcorão Sagrado no qual Deus o Altíssimo disse: “…..Jamais castigamos (um povo), sem antes termos enviado um mensageiro”. (17:15)

Deus louvado seja, jamais castigará alguma pessoa ou um povo sem um argumento. O ser humano não pode ser cobrado pelo que não foi exigido ou informado. Também não é um fator determinante ter um profeta ou mensageiro, seja Noé, Abraão, Moisés, Jesus ou Mohammad (S.A.A.S) citado neste verso sagrado, mas a razão é mensageiro interno para as pessoas, pela qual pode orientar para a verdade. A palavra mensageiro neste verso pode significar tanto um profeta, um sucessor, um sábio ou o próprio intelecto humano. Assim, o termo castigo não necessariamente implica na outra vida, mas pode ocorrer nesta vida, e o exemplo destes castigos são os povos que vivenciaram os profetas Lot, Saleh e Noé, que foram castigados nesta vida.

Deus, o Altíssimo, deixa sobre os povos a Sua prova e Seu argumento. Em nossa sociedade temos exemplos como as leis de trânsito, onde há placas informando e orientando os condutores de veículos que em casos de inflações serão penalizados, pois já haviam sido informados. Deus disse no Seu livro sagrado o Alcorão: “Recorda-te de quando um grupo deles disse: Por que exortais um povo que Deus exterminará ou atormentará severamente? Outro grupo disse: Fazemo-lo para que tenhamos uma desculpa ante o vosso Senhor; quem sabe O temerão (depois disso!)” (7:164)

Num outro verso Deus disse no Alcorão Sagrado: “Deus não impõe a nenhuma alma uma carga superior às suas forças…” (2:286)

Deus irá exigir de uma alma segundo as suas condições e o que ela consegue segundo suas orientações. A pessoa será cobrada por aquilo que consegue realizar tanto no aspecto mental ou físico. Deus louvado seja jamais irá cobrar das pessoas ou dos povos o que não conseguem realizar. Deus disse no Alcorão Sagrado: “…Deus não impõe a ninguém obrigação superior ao que lhe concedeu…” (65:7)

Deus orienta o ser humano e não deixa argumento ou desculpa para que este justifique seus pecados, e no dia do juízo final terão o castigo ou a recompensa celestial. A resposta à pergunta no início do discurso é a seguinte:

Não é certo responder com uma afirmação que pessoas irão para o inferno ou uma com resposta negativa que elas irão para o inferno, porque essas pessoas não receberam a mensagem divina. Há vários pontos que devem ser explicados.

A primeira questão é que:

1) Al-Aql (A razão):

Deus criou o ser humano com a grande bênção da razão. A razão por si só é considerada um profeta, um guia e uma referência entre o bem e o mal.

A existência de Deus é muito evidente e de fácil compreensão e o principal argumento da existência de Deus sobre o ser humano está em sua razão. Deus disse no Alcorão Sagrado: “E os negaram, por iniquidade e arrogância, não obstante estarem deles convencidos…” (27:14)

Observamos que o ser humano tem interesses particulares e se direciona para questões não claras levando a negar Deus, mesmo que internamente reconheça a existência de um Deus, um criador desse universo. Quando um empregado do Imam Ali (A.S.) perguntou sobre a existência de Deus o Imam (A.S.) disse: “As pegadas deixadas no chão levam a uma direção e os sinais levam a existência de algo.”

Como tudo no universo que é organizado e belo, como todos os detalhes, os sinais na Terra e nos seres criados não levam a existência de Deus? O Imam Ali (A.S.) usa argumentos de fácil compreensão para as pessoas para que possam compreender e crer na existência de Deus. Esta pessoa que perguntou isso ao Imam (A.S.) era de um grau de instrução muito simples e foi por isso que o Príncipe dos Fiéis (A.S.) apresentou esta referência a ela, para facilitar o entendimento da questão. O Imam Ali (A.S.), apesar de seu vasto conhecimento, usou uma linguagem simples para transmitir o argumento da existência de Deus, e que seria uma prova de Deus para o beduíno, pois nenhuma mente saudável e sã nega a existência de alguém por traz das pegadas. Por causa da razão aqueles que não acreditam em Deus não tem sustentação em seus argumentos.

2) A Fitra:

Que é traduzida como a natureza propensa ao monoteísmo que existe no ser humano, que intuitivamente o leva a saber que existe um Deus, um criador universal. Deus disse no Alcorão Sagrado: “Volta o teu rosto para a religião monoteísta. É a obra de Deus, sob cuja qualidade inata Deus criou a humanidade. A criação feita por Deus é imutável. Esta é a verdadeira religião…” (30:30)

Esse dois, Al-Aql (a razão) e Al-Fitra (natureza monoteísta) são considerados os dois principais argumentos de Deus sobre qualquer ser humano.

Agora, sobre aqueles que acreditam na trindade temos a seguinte opinião. Como exemplo temos uma empresa na qual existem dois ou três donos. E nesta empresa a vontade diferente dos três deve prevalecer. Certamente, haverá discórdia e essa empresa não prosperará chegando ao seu fechamento em breve. Isso levaria a negação dos princípios da crença em duplicidade ou trindade de Deus no mundo. Deus disse no Alcorão Sagrado: “Volta o teu rosto para a religião monoteísta. É a obra de Deus, sob cuja qualidade inata Deus criou a humanidade. A criação feita por Deus é imutável. Esta é a verdadeira religião…” (30:30)

Agora, há questões que o ser humano enfrenta no sua dia a dia e que a razão e a natureza não conseguem explicar ou entender. Um exemplo destas questões são as diferentes jurisprudências, tais como no caso de roubo, agressões, transgressões, outros atos ilícitos ou os direitos do meio ambiente e os direitos civis, tudo isso, e muitas outras questões, o ser humano não pode entender se seguir as normas da doutrina de Deus somente com base em sua razão e sua mente. Questões como a veracidade dos profetas, dos livros sagrados, desta e da outra vida, são dúvidas que o ser humano enfrenta todos os dias, sendo que a razão e a fitrah não conseguem responder.

Agora vamos dividir as questões da Razão e da Fitrah em duas partes.

Primeiro: Há leis baseadas na lógica, no óbvio que a razão reconhece. Temos o exemplo da prática da injustiça, pode ser algo aceitável, justificável? Certamente, em qualquer lugar no planeta nenhum ser humano, seja ele crente ou ateu, aceitaria a injustiça, e também não aceitaria a mentira e a corrupção. Qualquer coisa que se volta para o bem é recomendada e aceita pelas pessoas, sejam elas cultas ou leigas. Qualquer coisa que se volta para o mal é proibida e renegada pelas pessoas. São questões muita claras que não precisam que se seja muçulmano para concordar.

Segunda: É a Fitrah onde o ser humano precisa aprender como o jejum sagrado do mês de Ramadan ou as adorações, ou saber se realmente Abraão reconstruiu a Caaba. São questões pelas quais deve haver uma fonte para aprender e que precisam de uma doutrina, um conhecimento específico e uma ciência para serem entendidas e compreendidas. Qual o benefício da peregrinação à Meca e outros atos devocionais? Tudo isso se consegue saber com a explicação dos profetas. Perguntamos se a pessoa que não pratica esses atos devocionais estará sujeita ao castigo divino? As pessoas que seguem outras religiões que não o Islam serão castigadas no Juízo Final? Tais pessoas terão argumentos ou justificativas por suas escolhas diante de Deus?

O grandioso sábio, o imaculado, um dos sucessores do profeta Mohammad (S.A.A.S.), quinto Imam, conhecido como Al-Baqer (A.S.) disse: “No dia do juízo final, Deus julgará os seus servos pelo nível de sua razão (Intelecto)”.

O Imam Al-Baqer (A.S.) quis dizer é que pessoa que tem mais conhecimento tem uma incumbência maior do que aquela que tem pouco conhecimento.

Outra narração que temos é um diálogo entre outro sábio sucessor do profeta, o Imam Jafar Assadeq (A.S.) e uma pessoa. A narração diz: “Uma homem estava descrevendo as características religiosas e devocionais de uma pessoa. O Imam Assadeq (A.S.) perguntou: “Qual o nível do intelecto dessa pessoa?” E daí continuou: “A recompensa é de acordo com tamanho do intelecto!”

O Imam Assadeq (A.S.) narra que um homem dentre os filhos de Israel, um grande religioso, foi para uma ilha, totalmente isolada, para estar exclusivamente voltado a devoção a Deus. Daí um anjo passou naquele lugar e viu aquele homem em devoção e falou com Deus sobre o servo. O anjo tinha ficado encantado com a devoção daquela pessoa e transmitiu isso para Deus. Deus então disse ao anjo para não ficar tão impressionado pela devoção daquela pessoa. Quando o anjo perguntou a Deus porque, Deus então ordenou àquele anjo a se passasse como homem e fosse passar um dia com aquela pessoa na ilha isolada. Então, o anjo desceu em forma de homem e se encontrou com aquele devoto, e disse: “Que lugar maravilhoso e perfeito para sua devoção”. O homem devoto confirmou a observação do anjo mas disse que naquele lugar havia um grande defeito. Ele apontou para a grama e disse que a grama iria secar um dia se não tivesse um animal para pastar. O anjo questionou o homem se ele achava que Deus não seria capaz de mandar algum animal para aquela ilha, então o homem devoto disse: “Deus não é capaz. Se fosse já teria feito”. Então, o anjo percebeu que o homem tinha uma mentalidade simples e que sua fé e crença eram muito simples. Deus mostrou o tamanho da recompensa daquele homem para o anjo. O anjo entendeu que pelo intelecto humilde do homem Deus foi muito generoso com aquele devoto.

Outra pergunta é: O homem que vive no deserto e não recebe orientação divina, qual será seu julgamento? A resposta desta pergunta está na seguinte resposta: este homem se entregou para a verdade ou não? Se ele conhece a verdade ou não é outra coisa. O exemplo é aquele indivíduo que procura sua roupa entre um amontoado de roupas. Ele sabe e tem certeza que sua roupa está entre esse amontoado, mas não sabe onde. No dia do Juízo Final a pessoa deve saber que existe uma verdade mesmo que ele não consiga encontra-la, assim, ela deve se entregar para esta verdade.

Relata-se que após a revolução Islâmica do Irã um grande filósofo foi até o sábio Ayatullah Mutahari (R.A.), que perguntou para o filósofo qual era a verdadeira religião? O filosofo disse: “Até onde estudei para mim o cristianismo é a verdadeira doutrina, mas escutei que a verdadeira doutrina está no Irã. Portanto estou aberto ao diálogo, ao estudo, e vim aqui para aprender e quem sabe encontrar a doutrina da verdade”. Esse filósofo se entregou à mercê da verdade, da realidade. Ele sentia que existia uma verdade, mas não sabia ainda qual era a verdade.

O ser humano, ao escutar algo novo, deve pesquisar, ter a mente aberta, debater e dialogar. Caso deixe de estudar estará negligenciando a verdade. Caso a pessoa não tenha acesso a informação Deus não terá argumento para castigá-lo, e portanto poderá perdoá-la.

Temos exemplos de pessoas que chegaram em um tal nível de amadurecimento intelectual que ao observar a quantidade de religiões, doutrinas da libertação e seitas ela questiona qual é a verdadeira. A pessoa sabe que existe a verdade. E ela inicia sua jornada de pesquisas, mas morre não testemunhando a fé islâmica, pois leva tempo a absorção dos estudos. Certamente ela será perdoada por Deus.

Outro exemplo é a pessoa que pesquisou e chegou até a verdade, e quando foi testemunhar publicamente foi aprisionada. Deus perdoará essa pessoa.

Outro exemplo de pessoa é aquela deseja buscar a verdade mas que não tem condições e tempo para buscar o conhecimento por trabalhar muito e levar o sustento para sua família. Deus perdoará essa pessoa.

Outra categoria é aquela pessoa tem Deus em sua alma e em seu coração, mas vive numa sociedade ou num lugar afastado das grandes cidades, ou no deserto, onde ela não tem acesso a informação. Deus perdoará essa pessoa.

Outra categoria é aquela pessoa que não goza de uma razão completa. São pessoa simples, humildes, não tendo condições de evoluir e se desenvolver para ter um critério para diferenciar o bem do mal. Tais pessoas poderão não ser castigadas por Deus.

Então, há certas categorias ou situações que Deus pode perdoar as pessoas, e outras não. Não é sensato um indivíduo no dia do juízo final quando questionado o porquê de não ter acreditado em Deus e não ter feito boas ações usar como pretexto que não sabia e nunca ouviu informações a respeito disso. Porque durante sua vida essa pessoa teve muitos canais para buscar a Deus. A pessoa não pode deixar de procurar e conhecer a verdade.

Infelizmente as pessoas tem uma compreensão errada da ideia. Elas acham que dizer “Não sabia” serve de justificativa para não ser castigado. Deus disse no Alcorão Sagrado: “Dize (mais): Só a Deus pertence o argumento eloquente…” (6:149)

Há uma tradição na qual o Imam Al-Baqer (A.S.) relata os questionamentos que o ser humano terá que responder no dia do juízo final. “Deus louvado seja perguntará você sabia? Se a pessoa fala que sim Deus perguntará porque não praticaste. E se a pessoa responder que não Deus perguntará porque não aprendeu?”

Então a ignorância não é uma justificativa plausível.

Quantas pessoas comentem um pecado ou atos ilícitos nesta vida porque acham que não saber ou se informar seja um argumento aceitável no julgamento final.

Ó Deus nosso inspire em nós o conhecimento e o temor a Deus, e faça-nos seguir o caminho correto.

Que Deus abençoe a todos e que a paz e as bênçãos de Deus estejam sobre o Profeta Mohammad (S.A.A.S.) e com sua linhagem purificada.

 

 

 

 

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