Introdução ao Fiqh – Noções gerais da jurisprudência Islâmica

Por S. H. Al Musawi.
Traduzido por Ismail Ahmed Barbosa Júnior

Em nome de Deus, O Clemente, O Misericordioso!

A palavra árabe Fiqh significa “compreensão” e o jurisprudente é denominado FAQIH porque é o que compreende de modo abalizado o livro de Deus e as autênticas tradições das quais derivam os preceitos e a lei do Islam. A ciência do Fiqh (Jurisprudência) abrange todos os diferentes aspectos da vida humana e social. A sua importância pode ser avaliada segundo o dizer do Mensageiro de Deus (S.A.A.S.): “Quando Deus deseja que um servo seja bom, Ele o faz compreender o Din (Religião).”

A primeira fonte da Lei Divina (Shariah) é o Alcorão, no qual Deus revelou e detalhou suas determinações para a humanidade, sendo esta a fonte por excelência para o estabelecimento da jurisprudência. A segunda fonte é o conjunto das tradições autênticas do Profeta (S.A.A.S.) com base nas palavras sagradas de Deus, O Altíssimo: “E tudo o que o Mensageiro lhes permitir, fazei-o, e tudo que ele proibir-vos, abstende-vos disso.”

As tradições do Profeta (S.A.A.S.) se dividem em 3 grupos:

Os Dizeres

São as prescrições orais, declarações e discursos proferidos pelo Profeta (S.A.A.S.)

As Ações

São as práticas e exemplos do Profeta (S.A.A.S.) das quais derivam-se diversos preceitos.

Os Consentimentos

São os atos das pessoas que o Profeta (S.A.A.S.) aprovou ou não tenha demonstrado objeção aos mesmos. (O que por princípio caracteriza sua aprovação e a licitude destes atos).

Um dos ramos da ciência de fiqh é o estudo acurado quanto à autenticidade do que chegou até nós como sendo Hadith (Tradição Profética).

Com referência a preservação da autêntica tradição e a correta compreensão e aplicação dos preceitos isto foi destinado a linhagem do Profeta (S.A.A.S.); os Imames dos Ahlul Bait (A.S.) líderes dos muçulmanos pela vontade de Deus e de Seu Profeta (S.A.A.S.).

Diz Deus o Altíssimo no Alcorão: “OBEDECEI A DEUS, SEU MENSAGEIRO E AS AUTORIDADES FUNDAMENTAIS DENTRE VÓS.”

Ao esclarecer o versículo acima o Mensageiro de Deus (S.A.A.S.) nomeou as “autoridades fundamentais” cuja autoridade se assemelhava à dele e que o sucederiam na liderança dos muçulmanos. O Profeta (S.A.A.S.) comunicou aos seus companheiros que Ali Ibn Abu Taleb (A.S.), seu primo, o sucederia como Imam dos fiéis e que este seria seguido por Hassan e Hussein (A.S.), filhos de Ali (A.S.), netos do Profeta (S.A.A.S.), e então os descendentes nessa linhagem sucessiva até o décimo segundo Imam.

De maneira que os dizeres, ações e consentimentos destes Imames são a continuação das tradições do Mensageiro (S.A.A.S.) e a fonte básica de comunicação por sua fidelidade.

Dentre os ahadith idôneos consta o que foi comunicado pelo honrado companheiro do Profeta (S.A.A.S.), Jabi Ibn Abdillah al-Ansari (R.A.), que relata que o Profeta (S.A.A.S.) disse: “Ó povo, eu vos deixo algo que jamais vos desviareis se permanecedes firmes a estes: o livro de Deus e minha descendência.” (Sahih Muslim e Sahih Tirmidhi)

Do Discernimento quanto a Fidelidade das Tradições

Historicamente muitos hipócritas, intrigantes e inimigos do Islasm forjaram falsos ahadíth, relatos enganosamente atribuídos ao Profeta (S.A.A.S.) com o objetivo de corromper e desunir os muçulmanos.Uma das funções dos jurisprudentes é a cuidadosa pesquisa a fim de discernir o falso do verdadeiro dentre os compêndios e coletâneas de tradições. Neste trabalho dois critérios principais são adotados:

1) A análise quanto a coerência do hadith e de seu significado em relação ao Alcorão, ou seja, se está em conformidade com este e seus preceitos fundamentais.

O Mensageiro de Deus (S.A.A.S.) e os Imames dos Ahlul Bait (A.S.) orientaram os muçulmanos a aplicarem este critério. Consta que o PROFETA (S.A.A.S.) tenha dito: “Sobre cada verdade afirmada existe uma realidade e sobre cada diretriz correta há uma luz, portanto aceitai o que se conforma ao livro de Deus e rejeitai o que não se conforma a ele.”

2) A verificação da idoneidade dos narradores e comunicadores através dos quais a tradição tenha chegado até nós. Se estas pessoas são consideradas honradas e honestas e que não haja nada de comprometedor em suas biografias seja durante a vida do Profeta (S.A.A.S.) ou depois disso. Sendo assim suas narrativas são igualmente aceitas como confiáveis, do contrário são rejeitadas.

O Ijtihad é o processo científico de estudo e de compreensão abalizada das fontes do conhecimento religioso a partir do qual extrai-se e expõe-se as leis e os preceitos. Denomina-se Mujtahid o sábio que tenha alcançado o estágio de conhecimento que o capacite a determinar a aplicação das leis e preceitos, emitir pareceres e fatwas (decretos sobre questões específicas). É requerido de tal pessoa os seguintes atributos:

1 – Idade madura
2 – Sanidade
3 – Masculinidade
4 – Nascimento legítimo (ser de pai conhecido)
5 – Fé, retidão moral e temor a Deus.
6 – Estar vivo (Obs. Recorre-se à opinião de um sábio enquanto ele está vivo, ou seja, o parecer a ser considerado é o emitido por um mujtahid de sua própria época o que dá ao Ijtihad o dinamismo para desenvolver-se acompanhando o progresso da humanidade).

Como as sociedades humanas estão em constante mudança, a presença dos mujtahidin é necessária afim de analisar cada nova situação nas sociedades à luz da Shariah (Lei Divina).

Attaqlid (A Adoção dos Pareceres dos Sábios)

Para o conjunto geral dos muçulmanos é compulsório recorrer a um Mujtahid para o conhecimento apropriado, o esclarecimento das dúvidas e a aplicação correta das leis e preceitos da religião. A isto se dá o nome de Taqlid. Isto se aplica tanto nas questões individuais de culto quanto nas questões gerais da vida social.

Um devoto (que não seja um Mujtahid) pode recorrer ao parecer geral de um determinado Mujtahid, adotando-o integralmente ou recorrer ao parecer de um ou de outro Mujtahid em questões diferentes.

Do Entendimento acerca dos Preceitos e das Leis

Deus, Exaltado seja, para salvar a humanidade da perdição e da ruína nessa e na outra vida fez descer suas leis e preceitos divinos. O conjunto dessas leis e preceitos orientam as ações e relações humanas, proibindo o mal e o que é nocivo, ordenando o bem, a justiça e o que proporciona o bem estar à existência humana. No estudo apurado desta matéria dividem-se as ações humanas em cinco categorias distintas:

Wájib (Ações Obrigatórias)

São as ações que Deus, O Altíssimo, ordenou aos humanos, ações que se cumpridas terão a recompensa divina, ao contrário, se negligenciadas acarretarão na punição divina. Nesta categoria se inclue o “Ibad (Adoração a Deus), como o jejum durante o Mês de Ramadan e o pagamento do Zakat, etc.

Mustahab (Ações Meritórias ou Recomendáveis)

São as ações que Deus, Exaltado Seja, encoraja-nos a cumpri-las por serem amadas por Ele, e por isso mesmo, dignas de recompensas, porém, o não cumprimento das mesmas não acarreta nenhuma punição. Como por exemplo preces e jejuns voluntários.

Makruh (Ações Indesejáveis)

São as ações que Deus, O Altíssimo, nos recomenda a não fazer, prometendo recompensa a quem evitá-las sem no entanto prometer punição a quem as cometer.

Haram (Ações Proibidas)

São as ações que Deus, Exaltado seja, proibiu aos seres humanos, prometendo a punição a quem as cometer, tais como: a idolatria, politeísmo, o assassinato, a fraude, o roubo, o adultério, o consumo de bebida alcoólica e da carne impura, a calúnia e etc.

Mubah (Ações Permissíveis)

São as ações que Deus, O Altíssimo, deixou-nos a opção de fazê-las ou não.

Assim, todas as ações humanas são sujeitas aos limites de Deus, detalhados e compreendidos no Fiqh, sendo o objetivo a preservação da pureza da religião e o bem do ser humano.

Imam Assadeq (A.S.) disse: “Não há nada que não esteja descrito no Livro de Deus ou na Tradição Profética.”

O mais sensato é refletirmos sobre cada um de nossos atos afim de buscarmos fazer o que agrada a Deus e o que ele nos permitiu, e nos afastarmos do que Ele nos proibiu, e isso é em ultima análise a natureza verdadeira da fé.

Regras do Fiqh sobre Wájib (Ações Obrigatórias)

As ações obrigatórias são divididas em duas categorias:

Wájib Âini: É toda obrigação que se impõe ao indivíduo que tenha alcançado a idade de entendimento e que ninguém mais pode cumprir por ele, tais como o Jejum (Obs: Esta idade é de nove anos para a mulher e quatorze anos para o homem, ou desde que se tenha alcançado a puberdade).

Wájib Kifai: É toda obrigação que Deus exige o cumprimento por quaisquer pessoas (não uma em particular) e quando esta obrigação é cumprida por alguém ou por alguns, os demais estão isentos dela. Pertencem a essa categoria ações como a preparação ritual e a realização da oração para algum muçulmano que tenha falecido, a aceitação de postos necessários num estado islâmico, o Jihad pela causa de Deus, etc. Logo, se uma pessoa ou um grupo cumpre uma obrigação coletiva esta pessoa ou grupo tem recompensa, enquanto os demais não são castigados por não tomarem parte, por outro lado, se uma obrigação coletiva não é cumprida por ninguém toda a comunidade é castigada por Deus. Entretanto, uma obrigação coletiva pode circunstancialmente tornar-se individual. Por exemplo, se alguém viu um homem afogando-se e ninguém se propôs a salvá-lo estando apto para fazê-lo tornar-se-ia obrigação individual dele o salvamento e ele não estaria excuso sob o pretexto de não ser responsável por isso.

O Muqaddimah

Muqaddimah são os preparativos, ou seja, o conjunto de ações necessárias para o cumprimento de uma ação obrigatória, entendemos com isso que se o cumprimento de uma obrigação depende de certas providências (preparativos), então, tais preparativos também tornam-se obrigatórios. Por exemplo, se o cumprimento da oração requer o prévio aprendizado de suas regras este aprendizado torna-se igualmente obrigatório. De modo similar, se o preparativo necessário para o wájib torna-se também wájib, o preparativo para o haram (proibido) torna-se igualmente haram. Por exemplo, ler livros que propaguem o erro não é em si, haram. Porém se isso induz o leitor à prática do erro, torna-se então um preparativo para o erro, tornando-se assim haram. Do mesmo modo aceitar um posto governamental torna-se haram se isto representar apoio a um governo déspota ou corrupto muito embora o posto em si não seja haram. Porquanto, Deus proíbe todo muqaddimah que proporciona condições para o cometimento de um ato haram a fim de proteger o indivíduo e a sociedade da perversão e da corrupção.

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