A Infalível Fátima Az-Zahrá (A.S.), um exemplo para os seres humanos

Uma coletânea de palestras, preleções e sermões do Ayyatullah Sayyed Mohammad Hussein Fadlulllah

Autor: Ayyatullah Sayyed Mohammad Hussein Fadlulllah

Seleção de textos: Hussein Ahmad Al Khashin

Introdução

Por que Fátima (A.S.)?

Suas atitudes foram atitudes comprometidas com a retidão, sua tristeza foi a tristeza por causa da questão (do Islam) e sua alegria foi a alegria pela Mensagem. A profundidade do Islam se manifestou na profundidade de seu ser e ela reuniu em si mesma todas as virtudes islâmicas, uma vez que foi a Senhora das mulheres do mundo, e isso implicou no dever de ocupar a mais sublime posição moral e espiritual. Por essa razão estamos muitíssimo interessados em Fátima Az Zahrá (A.S.), já que quando a recordarmos, recordamos sua mensagem e seu papel; recordamos o Islam e as questões dinâmicas em que Fátima (A.S.) foi a figura central. Daí que sentimos que ela está presente em todas as nossas preocupações e vive entre nós.

Há na história, pessoas cuja existência se limitou ao tempo de sua passagem no mundo; há aquelas que permanecem vivas enquanto sua mensagem se mantém presente na memória de outras. Fátima (A.S.) se encontra numa elevada posição entre estas, pois, não há como mencionar (a história do) Mensageiro de Deus (S.A.A.S.) sem mencioná-la também. Fátima (A.S.) foi proveniente da essência e do espírito do Mensageiro (S.A.A.S.). Também não podemos mencionar Ali (A.S.) sem mencionar Fátima (A.S.), sua esposa em vida e companheira no sofrimento. Tampouco podemos mencionar Al Hassan, Al Hussein e Zaynab (A.S.) sem mencionar Fátima (A.S.), que foi o segredo da pureza deles na infância e no decorrer de suas vidas.

Eis o segredo de Fátima (A.S.), que nos obriga a mantê-la viva em nossas mentes e corações como uma mensagem e uma recordação, não apenas pela lamentação. Não podemos senão abrir nossos corações com as lágrimas, porém, mais importante do que isso é nos abrirmos para sua mensagem, pois, ela experimentou todas as tristezas e viveu toda a sua vida pela Mensagem, sequer um único momento para si mesma. Este foi o segredo de todos os membros dos Ahlul Bayt (A.S.): viveram inteiramente para o Islam e consagraram suas vidas pelo Islam e a Mensagem.

Não Uma Mera Apologia do Passado

Falar sobre Fátima (A.S.) não implica uma apologia despropositada da história. Na verdade, por suas virtudes, ela representa a vida presente e um futuro brilhante. Vemos a ela, em sua maternidade, como o maior exemplo para as mães, e vemos também a severidade do sofrimento imposto a ela por esse papel materno, contudo, Fátima suportou tudo isso com otimismo e paciência. Em seguida, verificamos que ela cumpriu suas diversas responsabilidades (relativas à missão) quando acendeu a consciência da nação muçulmana e apresentou a maior de todas as lições sobre como lidar com as circunstâncias que se seguiram ao falecimento do Profeta (S.A.A.S.). Ela manteve-se firme nessa posição, a qual se comprovou com o tempo, permaneceu válida até o presente e permanecerá no futuro. Examinar a experiência de Fátima (A.S.) não é um retorno ao passado, o que equivaleria a nos limitarmos a isso. Trata-se, na verdade, de um esforço para extrair lições da experiência pioneira de uma personalidade infalível, uma experiência que jamais se limitou ao passado, que permanece atual e renovada.

Um Modelo para Homens e Mulheres

Quando apresentamos Fátima (A.S.) como um exemplo, não nos referimos somente às mulheres. A apresentamos como exemplo para homens e mulheres porque ela foi um elemento constituinte do Islam e da nação muçulmana como um todo, não apenas das mulheres, ainda que haja um grande exemplo para as mulheres em sua vida. As muçulmanas têm muito a aprender com o exemplo de Fátima (A.S.) quando souberem aproveitar seu tempo de maneira útil e abrirem os corações para o seu conhecimento, sua espiritualidade, suas potencialidades e sua atitude dinâmica.

O amor pelas grandes personalidades investidas de uma missão não é somente emoção, é uma atitude. Esta é a diferença entre ser um amante e um proponente seguidor: o compromisso (a fidelidade) é uma atitude enquanto o amor é somente emoção. É natural que a situação seja de viver com emoção e que devamos se mover com ela, mas tal atitude não irá, além disso, para se abrir à mensagem integral daqueles que representaram a legitimidade da própria Mensagem.

Sim! O valor do que disseram e fizeram os membros dos Ahlul Bayt (A.S.) está no fato de representarem a legitimidade da Mensagem. Quando uma pessoa assimila o conhecimento ou as normas, ou segue uma linha de conduta que pode ser certa ou errada, poderá ter dúvida quanto à legitimidade do que ouviu ou viu, mas se confiar nos exemplos dos Infalíveis (A.S.), que foram purificados de todo e qualquer ato abominável, então nisso não poderá haver lugar para o erro ou para a injustiça; a pessoa terá recebido a verdade de uma fonte pura, livre de qualquer impureza. Imam As Sadiq (A.S.) disse: “Minha tradição é a tradição de meu pai, e a de meu pai é a tradição de meu avô, e a tradição de meu avô é a tradição de Al Hussein, e a de Al Hussein é a tradição de Al Hassan, e a de al Hassan é a tradição do Emir dos Crentes, e a tradição do Emir dos Crentes é a tradição do Mensageiro de Allah, e a tradição do Mensageiro de Allah é a palavra de Allah o Majestoso o Onipotente”.

A Excelência e as Virtudes de Fátima (A.S.)

No início de minha vida, a Senhora Fátima (A.S.) estava em minha mente, em meu coração e em minha existência. Antes dos vinte anos, em Najaf, eu escrevi um poema sobre o aniversário de falecimento de Fátima (A.S.). Eu abordei seus sermões, entrevistas, diálogos e poemas, a paixão espiritual, o amor intelectual e o sentimento de santidade… falei de cada uma de suas virtudes, méritos e valores espirituais, e em seguida, passei a analisar seus dizeres, entre os quais o seu famoso sermão, porque sempre acreditei que deveríamos conhecê-la inteiramente, seu espírito, coração, pensamento e conduta, de maneira que ela se tornasse para nós “a pioneira que não abandonou os seus” e o modelo a ser imitado por nós, homens e mulheres.

Capítulo 1 – Sua vida, um breve relato

A Relação entre a Profecia e o Imamato

Fátima (A.S.) era a única mulher que ligava a profecia ao Imamato, sendo filha do Profeta (S.A.A.S.), esposa do primeiro Imam (A.S.) e mãe de todos os demais imames (A.S.) que descenderam dela e de Ali (A.S.). Allah a destacou com essa virtude e peculiaridade porque Fátima foi a mais perfeita das mulheres e o mais sublime exemplo de pureza, santidade, adoração, ascetismo e moral.

Al Kauçar

De acordo com algumas exegeses do Alcorão, quando a tribo Quraish disse que o Profeta (S.A.A.S.) não teria descendência, a sura Al Kauçar foi revelada: “Em verdade, te agraciamos com a abundância. Ora, pois, ao teu Senhor e faze sacrifício. Em verdade, quem te insultar não terá posteridade”. (C.108 – V.1 a 3).

“Agraciamos-te com a abundância” significa que “demos a ti o benefício abundante, que perdurará por toda a tua vida e depois dela, portanto, volta a face para o teu Senhor em prece, já que a menção do teu nome jamais cessará e tua descendência não perecerá; e aqueles que hoje te perseguem merecerão tal descrição”. A revelação desceu como resposta aos comentários de alguns dos mais grosseiros homens de Quraish – tais como Al As Bin Wa’il, Abu jahl. Uqbah Bin Abi Mu’ayt e Ka’b Bin Al Ashraf – que diziam que o Profeta (S.A.A.S.) não teria filhos, uma vez que seu filho Al Qasim havia morrido. Assim, fica evidente que o “bem abundante (al Kauçar)” era uma referência à descendência que o Profeta (S.A.A.S.) teria por intermédio de Fátima (A.S.), sendo então uma resposta para aqueles que se empenhavam em fazer com que o Profeta (S.A.A.S.) desanimasse. Em apoio à nossa interpretação, Al Tabataba’i, no Mizan, disse: “Sem essa conclusão as palavras “em verdade, quem te insultar não terá posteridade” não teriam razão de ser”.

A Infância de Fátima (A.S.)

Em sua infância, não houve lugar para brincadeira ou lazer, nem pode ela dirigir suas energias como uma criança comum para uma vida de inocência e simplicidade. Na realidade, Fátima (A.S.) teve que concentrar suas energias no sentimento interior do papel que desempenharia na vida do Mensageiro e do sofrimento que enfrentaria. Foi uma infância com características de maternidade, vivendo o espírito e a responsabilidade própria dessa posição. Assim ela viveu, desde que abriu os olhos para a vida, vendo seu pai (S.A.A.S.) de vez em quando sobrecarregado pelas pressões e prejuízos a ele infligidos pelos idólatras. Então, Fátima (A.S.) abraçava o seu pai aliviando sua dor e cuidando dele com todo carinho.

Certo dia, Fátima (A.S.) viu seu pai (S.A.A.S.) na Sagrada Mesquita de Mecca, depois que os idólatras haviam arremessado imundícies sobre suas costas enquanto ele estava a orar. Sem hesitar, ela foi até ele e o limpou com suas pequenas mãos, expressando sua tristeza com lágrimas. Esse acontecimento conscientizou-a sobre a responsabilidade, ainda na infância, de apoiar e cuidar de seu pai, já que ele havia perdido Khadijah (A.S.).

Fátima (A.S.) esteve ao lado dele quando teve diante de si o desafio da Mensagem; ora sendo xingado, ora sendo acusado de loucura, muitas vezes sendo agredido com pedras, ou ainda, acusado de magia, como fez seu tio Abu Lahab bradando: “Sem dúvida que Mohammad vos enfeitiçou!” Mas, quando voltava para casa, o Profeta (S.A.A.S.) era saudado por Fátima (A.S.) com carinho, não encontrava uma criança chorando por qualquer coisa. Ela sentia que a dor dele era também a sua dor, assim, durante a infância, ela reunia o sofrimento da Mensagem e do Mensageiro, e naturalmente, não encontrava tempo para o lazer ou a brincadeira, tais coisas só correm em nossa vida quando há um vazio a preencher. Dessa maneira Fátima (A.S.) cresceu não como as outras crianças, mas como uma pessoa investida de uma missão em seus sentimentos, emoções, opiniões e na totalidade de sua atitude dinâmica.

Seu Relacionamento com o Profeta (S.A.A.S.)

Ibn Abdul Barr, no “Al Istira’h”, narrou, e gostaríamos muito de citar isso, já que sendo uma fonte sunita, representa uma fonte neutra, de modo que os xiitas não podem ser acusados de falar por emoção, que Aishah disse: “Não conheci pessoa alguma que fosse mais parecida com o Mensageiro de Allah, em suas palavras, em sua conduta e em suas maneiras, do que Fátima. Quando ela o visitava, se levantava para ela, pegava sua mão e a beijava, fazia então com que se sentasse em seu lugar; e quando ele a visitava, ela se levantava para ele, beijava sua mão e o fazia sentar-se em seu lugar”.

Quando examinamos esse texto, concluímos duas coisas: primeiro, a completa unidade entre a personalidade de Fátima e a de seu pai, sendo ela a pessoa mais parecida com ele. O que se refletia até mesmo em seu modo de andar, o que verificamos em muitas tradições, como a que diz “Fátima chegou e seu modo de caminhar em nada se diferenciava do modo de caminhar do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.)”. A segunda coisa é a profundidade da relação espiritual entre o Profeta (S.A.A.S.) e Fátima (A.S.), uma relação exclusiva.

Outra narrativa, de Al Hakim no “Al Mustadrak” afirma: “O Mensageiro de Allah costumava, ao retornar de uma batalha ou viagem, ir à mesquita e orar dois raka’t em agradecimento a Allah, em seguida, ia até a casa de Fátima, e só então ia visitar suas esposas”. O que significa que Fátima ocupava a primeira posição para o Profeta (S.A.A.S.), precedendo o relacionamento dele com todas as outras pessoas, mesmo o relacionamento com suas esposas.

No mesmo livro, Al Hakim narrou, “Fátima (A.S.) era a última pessoa que o Profeta (S.A.A.S.) visitava antes de viajar”. Assim, a imagem de Fátima (A.S.), a bondade e o carinho dela, permaneciam na mente do Profeta (S.A.A.S.) durante sua viagem.

Os historiadores comentaram que o Profeta (S.A.A.S.) não aceitava que Fátima vivesse muito distante, mesmo depois de seu casamento, de modo que ela vivia numa casa ao lado da da sua.

No “al Isti’ab” se lê: “Perguntaram a Aishah: “Quem era a pessoa mais amada pelo Mensageiro de Allah?” Respondeu ela: “Fátima”. Então perguntaram: “E entre os homens?” Ela disse: “O marido dela”. Trata-se de um importante testemunho de Aisha a favor de Fátima e Ali (A.S.).

Existem muitas histórias sobre a vida de Fátima (A.S.) que contam sobre o modo como ela examinava os pensamentos de seu pai para descobrir o que o agradava ou não, o que abria ou fechava o seu coração. Um exemplo disso foi quando o Profeta (S.A.A.S.) retornou de uma viagem e foi visitá-la. Ele não demorou muito ali e foi embora. Ela logo percebeu que algo havia aborrecido o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.). Pensou sobre o assunto e percebeu que estava usando braceletes e a porta de sua casa era uma cortina. Fátima (A.S.) tirou os braceletes que usava e abaixou a cortina na entrada da casa. Em seguida, entregou os braceletes aos seus filhos e enviou-os até o Profeta (S.A.A.S.) com a seguinte orientação: “Saudai ao meu pai e dizei: não trazemos nada a ti senão isto, para que façais com eles o que achares melhor”. Quando o Profeta (S.A.A.S.) recebeu o recado, sua expressão se suavizou. Ficou comovido com aquele gesto generoso e belo de sua filha, então, deu os braceletes aos pobres, dizendo: “Ela fez isto! Que seu pai seja sacrificado por ela (três vezes)! O que a família de Mohammad tem a ver com a vida mundana? Foram criados para a vida futura!”

Essa é a lição que toda jovem com uma missão deve aprender, quando seu pai é um homem de responsabilidades missionárias, ou toda mulher que tem alguém com uma vida comprometida com uma dimensão missionária: deve aprender a não se concentrar em seus próprios assuntos, mas a tornar-se receptiva às responsabilidades de seu pai, marido, irmão ou filho, unindo-se a ele no dinâmico movimento da responsabilidade, e a não acrescentar fardos a essa responsabilidade. Pois vemos muitos grandes homens do passado e do presente, que foram sobrecarregados pelo comportamento daqueles que estavam ao seu redor. Enquanto pensavam de uma maneira missionária, seus entes queridos pensavam somente em si mesmos. Também aprendemos com Fátima (A.S.), de sua avançada consciência missionária, que era alguém que se rebelava contra suas necessidades pessoais, por mais simples que fossem, em nome das aspirações da missão; era alguém que priorizava os princípios em detrimento de seus interesses. É o que precisamos aprender, pois muitos de nós – homens e mulheres – sucumbimos diante de uma escolha entre as necessidades dos princípios ou as necessidades pessoais, frequentemente escolhemos a segunda, e até mesmo submetemos um princípio a um interesse pessoal.

Fátima Az Zahrá (A.S.) foi única em seu comportamento e em todas as suas ações, mesmo na tristeza pelos seus, sobretudo durante os períodos de afastamento do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.). Os historiadores nos contam que, quando Fátima foi vê-lo em seus últimos momentos neste mundo, ela o abraçou e o Profeta (S.A.A.S.) sussurrou alguma coisa em seu ouvido que a fez chorar. Em seguida, disse algo mais em seu ouvido, que a fez sorrir. Ao ser perguntada sobre o ocorrido, disse: “Não revelarei o segredo do Mensageiro de Allah enquanto estiver vivo”. Então, quando o Profeta (S.A.A.S.) faleceu e voltou a ser inquirida sobre isso, Fátima (A.S.) disse: “Primeiro ele sussurrou em meu ouvido que estava indo ao encontro de seu Senhor e que recebera o anúncio de sua morte, assim, eu chorei; em seguida, ele sussurrou em meu ouvido que eu seria a primeira de sua família a segui-lo, então eu sorri”. Onde mais encontraríamos uma jovem, por mais que amasse a seu pai, que ficaria feliz com o aviso de que seria a primeira a segui-lo na morte? Que relacionamento poderia ser mais profundo e que sentimento de unidade espiritual poderia ser mais forte?

A Mãe de seu Pai

Uma das eternas e valiosas declarações de elogio do Profeta (S.A.A.S.) à sua filha foi: “Fátima é a mãe de seu pai”. Mas, para compreendermos o sentido preciso dessa declaração devemos estudar a vida do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) e conhecer as dificuldades e sofrimentos que ele passou desde o início. Ele sofreu muito com as ações dos idólatras, ao ponto de dizer: “Nenhum profeta sofreu como eu sofri”, primeiro foi a perda de sua esposa, a Mãe dos Crentes, Khadijah (A.S.), que era o abrigo no qual ele encontrava refúgio diante de seus infortúnios, em seguida, a perda de seu tio Abu Talib, que cuidava dele e o defendia ficando ao seu lado. Antes de tudo isso, lembremos que o Profeta (S.A.A.S.) era órfão de pai e mãe. Assim, quando se comovia com os sentimentos de carinho de Fátima (A.S.), consagrava a maternidade em sua filha com as palavras “Fátima é a mãe de seu pai”. Resumindo todo o seu sentimento pela bondade e pelo carinho de sua filha para com ele. De modo que, imaginemos a grandeza da bondade de Fátima (A.S.), capaz de preencher a alma daquele grande homem, fazendo-o sentir-se seguro… para ser mãe de um homem como o Profeta (S.A.A.S.) seria preciso que a pessoa estivesse disposta a desempenhar um papel de grande empenho, energia, sinceridade e espírito; com uma mente receptiva para uma vasta perspectiva.

Os Primeiros Discípulos

Para usarmos uma terminologia de nosso tempo, Fátima e Ali (A.S.) foram os primeiros alunos na escola em tempo integral do Profeta (S.A.A.S.). Ali (A.S.) costumava se sentar em Mecca, quando a revelação ao Profeta (S.A.A.S.) estava em seu início, e Fátima (A.S.) também o fazia para redigir, junto com Ali (A.S.), a revelação, e ouvir os ensinamentos do Profeta (S.A.A.S.) e as explicações sobre o sentido das revelações. Juntos, aprenderam o que Allah havia confiado a Seu Profeta sobre as leis a serem comunicadas aos homens. Daí que Fátima e Ali (A.S.) presenciaram aquela imensa onda cultural e profética que se levantava. Podemos entender o hadith que diz “Se Ali não existisse, não haveria ninguém comparável a Fátima” no aspecto intelectual, pois somente o conhecimento de Ali (A.S.) se equiparava ao dela.

Seu Casamento

Muitos companheiros do Profeta (S.A.A.S.) propuseram casamento a Fátima (A.S.), porém ele (S.A.A.S.) polidamente recusou suas propostas dizendo: “Eu aguardo a ordem de meu Senhor”, pois, havia em Fátima (A.S.) um conjunto de qualidades que não se encontrava em suas outras filhas. Fátima (A.S.) possuía um segredo sagrado, que somente Allah o Onipotente conhecia; e o mesmo ocorria com Ali (A.S.).

Algumas pessoas perguntaram a Ali: “Por que não fazes uma proposta de casamento a Fátima?” Porém, ele era tímido. Mas, finalmente, foi até o Profeta (S.A.A.S.) e falou com ele sobre o assunto. A resposta do Profeta (S.A.A.S.) foi favorável, como se estivesse esperando por aquilo. Ele perguntou a Ali; “Quanto tens em dinheiro?” Naturalmente, o Profeta (S.A.A.S.) sabia quanto Ali (A.S.) possuía, já que o criara e estivera com ele todo o tempo, de dia e de noite, na guerra e na paz; ainda assim perguntou. Ali (A.S.) respondeu: “Minha espada, meu escudo e as roupas que visto”. O Profeta (S.A.A.S.) disse: “Não podes ficar sem a tua espada, com a qual defendes o Islam e afastas a dificuldade do Mensageiro de Allah, mas, entrega-me o teu escudo”. O escudo foi vendido por 500 dirham e este foi o dote para o casamento. Fátima (A.S.) aceitou Ali (A.S.) como seu esposo.

O que precisamos compreender desse casamento é o que consta no hadith em que Imam Sadiq (A.S.) ou o Profeta (S.A.A.S.) (de acordo com outros) disse: “Se Allah não tivesse criado o Emir dos Crentes para Fátima, não existiria ninguém merecedor de Fátima sobre a terra”. O que significava essa posição de merecimento citada na tradição? Certamente que não se tratava de um requisito referente ao laço familiar, pois, existiam outros primos do Profeta (S.A.A.S.). Tratava-se de um mérito de alma, mente intelecto e crença. Fátima (A.S.) era, por sua fé, por seu intelecto, sua alma, seu ascetismo e empenho na senda de Allah, digna da posição equivalente a de Ali (A.S.), que foi do mais alto grau no que se refere a esses atributos. Allah ordenou a Seu Mensageiro (S.A.A.S.) que celebrasse a união de sua filha com aquele que se comparava a ela na pureza espiritual, e havia, sem dúvida, muitas qualidades em que eles se comparavam.

Esse fato torna evidente a razão do Profeta (S.A.A.S.) ter recusado as propostas de seus companheiros. Al Saduq nos conta, no “Uyun Akhbar Al Rida”, que Ali (A.S.) disse: “O Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) disse a mim: Ó Ali! Os homens de Quraish se queixaram acerca de Fátima (de seu casamento) e disseram: Pedimos a mão dela a ti e recusaste; então, a deste em casamento a Ali! Eu disse a eles: “Juro por Allah que não foi por mim que o fiz, mas por Allah… Gabriel veio e disse: ‘Ó Mohammad! Allah o Majestoso o Poderoso disse: “Se Eu não tivesse criado a Ali, não existiria ninguém que fosse digno de Fátima na face da terra”.

As Narrativas de Fátima (A.S.)

Eis aqui algumas de suas narrativas:

1 – Al Qunduzi narrou no “Yenabi Al Mawaddah” que Fátima (A.S.) disse: “Ouvi meu pai, o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) dizer durante sua doença (em seus últimos dias), e os seus companheiros estavam no recinto (i.e. ele não disse isso em particular, mas diante de seus companheiros): “Ó povo! Estou prestes a morrer e dirijo minhas palavras a vós para cumprir meu dever – Estou a deixar-vos o Livro de meu Senhor, o Majestoso, o Poderoso, e minha família”. Em seguida, ele pegou a mão de Ali (A.S.) e disse: “Este é Ali, que está com o Alcorão e o Alcorão está com ele; e não se separarão até que me encontrem no Khaud. Eu vos pergunto: como tratareis deles?”

2 – No “Kanz Al Fawa’id”, Fátima (A.S.) narrou que o Profeta (S.A.A.S.) disse: “Gabriel informou-me que os dois anjos (encarregados de anotar as ações) de Ali não anotaram pecado algum desde quando começaram a acompanhá-lo”. O que distinguia Ali (A.S.) de todos os demais companheiros e também foi o que fez Fátima (A.S.) defender o direito de sucessão, e não o fato de sua ligação familiar.

3 – Em outra narrativa, Fátima (A.S.) conta que certa vez ao ir ao encontro do Profeta (S.A.A.S.), ele estendeu um pano e disse “sente-se”, então Al Hassan (A.S.) chegou e o Profeta disse a ele: “sente-se ao lado dela”, em seguida, Al Hussein (A.S.) chegou e ele disse “sente-se ao lado deles”; por fim, Ali (A.S.) chegou e o Profeta (S.A.A.S.) também o convidou a sentar ao lado dos demais. Então, puxou as bordas do pano e fechou-as sobre eles dizendo: “Ó Senhor! Eles são de mim e eu sou deles; ó Senhor! Que Tu estejas satisfeito com eles como eu estou satisfeito com eles”. Sua afirmação “eu sou deles” significa que a missão da profecia, da qual era portador, seria transmitida aos Ahlul Bayt, de modo que continuaria entre eles. Essa era a razão de sua satisfação, pois ele estava satisfeito com aqueles que contentavam a Allah.

4 – Em outra narrativa, Fátima (A.S.) enviou Al Hassan e Al Hussein (A.S.) ao Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) em seus últimos momentos, e disse: “Ó Mensageiro de Allah! Não tens algo para legar a estes?” Ele respondeu: “Quanto à Al Hassan, tem a minha aparência e a minha forma de liderar; quanto à Al Hussein, tem a minha coragem e a minha generosidade”.

5 – Fátima (A.S.) relatou: “Meu pai, o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) chegou no momento em que eu me preparava para ir dormir, e ele disse: “Ó Fátima, não te recolhas sem antes fazer quatro coisas: recitar o Alcorão inteiro, tornar os profetas teus mediadores (diante de Allah), fazer com que os crentes fiquem satisfeitos contigo e realizar a Peregrinação e a Visita (a Mecca)”. Em seguida, ele começou a orar. Então, eu fiquei no leito até que ele terminasse a oração, e disse: Ó Mensageiro de Allah, ordenaste-me quatro coisas que não posso fazer neste momento! O Mensageiro de Allah sorriu e disse: “Se recitares a sura Tawhid três vezes será como se tiveres recitado o Alcorão inteiro; se invocares a paz sobre mim e os profetas que me precederam, seremos teus mediadores no Dia do Juízo; se pedires a Allah o perdão aos crentes, ficarão satisfeitos contigo, e se disseres Subhanallah, al Hamdulillah, la ilaha illallah e Allah’u Akbar será como ter realizado a Peregrinação e a Visita (a Mecca)”.

6 – Fátima (A.S.) relatou: “O Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) disse: “Os melhores são aqueles que são mais tolerantes com as pessoas e mais generosos com suas mulheres”. O que quer dizer que os melhores são aqueles que são generosos com suas esposas, mães e filhas.

As Injustiças que Sofreu

A curta existência de Fátima (A.S.), que segundo alguns historiadores não durou mais do que vinte anos, foi repleta de sofrimento e crises. Se falarmos sobre os sofrimentos e dificuldades em sua vida diária, precisaremos também falar das coisas que foram ainda piores que isso: as calamidades e injustiças que ela sofreu após o falecimento de seu pai – calamidades e injustiças que provocaram uma grave ferida na nação muçulmana e que foi a causa de muitos outros males subsequentes – sendo que, um dos piores foi o assassinato do Líder dos Jovens do Paraíso Imam Al Hussein (A.S.) e de alguns de sua descendência no deserto de Karbala, seguido do cativeiro das mulheres e crianças, que foram levadas a Al Shams (Damasco). Essas injustiças foram narradas tanto por fontes xiitas como por fontes sunitas e as várias narrativas que tratam do assunto coincidem, até o nível de transmissão contínua (mutawatir).

1 – O Ataque a Casa de Fátima (A.S.)

Os historiadores, dentre os quais Ibn Qutaybah no “Al Imamah Wal Syasah”, contam que após a morte do Profeta e o episódio de Al Saqifah, homens se dirigiram até a casa de Fátima (A.S.) e de Ali (A.S.) carregando lenha com a intenção de incendiá-la, desejavam ameaçar aqueles que consideravam opositores e que se reuniam ali. Algumas pessoas disseram ao líder do ataque: “O Imam na casa é Fátima!”, e ela era a quem os muçulmanos amavam e respeitavam, cuja posição reconheciam, pois, era a única filha que o Profeta (S.A.A.S.) deixara ao morrer, e todos sabiam que era parte dele, que sua ira seria a ira do Profeta e magoá-la seria o mesmo que magoar o Profeta. Então, como poderia alguém atar fogo ao seu lar? Porém, ele respondeu dizendo: “Tanto faz!”

Consideramos essa afirmação uma das mais perigosas, porque significa que não havia nada sagrado naquela casa e nenhum impedimento para que fosse incendiada com todos os que estavam dentro dela! A afirmação demonstra a atitude mental daquelas pessoas, e o que estavam dispostos a fazer. Contudo, se tivessem aberto a possibilidade do diálogo com boas palavras, teriam encontrado receptividade em Ali, que em toda sua vida foi um homem inclinado ao diálogo, mesmo depois de assumir o califado; e teriam também encontrado a disposição para o diálogo em Fátima (A.S.), porque o Alcorão, ao qual Fátima mais do que todas as outras pessoas havia aderido com fervor, era o Livro do diálogo. Todavia, aquelas pessoas já haviam superado o estágio do diálogo quando juntaram a lenha com a intenção de incendiar a casa de Az Zahrá (A.S.). Assim, quando o líder do ataque disse: “tanto faz” demonstrava a pior de todas as formas de injustiça das quais Fátima (A.S.) foi submetida.

2 – Outras Injustiças

Em outras ocasiões Fátima (A.S.) foi injustiçada, porém, nem sempre foram entendidas assim, sem que houvesse qualquer dúvida. Além do ataque a sua casa, houve a fratura de sua costela, o aborto provocado e as agressões físicas que sofreu. Esses fatos foram registrados em narrativas questionáveis ou no que diz respeito ao texto ou à corrente de transmissão (sanad) como ocorre com muitas narrativas históricas. Portanto, levantamos algumas dúvidas, que também foram levantadas por alguns eruditos do passado (que Allah esteja satisfeito com eles), como é o caso de Shaykh Mufid que parece questionar o assunto do aborto sofrido e mesmo a existência da gestação – não obstante discordemos dele sobre o último item. Todavia, não negamos a possibilidade desses eventos terem ocorrido – como Shaykh Mohammad Hussein Kashif Al Ghita que não pôs em dúvida a ocorrência de agressões físicas à Fátima (A.S.), já que negar a possibilidade de alguma coisa requer tantas provas quanto são requeridas para se confirmar a mesma. De qualquer modo, o que é certo é a existência de numerosas tradições que mencionam uma agressão a Fátima (A.S.) somente a título de ameaça de incendiar sua casa – e somente isso é suficiente para comprovar o grau do crime cometido. Foi um crime que continuou a perseguir aqueles que o cometeram, por isso verificamos que o primeiro Califa declarou quando estava a morrer: “Eu desejaria não ter ameaçado a casa de Fátima (A.S.), ainda que tivessem declarado guerra a mim”. (Comentário sobre o Nahjul Balaghah, Lisan al Mizan).

3 – A Recusa do Direito de Fátima (A.S.)

Os sábios de ambas as escolas, inclusive Al Suyuti, em seu comentário sobre o versículo: “Concede ao teu parente o que lhe é devido…” (C.17 – V.26), disse que quando o versículo foi revelado, o Profeta (S.A.A.S.) deu a Fátima (A.S.) a propriedade de Fadak, que considerou parte do tratado de paz entre ele e os judeus… Ao que parece, o direito de Fátima (A.S.) sobre Fadak sempre foi bem conhecido entre os muçulmanos no decorrer da história, e por essa razão Umar bin Abdul Aziz, o califa omíada, devolveu Fadak aos Ahlul Bayt. (Futuh Al Buldan)

Mais tarde, depois que os primeiros califas abássidas a haviam confiscado, al Mahdi devolveu-a de novo e em seguida, Harun tomou-a de volta; a propriedade continuou na posse dos abássidas até que Al Ma’mun assumiu o califado e devolveu-a aos Fatimidas.

As provas do direito de propriedade de Fátima (A.S.) sobre Fadak eram muitas e evidentes, e muitos muçulmanos prestaram testemunho a esse respeito, dentre eles o Emir dos Fiéis (A.S.) e Ummu Ayman, porém essas provas foram refutadas. Não havia nenhuma contraprova – exceto o hadith em que Abu Bakr narrou, no qual o Profeta (S.A.A.S.) disse: “Nós, os profetas, não deixamos herança – o que deixamos (se destina) à caridade”.

Os argumentos contrários a essa prova, (além do hadith contrariar o próprio Alcorão) são:

a – O hadith foi narrado somente por Abu Bakr, e Fátima nega a sua validade com a atitude que adotou.

b – O Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) amava muito a Fátima (A.S.) e a protegia de todo mal. Então, por que não a informaria sobre essa norma islâmica? De qualquer maneira, o Alcorão afirma que os profetas herdam e legam herança. Como não a informaria, se o hadith estivesse diretamente relacionado a ela, e não a pouparia daquele problema?

c – Se os muçulmanos concordam que Fátima (A.S.) é a Senhora das mulheres do mundo, como, então, podem admitir que ela mentisse, dissesse coisas sem sentido ou contrariasse um hadith de seu pai (S.A.A.S.)?

d – A história dos profetas (A.S.) não nos conta que eles não tenham deixado herança ou que aquilo que tenham deixado tenha se destinado à caridade, caso contrário, os adeptos das outras religiões teriam conhecimento disso.

e – É concebível que Ali (A.S.) entrasse em disputa com o povo sobre Fadak, e que acusasse as pessoas de injustiça e traição apenas para ficar do lado de sua esposa? Como poderia ser isso se o Profeta (S.A.A.S.) disse: “O que é direito está com Ali onde ele for” e ainda “Ali está com o certo e o certo está com Ali?” E como Ali (A.S.) não saberia que o Profeta (S.A.A.S.) não deixara herança, se ele Ali era o portal da Cidade do Conhecimento e da Sabedoria do Profeta (S.A.A.S.), possuindo conhecimento num nível que não podia ser alcançado por nenhum outro companheiro?

f – Os historiadores mencionaram que Fadak estava, na verdade, sob o controle de Fátima (A.S.) e que, no início de sua reivindicação ela afirmou que se tratava de um presente de seu pai, portanto, não poderia ser incluído na categoria de herança.

4 – A Injustiça Histórica

Muitos dos grandes homens e mulheres sofrem a injustiça da história, em que historiadores intencionalmente ocultam seus nomes, marginalizam o papel que tenham desempenhado, ou mesmo descuidam dos registros biográficos, que são ricos em lições e exemplos.

Fátima (A.S.) foi uma dessas vítimas, pois, quando estudamos sua história, encontramos somente instantâneos do que viveu com seu pai o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.), com pouquíssimos detalhes. Fátima (A.S.) é citada como uma das pessoas que migraram, porém, nada mais foi registrado. Ironicamente, encontramos longas histórias sobre coisas irrelevantes para a nossa vida prática, como as celebrações nos céus na ocasião de seu casamento.

Sabemos que sua vida, embora curta, foi cheia de lições, ensinamentos, adoração e esforço na causa divina. Podemos dizer que, apesar de toda injustiça histórica, o que chegou a nós de sua parte e sobre ela basta para nos deixar o mais sublime exemplo e o mais completo modelo para qualquer muçulmano.

5 – Ela deixou este mundo magoada com os seus opressores

O ataque a casa de Fátima (A.S.) e as outras injustiças não conseguiram a aprovação dos muçulmanos em geral. O que forçou os dois homens que a oprimiram a solicitar a Ali (A.S.) que pedisse permissão a ela para que entrassem e tentassem resolver a questão. Qual foi a resposta de Fátima (A.S.)?

Ibn Qutayba, no “Al Imamah wal Syasah”, narra que Umar disse a Abu Bakr: “Vamos até Fátima, pois provocamos sua ira”. Então, eles foram juntos e pediram a ela permissão para entrar em sua casa, porém, Fátima não autorizou. Assim, recorreram a Ali (A.S.) para que falasse com ela (o que Ali fez). Quando finalmente entraram e sentaram, Fátima voltou sua face para a parede, eles a saudaram, mas ela não respondeu. Abu Bakr disse: “Ó tu, querida do Mensageiro de Allah, juro por Allah que a família do Mensageiro de Allah me é mais cara do que a minha própria família, que tu me és mais cara do que a minha própria filha Aishah; e que no dia em que teu pai morreu desejei morrer e que nada ficasse depois dele… Como poderia, conhecendo a ti e as tuas virtudes e honra negar-te o direito e a herança do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.)? Se não porque ouvi teu pai o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) dizer: “Nós, os profetas, não legamos herança, o que deixamos (se destina a) caridade”.” Fátima (A.S.) não comentou o assunto da herança, já que havia antes tratado detalhadamente disso em seu sermão, mas, quis estabelecer a prova a respeito do mal causado e da injustiça que havia sofrido. Por isso, ela disse: “Acaso, se eu narrar um hadith do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.), que é de vosso conhecimento, agireis de acordo com o hadith?” Responderam que sim. E ela continuou: “Eu vos pergunto, por Allah, não ouvistes o hadith do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.): “A satisfação de Fátima é a minha satisfação e o desagrado de Fátima é o meu desagrado”? Disseram: “Sim, ouvimos isto do Mensageiro de Allah”. Ela disse: “Portanto, tomo Allah e os anjos como testemunhas de que me desagradastes, e quando eu encontrar o Profeta me queixarei de vós a ele!” Abu Bakr disse: “Busco refúgio em Allah contra o teu desagrado e o dele, ó Fátima!” Mas, ela disse: “Juro por Allah que me queixarei de vós (a Allah) em toda prece que fizer!”

Segundo outra fonte, ela disse: “Eu vos pergunto, por Allah, não ouviste o Profeta (S.A.A.S.) dizer: Fátima é parte de mim e eu sou parte dela; aquele que a ofender, ofende a mim, e aquele que me ofender ofenderá a Allah, e aquele que a ofender depois de minha morte, será como se tivesse a ofendido durante a minha vida, e aquele que a ofender durante minha vida será como se a ofendesse depois de minha morte?” Eles responderam: “Por Allah, sim”. Ela disse: “Louvado seja Allah”. Em seguida, disse: “Oh Allah, eu vos faço minha testemunha, testemunhai, pois os que estão presentes, que eles me ofenderam na minha vida e na minha morte!”

Com toda ênfase e coragem, Fátima (A.S.) ratificou sua reivindicação e registrou a ira pelo que os dois fizeram a ela, e, por conseguinte, (a ira) também do Mensageiro de Allah e, sobretudo de Allah. Sua mágoa permaneceu, como uma ferida aberta, no coração de seus descendentes e seguidores.

Quando Abdullah bin Al Hassan foi indagado sobre Abu Bakr e Umar, ele disse: “Nossa mãe era uma mulher fiel e filha de um profeta enviado, ela morreu ressentida com algumas pessoas e nós partilhamos do seu ressentimento”.

O Funeral de Fátima (A.S.) e a Preleção de Ali (A.S.)

O protesto de Fátima (A.S.) continuou até o seu falecimento. Ela pediu a Ali (A.S.) que a enterrasse durante a noite e que não permitisse que aqueles que a oprimiram negando seu direito estivessem presentes. Fátima (A.S.) desejou expressar a oposição à injustiça mesmo depois de sua morte, e não quis que isso fosse com mágoa e ressentimento, mas que fosse com sabedoria, prova convincente e atitude enérgica. Sabia que as pessoas perguntariam: Por que a filha do Profeta (S.A.A.S.) quis que seu enterro fosse à noite? Por que pediu tal coisa? O que estava acontecendo? Pois seria natural que todos participassem do funeral da filha do Profeta. Mas, ao descobrirem que seu enterro ocorrera durante a noite, saberiam que aquela fora sua vontade. O assunto se propagaria entre os muçulmanos: Por quê? Era o que Fátima (A.S.) queria, para despertar as consciências, para que aqueles que tinham sido enganados soubessem a natureza da conspiração e o que realmente havia acontecido. Devemos acrescentar que havia ainda a instrução para que o seu túmulo fosse nivelado (sem indicação alguma), o que seria outra prova da injustiça sofrida, para que se eternizasse seu protesto contra os seus opressores.

Ali (A.S.) fez exatamente o que Fátima (A.S.) queria: sepultou-a durante a noite e ocultou seu túmulo. O lugar de seu túmulo permaneceu desconhecido, não obstante algumas tradições dos Ahlul Bayt (A.S.) afirmem que tenha sido enterrada em sua casa, enquanto outras indiquem o rauda (Jardim) que, de acordo com alguns sábios, é o que o Profeta (S.A.A.S.) quis dizer na tradição: “Entre o meu túmulo e meu púlpito há um dos jardins do Paraíso”. Na interpretação de outros, Fátima (A.S.) foi sepultada no cemitério de Al Baqi.

Capítulo 2 – Sua sublime posição perante Allah

No Alcorão Sagrado

Os Ahlul Bayt (A.S.) são mencionados em muitos versículos do Alcorão. Aqui temos três passagens que fazem alusão a nossa Senhora Fátima (A.S.):

1 – Os Versículos da Caridade

“E por amor a Ele (Deus) alimentam o necessitado, o órfão e o cativo. (Dizendo): Certamente vos alimentamos por amor a Deus; não exigimos recompensa nem gratidão. Em verdade, tememos, da parte de nosso Senhor, o dia da aflição calamitosa. Mas Deus os preservará do mal daquele dia e os receberá com esplendor e júbilo; e os recompensará por sua perseverança, com um vergel e (vestes) de seda”. (C.76 – V.8 a 12)

Exegetas das várias escolas islâmicas dizem que estes versículos se referem a Ali, Fátima, Al Hassan e Al Hussein (A.S.). No “al Kashaf” Ibn Abbas narra que “Al Hassan e Al Hussein estavam enfermos e foram visitados pelo Mensageiro de Allah e alguns companheiros. Disseram a Ali (A.S.); Ó Abul Hassan! Por que não faz uma promessa por teus filhos? Assim, Ali, Fátima e Fadda – uma serva – fizeram uma promessa de que se os dois se restabelecessem, jejuariam por três dias. Al Hassan e al Hussein recuperaram a saúde, então, Ali (A.S.) tomou por empréstimo de Simon, o judeu de Khaybar, três medidas de cevada, Fátima moeu uma quantidade e cozinhou cinco pães. No momento em que se preparavam para quebrar o jejum, um necessitado chegou e disse: “As Salamu alaykum, ó família de Mohammad! Alimentai um muçulmano necessitado e que Allah vos alimente com os banquetes do Paraíso!” Eles deram ao homem tudo o que tinham e passaram a noite apenas com água, retomando o jejum na manhã seguinte. Quando a noite caiu e se preparavam para quebrar o jejum, um órfão chegou e eles entregaram o que tinham para comer; no final do terceiro dia, fizeram o mesmo quando receberam a visita de um cativo. Pela manhã, Ali (que Allah esteja satisfeito com ele) levou al Hassan e Al Hussein até o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.). Ao vê-los tremendo de fome, o Profeta (S.A.A.S.) disse: “Quão penoso é para mim vê-los nesse estado”; em seguida, ele foi até Fátima (A.S.). Encontrou-a junto ao seu nicho de oração e viu como seu ventre parecia pregar-se às costas e como seus olhos estavam fundos. Gabriel (A.S.) desceu e disse: “Recebei isto, ó Mohammad! Allah saúda a ti e a tua família”, então, recitou os versículos”.

Esse foi o segredo dos Ahlul Bayt (A.S.): em todas as suas atividades se moviam pela causa de Allah, sem questionamentos ou pedidos de recompensa ou gratidão. Essa é uma grande virtude humanista: uma pessoa deve dar tudo o que tem àquele que estiver em necessidade, sem esperar qualquer forma de compensação, esperando somente da misericórdia de Allah. Esse é o valor dos Ahlul Bayt, e entre eles, a Senhora Fátima (A.S.). Viveram o espírito da doação e deram – em seu conhecimento, posição social, força, alma e espírito – tudo em nome da causa de Allah.

2 – O Versículo de Mubahalah

“Àqueles que discutem contigo a respeito dele, depois de te haver chegado o conhecimento, dize-lhes: Vinde! “Convoquemos os nossos filhos e os vossos, as nossas mulheres e as vossas, e nós mesmos, então, deprecaremos para que a maldição de Deus caia sobre os mentirosos”. (C.3 – V.61)

Todos os exegetas concordam que “nossas mulheres” se refere (da parte do Profeta) à Fátima Az Zahrá (A.S.), o que demonstrou na prática. No relato sobre o diálogo que o Profeta (S.A.A.S.) teve com os alguns cristãos, vemos que o Profeta (S.A.A.S.) adotou um novo modo de lidar com a situação quando o diálogo havia chegado a um impasse, e é sobre esse método que o versículo trata.

Eis a narrativa do eminente sábio Ali bin Ibrahim al Qummi, do Imam Assadeq (A.S.): “Os cristãos de Najran vieram (numa delegação) até o Mensageiro de Allah… Fizeram suas orações usando um sino; os companheiros do Profeta disseram: “Ó Mensageiro de Allah! Fazem isso em nossa mesquita? “Ele respondeu: Deixai-os em paz (para que orem como quiserem)”. Quando terminaram suas preces se dirigiram ao Profeta (S.A.A.S.) e perguntaram; “Para o que estás a chamar o povo?” Ele disse: “Dou testemunho que não há outro deus senão Allah, que sou o Mensageiro de Allah e que Isa (Jesus) (A.S.) foi criado como servo (de Allah) se alimentando, bebendo e satisfazendo suas necessidades”. Eles perguntaram: “Então, quem era o seu pai?” Nesse momento, foi revelado ao Mensageiro de Allah (S.A.A.S.): “(Dize): O que dizeis sobre Adão, que foi criado como servo (de Allah), que comeu, bebeu, teve necessidades e casou?” Assim, o Profeta (S.A.A.S.) perguntou-lhes e eles responderam: “Sim”. Então, ele perguntou: “Quem foi o seu pai?” Eles não puderam responder. Em seguida, Allah revelou: “O exemplo de Jesus, ante Deus, é idêntico ao de Adão, que ele criou do pó e então disse: Seja! E foi!” (C.3 – V.59) “E aqueles que discutem contigo… deprecaremos para que a maldição de Deus caia sobre os mentirosos”.

O Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) disse: “Portanto, desafiem-me. Se eu estiver falando a verdade que a maldição caia sobre vós, e se eu estiver mentindo, que a maldição caia sobre mim”. Disseram: “Estás a dizer algo justo”. Então, marcaram um encontro para a “mubahalah”. Quando voltaram para o lugar onde pernoitariam, seus líderes Al Sayyed, Al ‘Aqib e Al Ahtam disseram: “Se ele nos desafiasse para a imprecação mútua com os seus companheiros, aceitaríamos o desafio, porém, estaríamos certos de que não seria um profeta; mas, se nos desafia com sua família não aceitamos tal desafio, pois, ele não apresentará sua própria família se não for verdadeiro”. Ao amanhecer, foram até o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.), e com ele estavam o Emir dos Fiéis, Fátima, Al Hassan e Al Hussein (A.S.). Os cristãos perguntaram: “Quem são estes?” As pessoas disseram: “Seu primo, sucessor e genro, sua filha Fátima, e seus netos Al Hassan e Al Hussein”. Os cristãos ficaram assustados e disseram ao Mensageiro de Allah (S.A.A.S.): “Comparecemos diante de ti, então, nos isente da imprecação”.

“… e nossas mulheres”: Aquelas mulheres que representam a posição mais próxima da afinidade espiritual em minha vida, e aqui, eu apresento minha filha Fátima, a Senhora das mulheres do Mundo, que é parte de mim, aquela “que Allah se enfurece com sua ira e se satisfaz com sua satisfação”, nesse grande desafio para provar que estou absolutamente certo sobre a verdade de minha mensagem, pois, um homem não porá em risco as pessoas que mais ama, a menos que esteja certo que estarão seguros.

3 – O versículo da Purificação

“… Deus só deseja afastar de vós a abominação, ó membros da Casa, bem como purificar-vos integralmente”. (C.33 – V.33)

Umm Salamah (esposa do Profeta) disse: “O Profeta (S.A.A.S.) estava em minha casa com Ali, Fátima, Al Hassan e Al Hussein; eu preparei um pouco de comida e eles comeram e foram dormir. Ele os cobriu com uma manta e disse: “Ó Senhor! Estas são as pessoas de minha Casa, afastai-os da abominação e purificai-os com uma purificação completa”. Em outra narrativa, Umm Salamah conta que o versículo foi revelado em sua casa e comenta: “Eu estava sentada junto à porta da casa e disse: “Ó Mensageiro de Allah! Eu não pertenço à Casa do Profeta?” Ele respondeu: “Tu estás na senda correta e és uma das esposas do Profeta!” Umm Salamah acrescenta: “A Casa do Profeta (os membros dos Ahlul Bayt) eram Ali, Fátima, al Hassan e al Hussein”.

Qual é o significado de rijs (impureza, abominação) no versículo acima? “Rijs” na linguagem comum significa qualquer coisa que possa aderir ao corpo ou a outra coisa; pode também se referir ao aspecto não-material da personalidade. Allah chamou a carne de porco de “rijs”, como também utilizou o termo para ateísmo, politeísmo e as consequências das más ações: “Quanto àqueles que abrigam a morbidez em seus corações. é-lhes acrescentada abominação sobre abominação, e morrerão na descrença”. (C.9 – V.125) e “Aquele a quem Deus deseja orientar, Ele expande o seu peito para o Islam, e aquele a quem Deus deseja extraviar, faz com que seu peito se estreite, como se estivesse nas alturas, assim, Deus reserva um castigo ignominioso para os descrentes”.

Ao considerarmos o que é dito nos versículos, nos parece que o termo se refere aos atributos morais negativos que representam a impureza da alma. Ademais, o termo não possui o sentido de equívoco intelectual no reconhecimento das coisas, o que pode indicar a infalibilidade humana. Este é um favor conferido por Allah no íntimo (da pessoa agraciada) que a capacita a bloquear a má ação ou a falsa ideia. De fato, o termo também implica uma noção de repulsão ou rejeição, ou ainda, a necessidade de se abster de algo.

O versículo (da purificação) é uma prova evidente da infalibilidade dos Ahlul Bayt (A.S.), porque o “Lam” na palavra “rijs’ (al rijs) torna o termo abrangente na referência a tudo o que possa causar deficiência na personalidade do indivíduo, dando o sentido de uma repulsão a tudo que possa provocar o pecado ou o erro. Portanto, indica que a vontade de Allah foi remover todas as causas de desvio ou erro. Ou seja, Allah depositou nos Ahlul Bayt (A.S.) o conhecimento e os atributos especiais de santidade e pureza para remover toda impureza deles, purificando-os integralmente.

No Hadith

O Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) mencionou Fátima (A.S.) e suas virtudes muitas vezes, e a descreveu de uma maneira única. Tanto que o príncipe dos poetas, Ahmad Shawki disse: “Ele não desejou nenhuma outra para sua descendência / E aquele que gera Al Zahrá não desejará ninguém mais”. E o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) quando avaliava alguém não o fazia por emoção ou desejo – “e não fala por capricho”. (C.53 – V.3); mas o fazia com a língua da revelação: “Isso não é senão inspiração que lhe foi revelada”. (C.53 – V.4)

Aqui, citaremos algumas das narrativas a respeito de Fátima (A.S.).

1 – A Senhora das Mulheres do Mundo

Entre os mais importantes títulos com os quais a fiel e pura Fátima (A.S.) foi agraciada, há o que foi narrado no famoso hadith do Profeta (S.A.A.S.): “A Senhora das mulheres do Paraíso”. Em outro hadith: “A Senhora das mulheres do mundo”. E num terceiro: “A Senhora das crentes”. E ainda: “A Senhora das mulheres da Ummah[1]”.

Temos em outro hadith: “Ó minha filha, não está contente em ser a senhora das mulheres do mundo? Ela disse:” Ó pai! E quanto à Maria, filha de Imran?”Ele disse: “Ela é a senhora das mulheres do seu mundo (do mundo de sua era) e tu és a senhora das mulheres do teu mundo (de tua era); eu juro por Allah que te dei em casamento a um líder nesta vida e na outra”. (Hilya al Awlya).

Devemos, pois, parar e ponderar sobre isso. Esse título, de Senhora das Mulheres do Mundo, é um mero título honorário? Não. O Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) não daria um título sem razão para tal, pois quando se dispunha a avaliar pessoas, mesmo se fossem seus parentes, o fazia de acordo com o correto julgamento das reais aptidões dos indivíduos em questão. Do contrário, estaria falando por capricho, mas, Allah disse: “Não fala por capricho. Isso não é senão inspiração que lhe foi revelada”. (C.53 – V..3 e 4)

Assim, para que Fátima fosse a Senhora das Mulheres do Paraíso, Ele (Deus) deve ter reunido nela, em seu ser, todas as virtudes das mulheres do Paraíso; e para que fosse a Senhora das mulheres do Mundo, todos os méritos e virtudes das fiéis deveriam estar manifestos nela. Se assim não fosse, como poderia ser a Senhora dessas mulheres se não as tivesse superado (nas virtudes e atributos)?

2 – Fátima é Parte de Mim

Em outro dizer do Profeta (S.A.A.S.), a respeito da distinta posição de Fátima (como Senhora das Mulheres) encontramos: “Fátima é parte de mim, aquele que a desagradar, desagradará a mim”. E também: “Em verdade, somente minha filha Fátima é parte de mim, o que a magoar, magoará a mim”. Nas diferentes formas que as narrativas nos chegaram do Fiel e Confiável (S.A.A.S.), ele (S.A.A.S.) apenas fala por meio da revelação, não da emoção, porque sua emoção era a humana, daquele que abraçava sua filha como qualquer outro humano faria. Porém, quando ele emitia um julgamento distintivo, o fazia através da revelação e da mensagem, e ninguém pode afirmar que não, uma vez que Allah disse: “E se (o Mensageiro) tivesse inventado alguns ditos em Nosso nome, certamente o teríamos apanhado pela destra e, então, ter-lhe-íamos cortado a aorta!” (C.69 – 44 a 46)

As narrativas expressam o profundo laço espiritual entre o Profeta (S.A.A.S.) e Fátima (A.S.). As palavras dele “parte de mim” não se referem ao aspecto material, o que está evidente, mas a algo muito mais profundo. Que alguém seja parte do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) significa que há uma relação missionária, algo como pertencer ao seu corpo; o que implica possuir em sua mente algo da mente do Profeta (S.A.A.S.), e que sua vida contenha algo da pureza, da espiritualidade e da fidelidade dele.

O Profeta (S.A.A.S.) acrescenta: “aquele que a desagrada, desagrada a mim”. Sabemos que os portadores das mensagens celestiais não se ressentem com a mágoa causada aos seus filhos, assim como um homem justo não se ofenderá com alguém que, justamente, ofender a um filho seu. Então, qual é o sentido da afirmação do Profeta (S.A.A.S.)? É que Fátima (A.S.) era a mulher que jamais cometeu injustiças com alguém, seja em palavras ou ações, para que as pessoas tivessem o direito de fazer isso a ela. Na verdade, se Fátima se sentisse zangada, ninguém teria causado essa zanga, porque ela só se irava por Allah. E aquele que provocasse a ira de uma pessoa assim, que não era capaz de cometer injustiça contra ninguém, certamente que estaria acendendo a ira de Allah; e Fátima (A.S.) era a mulher que não se enfurecia, a menos que Allah estivesse sendo desobedecido. Portanto, o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) se desagradava com o desagrado de Fátima (A.S.).

De modo similar, o seu dizer “O que agrada a ela agrada a mim” significa que Fátima (A.S.) só estava satisfeita com aquilo que fosse agradável a Allah e ao Seu Mensageiro. Se o Profeta (S.A.A.S.) não fosse conhecedor da personalidade mais íntima de Fátima (A.S.), de que ela era uma imagem de sua própria alma, de seu próprio pensamento, comportamento e mensagem, que a Mensagem estava impressa em seu íntimo e que sua personalidade estava dissolvida na Mensagem, seria incorreto condicionar o seu agrado ao agrado dela. O que prova claramente que Fátima (A.S.) era Infalível, pura e que havia alcançado o mais alto grau de perfeição.

3 – A Satisfação de Allah e a Satisfação de Fátima (A.S.)

Em outro hadith, o Profeta (S.A.A.S.) diz: “Em verdade, a ira de Allah é a ira de Fátima, e o agrado de Allah é o agrado de Fátima”.

O texto acima é uma prova mais contundente do que a anterior para a excelência de Fátima e sua sublime posição diante de Allah. Qual é o seu significado?

É que uma pessoa assim habitou todas as locações da satisfação de Allah e permaneceu distante de todas as locações de Sua ira. Exatamente o que foi expresso pelo Imam Al Hussein (A.S.) quando disse: “A satisfação de Allah e a nossa satisfação, (da Família do Profeta)”.

Os Muçulmanos

Não é segredo de que Fátima (A.S.) é a principal figura feminina, santificada por todos os muçulmanos. Se lêssemos o que os sábios muçulmanos sunitas e xiitas escreveram sobre ela, verificaríamos o mais elevado respeito, amor e glorificação dedicados a sua pessoa. A razão disso é o fato de que sua personalidade continha os mais elevados valores morais, a pureza espiritual e o conhecimento, o que a tornou o modelo a ser seguido pelos muçulmanos. Também se deve por aquilo que conhecemos sobre ela do Alcorão e dos dizeres do Profeta (S.A.A.S.), que esclareceram sua nobre posição e enfatizaram a obrigação de respeitá-la, exaltá-la e de nos afastarmos de tudo o que a desagrade.

Aishah, a esposa do Profeta, descreveu Fátima (A.S.) como a pessoa mais fiel, depois de seu pai. Anas bin Malik disse que não havia ninguém que mais se assemelhasse ao Mensageiro de Allah do que Hassan bin Ali e Fátima. Ibn Mas’ud, Ibn Abbas, Ibn Umar, Abu Huraira, Abu Sa’yd Al Khudari, Salman al Farsi e outros companheiros do Profeta (S.A.A.S.) mencionaram suas virtudes e méritos em uma grande quantidade de narrativas, elogiando-a imensamente. O mesmo ocorreu com os sucessores dos companheiros (tabi’in) e os seus sucessores (tabi’i al tabi’in), incluindo os compiladores dos livros de hadith como al Bukhari, Muslim, Al Hakim al Naysabuti, Al Baghawi, Ibn Abdul Barr, Ibn Hajar e outros, que reservaram capítulos para narrar tudo o que se disse sobre ela e de como Allah a distinguiu.

Foi em vista do amor e reverência da comunidade muçulmana por Fátima (A.S.) que, quando atacaram sua casa para insultá-la e lançar ameaças de incendiar o seu lar, a única objeção foi que dentro da casa estava Fátima (A.S.); o que deixa evidente que ela vivia no âmago da consciência dos muçulmanos e que era dona de seus corações. Mesmo alguns dos agressores, que a amavam, partiram chorando ao ouvir sua voz.

Vimos também como os muçulmanos reagiram ao seu sermão após a morte do Profeta (S.A.A.S.), à usurpação do califado e a negação de seu direito sobre Fadak; eles ficaram comovidos com suas palavras ao ponto de se dizer “que nunca havia se visto homens e mulheres chorando como naquele dia”.

A Infalibilidade

Al Zahrá, Al Batul, em seu conhecimento, adoração e fé em Allah, e em seu carinho pelo Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) e pelo Emir dos Fiéis (A.S.), alcançou a posição de Infalibilidade, foi elevada ao grau de santidade, imaculada pelo pecado, e nos deixou o mais sublime exemplo como mulher que viveu para Allah e cerrou seus olhos para a vida mundana enquanto viveu entoando louvores a Ele. Cremos que Fátima (A.S.) alcançou o grau de Infalibilidade, livre de todas as más ações, das faltas, da ignorância espiritual e da negligência, e que não cometeu pecado algum, nem mesmo os menores deles.

As Provas de Sua Infalibilidade

Sua infalibilidade pode ser deduzida, além do hadith profético “Fátima é parte de mim, quem a desagradar desagradará a mim”, de três provas:

1 – Ao estudarmos sua biografia, do início ao fim, não encontraremos nenhum erro ou falta em suas palavras ou ideias, nem incerteza em suas ações. Por conseguinte, sua vida foi uma manifestação de infalibilidade, da maneira mais completa.

2 – Fátima (A.S.) pertence à Casa Profética, de quem Allah afastou toda impureza e a quem purificou integralmente (o versículo é uma prova indiscutível de sua infalibilidade).

Quando usamos o versículo da purificação como prova dessa infalibilidade, não queremos dizer que antes da revelação do mesmo Fátima (A.S.) não tenha sido infalível; na verdade, sua conduta anterior é, em si, um testemunho de sua infalibilidade. O versículo somente confirma o fato.

3 – Fátima (A.S.) é a Senhora das Mulheres do Mundo, como foi declarado no famoso hadith narrado por ambas as escolas. É inconcebível que uma pessoa que tenha alcançado tal posição não tenha vivido inteiramente num estado de fidelidade em seu coração e em sua mente, ou que a falsidade tenha encontrado algum lugar em seu ser.

A Natureza de Sua Infalibilidade

Nossa opinião sobre a infalibilidade dos Ahlul Bayt (A.S.) é que Allah o Altíssimo depositou neles os elementos do conhecimento e do espírito de santidade e com isso, removeu toda abominação purificando-os integralmente. Deu-lhes uma luz pela qual se movem através da consciência de todos os raios de luz e a visão dos horizontes. Deu-lhes ainda o conhecimento e a espiritualidade que os equipara ao conhecimento e a ciência divina, a consciência ampla do Islam, de modo que se movem dinamicamente com pureza e sabedoria, afastados de todo mal. Esses elementos aprofundam sua consciência e vontade, mas não atuam de maneira automática, sem o livre-arbítrio. Não podemos supor que o significado da infalibilidade formativa, como o que se deduz do versículo “Em verdade, Deus quis…” seja que Deus Onipotente retirou deles o livre-arbítrio, para que operasse a purificação integral, o que os tornaria máquinas desprovidas de vontade e consciência, tal ideia será um erro. Ainda que possamos dizer que Allah foi Quem lhes conferiu as virtudes da santidade, da espiritualidade e do conhecimento, o que não significa dizer que foram provados da escolha ou que se tornaram como objetos nas mãos de seu dono, já que tais virtudes se enraizaram na consciência deles e não os privaram do livre-arbítrio.

Assim sendo, a infalibilidade de Fátima (A.S.) era infalibilidade intencional, proveniente de sua consciência e da Graça Divina. Allah a protegeu da idolatria e da prática do pecado, como protegeu a seu esposo Ali (A.S.) da idolatria antes da Descida da Mensagem e depois dela – o que não aconteceu a muitos muçulmanos e muçulmanas que se prostravam aos ídolos antes do Islam. Quanto à Fátima (A.S.) sua prostração e sua genuflexão foram inteiramente a Allah desde o momento em que conheceu essas formas de adoração.

Capítulo 3 – O exemplo a ser seguido

A Fiel

Nas tradições, há a narrativa de que Aisha disse: “Não conheci ninguém mais fiel do que ela – Fátima – com exceção de seu pai”. O valor desse hadith está no fato de ter sido narrado de Aisha, que, ao que parece, falou após um exame sobre a comunidade muçulmana. Devemos observar que Aisha não disse que Fátima era fiel, mas que era “a mais fiel”. A expressão, quando aplicada a alguém, significa que há (em quem a usa) absoluta certeza de que se trata de uma pessoa de total confiabilidade, cujas palavras são sempre verdadeiras. Aisha viu em Fátima (A.S.) a pessoa mais fiel, que representava a verdade em tudo o que dizia e fazia como seu pai o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.), que manifestou a verdade ao ponto de ser conhecido – mesmo antes do início da Mensagem – como “o fiel’, “o digno de confiança”. Fátima (A.S.) adquiriu esse atributo de seu pai (S.A.A.S.) e se tornou excelente nesse aspecto, sendo considerada a mais fiel, depois dele. Fátima (A.S.) foi, e ainda é, o modelo de fidelidade, e deseja que tornemos nossa vida uma expressão de veracidade, de maneira que cada um de nós seja o mais fiel consigo mesmo e o mais fiel entre os demais; não como muitos que vivem em contínuo engano, mentindo na religião por meio de todos os tipos de desvios, e na política, com todas as forças de arrogância e traição, e na vida social onde a mentira possa favorecer os interesses egoístas.

A Adoradora

Ao examinarmos o que os livros históricos nos contam sobre Fátima (A.S.), descobrimos que ela foi uma adoradora sem igual. Eis aqui alguns exemplos:

Relata-se que Al Hassan Al Basri disse: “Não houve ninguém nessa nação que excedeu a adoração de Fátimah (a Deus); ela costumava orar até os seus pés incharem”. (al Bihar, Awalim Al Zahrá)

Ainda mais enfático, o Imam Al Hassan (A.S.), seu filho, disse: “Eu vi minha mãe (Fátima) em pé em seu mihrab durante toda a noite de sexta-feira. Ela genuflectiu e se prostrou até a aurora, e eu a ouvi orando pelos crentes citando-os pelos nomes…”

Fátima (A.S.) era uma mulher sobrecarregada com seus problemas familiares e as responsabilidades da fé no campo social, porém, apesar de tudo isso, e de sua fragilidade física, prestava culto a Allah até que seus pés inchassem e encontrava tempo para a adoração durante toda a noite.

Os Favores Miraculosos

Sem dúvida que existiram circunstâncias normais que formaram o cenário para o progresso espiritual e intelectual de Fátima (A.S.), como a educação que recebeu do Profeta, como foi o caso de outras grandes mulheres, por exemplo, a Virgem Maria (A.S.), que foi educada por Zakariya (A.S.). Entretanto, em adição a isso, houve o Favor Divino que a cobriu de pureza e santidade, capacitando-a a operar alguns milagres ainda no útero de sua mãe e houve também a graça de ser visitada pelos anjos. (Awalim al Zahrá)

Embora não possamos inferir disso que houve elementos metafísicos em sua personalidade que a colocassem além da condição humana, ou que sua vida foi transformada inteiramente por eventos metafísicos que desafiassem as leis naturais, isso não quer dizer que todos esses eventos devam ser negados por completo. Fátima (A.S.) realmente foi uma pessoa agraciada com os favores e graças de Allah, a tal ponto que podemos dizer que houve um elemento metafísico presente em sua personalidade.

Há a narrativa de que o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) costumava encontrar alimentos ao entrar em seu aposento, da mesma maneira que ocorria com Zakariya (A.S.) ao entrar no claustro de Maria (A.S.). Como nos relata o Alcorão: “(Zakariya) perguntava: Ó Maria, de onde te vem isso? Ela respondia: De Deus! Porque Deus agracia imensamente quem Lhe apraz”. (C.3 – V.37)

Fátima (A.S.) respondia da mesma maneira ao Profeta (S.A.A.S.), dizendo que se tratava de um favor de Allah, que a preparava para ser a Senhora das mulheres do Mundo, e para ocupar tal posição ela teria que possuir todas as virtudes e elementos de excelência, verdade, adoração e pureza.

Ademais, Fátima (A.S.) foi abençoada com outros favores miraculosos que demonstraram sua sublime posição e relação de proximidade com Allah.

Mas, Fátima (A.S.) foi uma paranormal?

A despeito das evidências mencionadas sobre sua infalibilidade e santidade, e dos favores divinos e virtudes, nada disso a afastou da condição humana. Fátima (A.S.) foi uma mulher com os sentimentos, desejos e emoções de uma mulher comum. Sua sublimidade se originava do fato de ter desenvolvido sentimentos em consonância com a satisfação de Allah e de ser capaz de impedir que seus desejos transgredissem as leis divinas, e assim, seu coração, sua mente e seu corpo não se afastavam da senda reta o mínimo que fosse. Foi o mesmo que ocorreu com o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.); foi um ser humano com as mesmas características dos outros homens “Dize: Sou tão somente um mortal como vós, a quem tem sido revelado que o vosso Deus é único…” (C. 18 – V.110) Se ele, os demais profetas, os Imames e Fátima não tivessem sido seres humanos, não teriam tido quaisquer distinções sobre o resto dos humanos, e não haveria qualquer sentido em segui-los “E se lhes tivéssemos enviado um anjo, tê-lo-íamos enviado com a figura de homem, confundindo ainda mais o que já era, para eles, confuso”. (C.6 – V.9)

A grandeza e o valor desses personagens é que foram seres humanos e não anjos; porém, através de sua santidade foram superiores aos anjos.

Um Espírito Transbordante

Depois de sua preocupação missionária, vinha sua preocupação com as pessoas que a cercavam, na verdade esta segunda fazia parte da primeira preocupação. Nesse ponto se encontra o valor de Fátima (A.S.), pois, sua elevada e distinta posição não se justifica por sua descendência familiar – por mais honorável que tenha sido – ou a tribo que pertencia ou qualquer outra ligação que para as pessoas possa ser motivo de orgulho, mas sim, pelos valores islâmicos que nela se manifestavam. Valores que determinam que os homens vivam para os outros antes de viverem para si mesmos, isto é, assumir as tribulações e problemas dos outros, desejarem para eles o que desejam para si mesmos e não desejar para eles o que não desejam para si mesmos. Exatamente isso foi que Fátima (A.S.) manifestou em seu ser; e, na realidade, ela alcançou o mais alto nível dessa qualidade, e ela não somente deu aos outros o que Allah havia dado a ela, como também favoreceu aos outros, ainda que ela própria se encontrasse em grande dificuldade.

O Imam Al Hassan (A.S.) disse: “Eu vi minha mãe (Fátima) em pé em seu mihrab durante toda a noite de sexta-feira. Ela genuflectiu e se prostrou até a aurora, e eu a ouvi orando pelos crentes citando-os pelos nomes. Suas orações foram todas para os outros. Então, eu perguntei a ela: Ó mãe, por que não pedes por ti como fazes pelos outros? Ela respondeu: “Ó meu filho, os vizinhos (primeiro) e só então os de casa!”

E para quem orava Fátima à noite, quando esperava se colocar diante de Allah, se submetendo a Ele? Orava por si mesma, pedia algo para si como muitos de nós em nossas preces? Não. Sua preocupação estava em outra direção: utilizava a preciosa oportunidade da serenidade e espiritualidade noturna, quando os horizontes se abrem para o adorador e a alma se eleva, para orar pelos crentes e não para si mesma.

A Erudita

1 – O Conhecimento

Fátima costumava sentar com Ali (A.S.) e o Profeta (S.A.A.S.), nos dias da revelação, para ouvir com atenção os ensinamentos e as explicações do Mensageiro (S.A.A.S.) sobre as leis e normas divinas.

Uma prova do zelo do Profeta (S.A.A.S.) a respeito da instrução de Fátima (A.S.) é o hadith narrado pelo Imam Assadeq (A.S.): “Quando Fátima vinha se queixar de alguma coisa ao Mensageiro de Allah (S.A.A.S.), ele entregava a ela um ramo (seco) de palmeira – que se usava para a escrita- e dizia: Aprenda o que está escrito aqui: “Aquele que crê em Allah e no Dia do Juízo não deve prejudicar seu vizinho, aquele que crê em Allah e no Dia do Juízo deverá ser generoso com o visitante e aquele que crê em Allah e no Dia do Juízo deve dizer algo de bom ou permanecer calado.”   

O Profeta (S.A.A.S.) desejava que Fátima se libertasse de suas dificuldades se ocupando com os valores islâmicos e transmitindo-os aos demais; o que nos serve como uma lição: devemos dedicar mais atenção à missão islâmica do que aos nossos problemas, para que possamos vencer as dificuldades através do trabalho missionário, porque aqueles que vivem as preocupações com as grandes questões esquecem seus problemas ou os consideram insignificantes.

2 – A Importância do Conhecimento

Alguns sábios do hadith narraram que um homem veio até Fátima (A.S.) e disse: “Ó Fátima, filha do Mensageiro de Allah! Tens algo para dar-me?” Ela disse a sua serva: “Pegue-me aquele escrito (ramo de palmeira)”. Como a serva não pôde encontrá-lo, Fátima (A.S.) disse: Pegue este! Que é para mim igual à Hassan e Hussein! É uma herança do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.)”.

Percebemos claramente com essa narrativa o quanto Fátima (A.S.) reverenciava o conhecimento, pois sabemos o quanto amava aos seus filhos (Hassan e Hussein). O que também deixa claro que a importância não está nas letras do escrito, mas em seu espírito, que se transforma em pensamentos e enriquece o homem, sendo o dinamismo que corrige seu comportamento e orienta sua experiência.

Essa narrativa também sugere que A Fiel (A.S.) costumava receber as pessoas (homens e mulheres) e responder suas questões e dúvidas religiosas, aconselhando-as.

A Professora

Al Zahrá (A.S.) não se limitou a redigir o conhecimento ou reunir os textos religiosos; também trabalhou na propagação desse conhecimento na comunidade muçulmana. Não esperava que as pessoas viessem até ela com suas dúvidas para então respondê-las, tomava a iniciativa de difundir o conhecimento na sociedade. Os biógrafos narraram que Fátima costumava dar aulas às mulheres dos muhajirun (migrantes) e dos ansar (apoiadores), que se juntavam a ela, mais ou menos do mesmo modo que as lições são ministradas na atualidade pelos mestres da religião. Seu sermão na Mesquita, no qual explicou os segredos da jurisprudência, das leis divinas e de outros pontos, é um documento vivo e o melhor testemunho da mensagem cultural e da responsabilidade intelectual de Fátima (A.S.).

A Escritora

Sua preocupação com o conhecimento, o hadith do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) e os ensinamentos islâmicos chegou a tal ponto que ela redigiu tudo o que ouviu do Profeta (S.A.A.S.) direta ou indiretamente, ou seja, o que também era narrado por Ali (A.S.) ou por Al Hassan (A.S.).

Podemos dizer que Fátima (A.S.) foi a primeira escritora no Islam, entre as mulheres e os homens, e a primeira pessoa a redigir os ahadith na presença do Profeta (S.A.A.S.). E por essa razão fica evidente que aquilo que o califa Umar Al Khattab fez, proibindo a redação dos ahadith do Profeta (S.A.A.S.) alegando que a proibição era para impedir que a sunnah se misturasse ao texto do Alcorão, foi um erro. Seus argumentos não se justificavam, pois, verificamos que Fátima (A.S.) redigiu os ahadith do Profeta (S.A.A.S.) durante a sua vida, e ele (S.A.A.S.) não a proibiu de fazê-lo.

As narrativas também mencionam o chamado “Mushaf Fátimah”, o Livro de Fátima (A.S.), que despertou grande controvérsia. Portanto, temos que esclarecer a natureza desse livro e o seu conteúdo. Primeiramente, temos que enfatizar que esse livro, de acordo com a crença de todos os xiitas, não é outro Alcorão, ou um Alcorão diferente do que é conhecido por todos os muçulmanos. Essa acusação tem origem no termo “mus’haf”, que segundo alguns significa “Alcorão”; e também no que o Imam Assadeq (A.S.) disse: “Ele (o livro) é três vezes maior do que o vosso mus’haf”. Dizemos a estes (que nos acusam), o que já dizemos a muitos sábios sunitas, que se forem a todos os lugares xiitas no mundo e entrarem em seus lares, livrarias, mesquitas e Husseiniyyahs não encontrarão outro livro além do Alcorão que vocês têm em suas mãos, e não haverá nele nenhuma palavra diferente, nem mesmo uma letra.

Quanto à natureza desse livro (O Livro de Fátima), a narrativa nos diz: “… Gabriel costumava visitá-la para apresentar suas condolências por seu pai, para confortá-la, falar de seu pai e do lugar em que estava, do que ocorreria aos seus descendentes; e Ali registrava tudo; esse era o mus’haf de Fátima”. (Al kafi, Al bihar)

E na narrativa do Imam Assadeq (A.S.) lemos:“…eu não afirmo que haja nele (algo) do Alcorão; nele se encontra aquilo que as pessoas precisam de nós e o que não precisamos de ninguém”. (Al Bihar)

Outra narrativa nos informa que o Imam Assadeq (A.S.) disse: “…(O mus’haf) contém o testamento de Fátima (A.S.)”.

Segundo algumas narrativas, o livro foi escrito por Ali (A.S.); outra, porém, afirma que foi ditado pelo próprio Profeta (S.A.A.S.) a Ali (A.S.). Assim, o mais provável é que se tratava de um livro sobre as coisas lícitas e vedadas, embora seja possível que incluísse normas e histórias relatadas pelo anjo e ainda, o testamento de Fátima (A.S.). Se levarmos isso em conta, o livro pode ser atribuído a Fátima (A.S.), como também pode ser atribuído a Ali (A.S.), de qualquer modo, Fátima pode ser considerada a primeira escritora do Islam como Ali é considerado o primeiro escritor do Islam.

A Esposa Mais fiel

A história nos relata que Fátima (A.S.) viveu com seu esposo da melhor maneira que uma esposa pode viver uma vida de amor, fidelidade, obediência e carinho. Por essa razão, em seus últimos dias, quando comunicava sua vontade a Ali (A.S.), ela disse: “Tu não encontraste em mim uma mentirosa ou infiel e eu não desobedeci a ti desde que te conheci…” ele respondeu: “Foste a mais piedosa e a mais temente e nada tenho a te repreender em qualquer coisa desse gênero”.

Fátima (A.S.) cuidava de seu marido, que se encontrava sobrecarregado com as obrigações do Islam e suas próprias responsabilidades, e ela não se queixava disso, apesar das severas obrigações que pesavam sobre as esposas dos mujahiddin, e especialmente, da esposa de alguém como o Líder dos Fiéis (A.S.), que era o leão das batalhas e o leão de Allah e de Seu Mensageiro (S.A.A.S.). Fátima (A.S.) assumiu o encargo da educação dos filhos e da administração do lar, porém, nada a impediu de cumprir, fielmente, o seu papel de esposa. Viveu com seu marido como qualquer esposa muçulmana, não se omitiu por ser filha do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.), ao contrário, cumpriu suas responsabilidades tão bem quanto uma muçulmana poderia cumprir, apesar de sua fragilidade física que a acompanhou desde o início da vida, como foi narrado pelos historiadores.

Noutra narrativa, Ali (A.S.) disse: “Eu nunca a aborreci durante minha vida com ela e ela não me aborreceu nem desobedeceu durante todo o tempo que viveu comigo”. A satisfação foi concedida a eles porque viveram como pessoas que tinham uma missão, e a Mensagem era superior às suas preocupações pessoais. Uma vez que Fátima (A.S.) foi fiel ao seu marido, e porque se harmonizou com ele na alma e na espiritualidade, seria inconcebível que o insultasse de alguma maneira. Portanto, eu rejeito absolutamente a hipótese de que Fátima (A.S.) dissesse a Ali (A.S.): “Te cobriste como um embrião e sentaste como alguém que se condena! Não me contentas com palavras e nem me ajudas com algo útil…” tais dizeres seriam insultos e Fátima (A.S.) estava acima disso ou mesmo de dizer: “Para que serves? Não me beneficias em nada!”

Um Casal Cooperativo

Ali e Fátima costumavam dividir as responsabilidades no lar, e nas narrativas xiitas Fátima (A.S.) pede ao Profeta (S.A.A.S.) de uma maneira carinhosa, que dividas as tarefas domésticas entre ela e Ali (A.S.). O acordo era que Fátima (A.S.) moesse, preparasse a massa e cozinhasse e que Ali (A.S.) varresse o chão e que trouxesse água e lenha. Nisto há uma lição para homens e mulheres: os homens devem aprender a não se sentirem tão superiores que não possam cumprir tarefas domésticas. Ali (A.S.) cumpria sua parte do acordo, enquanto que os homens entre nós sentem que sua masculinidade será questionada se varrerem o chão ou carregarem água. Ali foi o Mestre de todos os homens, porém, não via nada demais em varrer o chão da casa, porque a casa era sua casa e de sua esposa. Ele era um ser humano, e ela era um ser humano, e um homem, por mais importante que seja nunca será grande demais para que não possa ajudar seus filhos, sua esposa, sua mãe, seus irmãos, suas irmãs ou qualquer outra pessoa pela qual seja responsável.

Há uma lição também para as mulheres: o trabalho doméstico não é algo a ser depreciado, esta é uma mentalidade que surgiu entre as mulheres muçulmanas recentemente. Fátima (A.S.) trabalhava, moía o trigo e cozinhava. Muito embora tenhamos dito muitas vezes que Allah não tornou o trabalho doméstico obrigatório para uma mulher, seja ela filha ou esposa, é obrigatório no Islam auxiliar no lar desde que Allah deseja que as pessoas, em qualquer posição que ocupem, sejam naturalmente cooperativas segundo suas aptidões. Allah não tornou obrigatório para as mulheres o trabalho doméstico ou a amamentação dos filhos, porque Ele desejou que o fizessem por amor, com dedicação e por sua própria iniciativa.

Em suma, na questão do servir, aquele que serve a outrem dentro do âmbito de sua responsabilidade não põe em dúvida sua dignidade, assim, a mulher que considera seu trabalho doméstico ou o homem que considera a cooperação algo vergonhoso, estão errados. Não há ninguém que seja inteiramente servo nem há quem seja inteiramente senhor, pois cada um de nós é um senhor num aspecto da vida e servo em outro.

Sua Vida e Seu Sofrimento

Os historiadores nos dizem que a vida de Fátima (A.S.) pode ser descrita como uma vida comum, até onde sua vida cotidiana, de cumprir as tarefas domésticas, criar os filhos, seja considerada. Não obstante sua posição de Senhora das mulheres do Mundo, filha do mais honorável dos Profetas e Mensageiros, esposa do Emir dos Fiéis Senhor dos Imames, mãe de Al Hassan e Al Hussein, os senhores dos Jovens do Paraíso, ela viveu uma vida normal, preparando as refeições, cuidando dos filhos e cumprindo as responsabilidades de senhora numa casa. Podemos também dizer que ela transcendeu o sofrimento físico de sua infância, os problemas de saúde que severamente permaneceram com ela enquanto viveu com seu esposo.

Os sofrimentos e dificuldades que Fátima (A.S.) suportou demonstraram a diferença entre sua personalidade e a personalidade de outras mulheres, pois, seu modo simples de viver, as dificuldades que passou a simplicidade de seu alimento e de suas roupas, seriam coisas dificilmente suportáveis para outras mulheres, porém, Fátima (A.S.) demonstrou uma paciência diante de tudo isso comparável à paciência de Ali (A.S.). Encontramos na história uma série de histórias sobre a vida de Fátima (A.S.) que demonstram claramente esse fato. Eis algumas delas:

1 – Fátima (A.S.) possuía somente uma pele de ovelha que usava como coberta, como ela mesma contou a seu pai: “Juro por Aquele que te enviou como profeta que Ali e eu, há cinco anos, não temos mais do que uma pele de ovelha com a qual dormimos à noite… e nosso travesseiro é feito de fibras (de palmeira)”. Ao contar isso a seu pai, ela parecia satisfeita com o que Allah havia lhe concedido.

2 – A narrativa do Imam Assadeq (A.S.): “O Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) viu Fátima (A.S.) usando vestimentas simples enquanto preparava a massa do pão e amamentava seu filho, seus olhos se encheram de lágrimas e ele disse: “Ó minha filha, aceita – com coragem – o amargor da vida, enquanto esperas a doçura da vida futura”.”

3- Uma pessoa a viu moendo grãos de cevada e recitando: “o que está junto a Deus é preferível e mais duradouro…” (C. 28 – V.60)

Uma serva, ou o louvor a Deus?

Certa vez, ali disse a Fátima, quando percebeu seu grande sofrimento: “Que achas de ir até teu pai e pedir uma serva para te aliviar um pouco?” Ela recusou, já que se sentia vergonha de ir ao Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) com tal pedido. Assim, quando chegaram na casa de seu pai, foi Ali (A.S.) que disse ao Profeta (S.A.A.S.): “Ela moeu (a cevada) até que suas mãos se tornaram ásperas e isso também prejudicou seu peito; varreu a casa até que suas roupas ficassem sujas”. O Profeta (S.A.A.S.) respondeu: “Gostarias que eu te ensinasse algo? Se aprenderes será melhor (para ti) do que ter uma serva; se quando te preparares para dormir recitar Allahu Akbar (34 vezes), Al Hamdulillah (33 vezes) e Subhanallah (33 vezes), isso será melhor do que ter uma serva!” Eles disseram: “Estamos satisfeitos com Allah”. Noutra narrativa, Ali (A.S.) acrescentou que Fátima (A.S.) “havia acendido o fogo até suas roupas escurecerem”.

O Profeta (S.A.A.S.) disse aquilo com o intuito de elevar seus espíritos ao mais alto nível, para que se aproximassem de Allah e com isso, seu sofrimento fosse aliviado, principalmente Fátima (A.S.). Talvez ele (S.A.A.S.) não tivesse uma serva para dar a eles ou não quisesse tornar nem a sua casa nem a casa de sua filha melhores do que as casas dos pobres. Assim, ensinou a ela o que era melhor do que ter uma serva, eternizando o que mais tarde se tornou famoso como “o Tasbih al Zahrá”, introduzindo aos crentes o louvor após toda prece praticada e antes de ir dormir, com a recordação das dificuldades vividas por Fátima (A.S.). De fato, ela superava essas dificuldades e esquecia as preocupações quando se sentava para louvar a Allah. Portanto, os crentes aprendem como viver com Allah sentindo sua companhia e a doçura do Seu louvor quando se encontram cercados pelas apreensões, dificuldades e sofrimentos.

A Combatente

Fátima (A.S.) não viveu reclusa, sua curta existência foi repleta de um maravilhoso esforço na causa divina em todos os fronts. Ela viveu para Allah e Sua Causa, e com a intenção de pôr em prática a verdade.

A – Nas Batalhas

Fátima (A.S.) acompanhou seu pai (S.A.A.S.) em algumas batalhas. Os historiadores relataram que “Quando o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) foi ferido na Batalha de Uhud, Ali trouxe água, usando seu escudo, da fonte existente em Al Mihras, para lavar o ferimento, porém, a hemorragia não cessou”. Fátima (A.S.) desempenhou o papel de enfermeira: “Fátima chegou e primeiramente o abraçou, dando-lhe uma dose de carinho, em seguida, queimou folhas de palmeira e aplicou suas cinzas sobre o ferimento, fazendo com que o sangramento cessasse”. (Al Kamil fii Tarikh/ Sahih Muslim) Essa passagem demonstra o relacionamento entre Fátima (A.S.) e seu pai (S.A.A.S.) e seu intenso carinho por ele.

B – A Ira em defesa da Verdade

Após o falecimento do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.), Fátima (A.S.) iniciou uma luta sagrada de outro gênero. Sua maior preocupação então era provar o direito de Ali (A.S.) ao califado, como Imam escolhido por Deus. Todas as suas ações se concentraram nesse sublime objetivo. Quando tratava do assunto de Fadak, não agia da mesma maneira, pois, representava uma necessidade financeira, quando outros tentavam adquirir dinheiro, para Fátima (A.S.) e seu marido, Fadak não era algo que valia a pena. Como Ali (A.S.) explicou: “O que farei com Fadak ou qualquer outra coisa, quando a própria vontade terminar amanhã num túmulo?” (Nahjul Balagha)

Fátima (A.S.) perseverou em proteger a política da verdade com suas atitudes, palavras e sermões. As mulheres dos Ansar vieram visitá-la durante o período final de sua enfermidade e perguntaram sobre sua saúde. O que ela respondeu? Ela disse: “Estou a abandonar a vida odiando vossos homens!” Por quê? Porque não apoiavam a verdade, não cerravam fileiras com Ali (A.S.), que representava a verdade. A atitude de Fátima (A.S.) não se devia ao fato de Ali (A.S.) ser seu esposo, mas, pela razão de ele ser seu Imam (Waly al amr) e Imam dos muçulmanos; porque Ali (A.S.) estava com a verdade e a verdade estava com ele; porque Ali (A.S.) tinha sido instruído pelo Mensageiro de Allah; era aquele a quem o Profeta (S.A.A.S.) tinha aberto mil portões do conhecimento, cada um deles abrindo outros mil; e porque se Ali tivesse recebido a autoridade, teria governado com a verdade e estabelecido a justiça.

Sua Resposta aos Ansar e aos Muhajirin

Quando vieram até Fátima (A.S.) e disseram; “Se Abul Hassan (Ali) tivesse mencionado esse assunto antes que o pacto (com Abu Bakr) fosse confirmado e o acordo (do califado) fosse firmado, não teríamos escolhido outra pessoa!” Ela respondeu: “Afastai-vos de mim! Não tendes desculpa depois da admoestação e nada a dizer depois de negligenciar as vossas obrigações”.

Lá estava Fátima (A.S.), uma mulher determinada e indignada, argumentando e discutindo com os homens e as mulheres, não para fazer valer um direito pessoal, mas em nome de uma meta missionária que significava a sucessão e o califado depois do Profeta (S.A.A.S.).

Suas visitas às Casas dos Ansar

Fátima (A.S.) manteve a mesma firmeza de propósito, ao ponto de, segundo algumas narrativas, ir com Ali (A.S.) até a casa de muçulmanos, especialmente dos ansar, para falar a eles sobre o direito de Ali (A.S.) e seu mérito para o califado. Eles responderam: “Se teu esposo nos tivesse procurado antes de Abu Bakr, não teríamos escolhido outra pessoa”. Ali (A.S.) respondeu a isso dizendo: “Acaso, desejáveis que eu abandonasse o corpo do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) em sua casa, insepulto, e saísse para discutir com as pessoas sobre seu governo?” Fátima (A.S.), por sua vez, disse: “Ali não poderia ter agido de outro modo, e eles fizeram algo pelo qual Allah os julgará e pedirá contas”.

Fátima (A.S.) viveu em nome das questões importantes e não por questões mesquinhas, pois, aqueles que vivem para o Islam e pela verdade têm de ser da dimensão do Islam e da verdade, e deverão permanecer firmes, e não adotar parcialidade ou lisonja, hesitar ou enfraquecer, aceitar a humilhação ou o desânimo.

A Oradora

Fátima (A.S.) se posicionou como uma revolucionária, uma ativista, manifestando sua veia de oratória nos sermões, estabelecendo analogias entre os argumentos com maestria. Ela expressou censura quando isso enfatizava o sentido da verdade, ou tolerância e gentileza quando era necessário que assim o fizesse.

Extratos de Seu Sermão na Mesquita 

Fátima (A.S.) fez o seu sermão na Mesquita. Um fato sem comparação na história árabe, uma oradora expondo as sutilezas da jurisprudência islâmica em todas as suas principais categorias, explicando cada um deles em seu aspecto mais profundo. A intenção era demonstrar ao povo a natureza do dinamismo da jurisprudência na vida humana. Assim, Fátima (A.S.) se concentrou na explicação da questão de herança recitando os versículos concernentes ao tema e esclarecendo o seu direito.

Dividiremos seu sermão em várias partes, de acordo com o assunto posto em relevo.

Parte 1 – A Unicidade Divina

“O Louvor e a gratidão a Allah por Suas graças… Não há outro deus senão Allah, o Único… Que não pode ser percebido pela visão e que as línguas não podem descrever… Ele inovou as coisas, não a partir de algo precedente, e as criou não por imitação de modelos anteriores… de modo a destacar a atenção à obediência a Ele e para demonstrar Seu poder….”

Parte 2 – Os segredos da Profecia, da Mensagem e do Alcorão

“Eu testemunho que meu pai, Mohammad, é Seu servo e mensageiro. Ele (Allah) o escolheu e o enviou… Ele o enviou para concluir Seus assuntos… Portanto, Allah, por meio de meu pai, elevou esse povo da escuridão, e desvelou os corações para as questões difíceis… Vós sois os adoradores de Allah, diante de Sua Vontade, os portadores de Sua religião e revelação, os guardiões de vós mesmos e Seus mensageiros para as nações… E um líder da verdade está convosco, um pacto que foi apresentado a vós. O Livro de Allah, o fidedigno Alcorão e uma luz brilhante… um líder para a satisfação de Allah a ser seguido e a salvação está em ouvi-lo…”

Parte 3 – A Lógica e as Metas da Jurisprudência Islâmica

“Allah fez da crença uma purificação para vós em relação ao politeísmo, da prece uma via para afastar-vos da arrogância, do zakat um modo de elevar vossa alma e aumentar os recursos, do jejum um método de perseverança e fidelidade e da Peregrinação uma gloriosa edificação da religião…”

Parte 4 – A Justiça, o Imamato e os Demais Aspectos da Jurisprudência

“… (fez) a justiça para harmonizar os corações, da obediência a nós (Ahlul Bayt) um sistema para a nação, de nosso Imamato uma garantia contra as divergências… da boa conduta com os pais uma proteção contra a ira (Divina) e da punição (um meio) de poupar o sangue (do derramamento injusto).”

Parte 5 – Defendendo o Direito e a Verdade

“Ó povo, sabei que eu sou Fátima e que meu pai é Mohammad! Digo novamente desde o início – e não o digo injustamente, nem faço o que faço sem razão… Se buscardes a família dele encontrareis a mim e não suas esposas, encontrareis o meu primo, não os outros homens. Vós estáveis à beira do Inferno… sendo pessoas humilhadas temendo as investidas dos que estavam ao vosso redor, então, Allah o Majestoso vos salvou por meio de Mohammad… Toda vez que eles (os inimigos de Allah) acendem o fogo da guerra, Allah o extingue… Os politeístas abriram suas bocas (com os caninos prontos a morder) e ele (o Profeta) enviou seu irmão (Ali) até o céu de suas bocas (i.e. o enviou na direção do perigo e da morte); e ele não retornou sem antes pisar em suas orelhas e apagar seu fogo com a espada, (retornou) exausto em nome de Allah.., próximo ao Mensageiro de Allah, um líder entre os santos de Allah… enquanto vós vivíeis na comodidade… e quando Allah escolheu para o Seu Profeta o lugar dos profetas, a morada dos Seus escolhidos, a inimizade e a hipocrisia surgiu entre vós, e as vestes da religião se desgastaram… então, ele (Xaitan) convocou-vos e encontrou rápido a vossa resposta; acendeu vossa fúria e encontrou-vos irados… e isto, quando o tempo ainda estava próximo, e a calamidade se ampliava, a ferida ainda se encontrava aberta e o Mensageiro tinha acabado de ser sepultado!” 

Parte 6 – Apresentando a Prova de Seu direito sobre Fadak

“Então, afirmais que não temos herança alguma! Acaso, não sabeis? Ó sim! Foi-vos revelado como o sol do meio-dia que eu sou filha dele (o Mensageiro de Allah)… Ó filho de Abu Quhafah (se referindo a Abu Bakr) como é isto, pelo Livro de Allah, que tu herdas de teu pai e eu não herdo do meu? Cometeste algo grave! E acaso abandonaste o Livro de Allah, atirando-o para trás quando (o Livro) diz: “E Salomão herdou de Davi” (C.19 – V.16) e no episódio de João o filho de Zakariya, quando este diz: “Agracia-me, de tua parte, com um sucessor, que herdará de mim e da família de Jacó” (C.19 – V.5 e 6)? Será que Allah fez um versículo exclusivo a ti excetuando meu pai dele? Ou és mais conhecedor dos detalhes e das normas gerais do Alcorão do que meu pai e meu primo?… Eis aqui a tua (herança) completa, a qual encontrarás no dia do Juízo, pois o melhor dos juízes é Allah, o Líder (no argumento) é Mohammad e o encontro (naquele Dia) está marcado…”

Em seguida, Fátima (A.S.) olhou para o lado dos Ansar e disse:

“Ó ansar! Apoiadores da religião, os que abraçaram o Islam! O que é essa negação de meu direito e esse silêncio sobre meu ressentimento? O Mensageiro de Allah não costumava dizer: “A pessoa há de ser considerada (por meio da consideração) aos seus filhos?” Ó filhos de Qaylah! Eu estou sendo privada da herança de meu pai e permaneceis apenas ouvindo e observando?… Tendo a força numérica, recursos, armas e escudos… Sois os escolhidos que foram escolhidos por nós, Ahlul Bayt… Enfrentastes os árabes e suportastes as dificuldades e tribulações… Como podeis desviar-vos depois da evidência? Ou cometer politeísmo depois da fé? Estais com medo deles? Allah é mais digno de vosso temor se sois verdadeiros crentes. Uma vez que percebo que preferistes a vida segura e que vos afastastes daquele que é mais digno da liderança… (sabei que) se retornáreis à infidelidade, vós e todos os habitantes da terra, certamente Allah é Auto-Suficiente, o Exaltado… Assim, disse o que disse, ao reconhecer o desvio em que caístes… mas foi a fúria da alma e a expressão do descontentamento… (com o intuito) de apresentar o argumento e o conselho. Está diante dos olhos de Allah o que faço; e aquele que cometeram injustiça verão onde terminarão; e eu sou filha de um admoestador para vós acerca de um iminente castigo, assim, estaremos a esperar, deveremos esperar”.

Extratos de Seu discurso às Mulheres dos Ansar

Fátima (A.S.) falou com as mulheres, que se reuniram em sua casa, sobre o fundamento do direito de Ali (A.S.) segundo as palavras do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) e a (reconhecida) aptidão de Ali (A.S.):

“Para onde se afastaram eles, da origem da Mensagem, do fundamento da profecia, do lugar da descida do Espírito Santo e do mais erudito nas questões da vida e da religião? Este, certamente, foi um evidente fracasso. O que os faz invejar a Abul Hassan? Juro por Allah que eles invejam sua temível e eficiente espada e sua pouca preocupação com a morte. Eu gostaria de saber qual é a prova na qual se apoiam? Em que apoio confiam? Em qual sustentáculo se apegam? E qual descendência oprimem, cujo direito usurpam? Que os focinhos daqueles que acreditarem que estão fazendo algo bom, sejam amaldiçoados! Decerto que são os corruptos e não o sabem! Ai deles! “Quem guia à verdade não é mais digno de ser seguido do que quem não o faz, sendo ao contrário, guiado? Que vos sucede, pois? Como julgais assim?” (Alcorão, C.10 – V.35)”

Extratos da Discussão entre Abu Bakr e Fátima (A.S.)

Quando Fátima (A.S.) encerrou seu sermão, Abu Bakr disse: “… Ó tu, a melhor das mulheres, filha do melhor dos profetas, fiel em tua palavra… não foste afastada de teu direito… Por Allah, não fiz senão o que era o parecer do Mensageiro de Allah e o fiz com o seu consentimento… Eu ouvi o Mensageiro de Allah dizer: “Nós, os profetas não legamos herança de ouro ou prata, casas ou propriedades, mas legamos o livro e a sabedoria, o conhecimento e a profecia, e o que deixarmos (de renda) cabe ao líder que nos sucede, para que delibere (seu destino) como melhor lhe aprouver…” Ó tu, Senhora da nação de teu pai e a boa árvore de teus filhos… tua norma está estabelecida naquilo que possuo, mas, quanto à Fadak, não me pertence, assim sendo, desejas que eu desobedeça a teu pai (S.A.A.S.)?”

Então, Fátima (A.S.) respondeu: “Que Allah seja louvado! Meu pai, o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) não abandonaria o Livro de Allah, nem desobedeceria as suas leis; ao contrário, ele o seguiu e se submeteu às suas suras. Então, acrescentas a tua traição (a nós) a mentira sobre ele? Eis o Livro de Allah, um juiz perfeito e anunciador decisivo que diz: “Que herdará de mim e da família de Jacó”, e “Salomão herdou de Davi”, de modo que Allah o Majestoso o Poderoso esclareceu que Ele dividiu as obrigações e legislou os direitos e a herança, determinou as parcelas dos homens e das mulheres, eliminando o argumento dos mentirosos e o pensamento e a dúvida dos que pereceram. Ó Não!… Enganaste a ti mesmo. Porém, (meu primo) é paciente e Allah é Aquele cujo auxílio será para quem buscar (Nele) contra aquilo que descreveste”.

Abu Bakr disse: “Allah e Seu Mensageiro falaram a verdade, e a filha do Mensageiro também falou a verdade! Eu não nego o que disseste, aqui estão os muçulmanos entre mim e ti… foi um acordo com eles que eu assumi, e eles são testemunhas disso”.

Fátima (A.S.) disse: “Ó muçulmanos que são rápidos para a palavra da mentira, e se calam para a má ação; não meditam sobre o Alcorão, ou tendes os corações selados?… Em verdade, juro por Allah, que vereis seu pesado fardo e consequências terríveis quando a coberta for removida… e virá a vós aquilo que o vosso Senhor vos preparou, e então, os mentirosos serão os derrotados”.

Em seguida, ela voltou-se na direção do túmulo do Profeta e recitou um poema, uma das estrofes dizia: “Sentimos tua falta como a terra sente falta da chuva / e teus camaradas se desviaram, seja, pois, testemunha disso e não estejas ausente”.

Pioneira no Papel Político das Mulheres

Da maneira que Fátima (A.S.) falou aos muçulmanos sobre aquele direito – tal como as narrativas demonstram- ela foi uma combatente na causa de Allah. Usando a terminologia contemporânea podemos dizer que Fátima (A.S.) foi alguém que pôs em prática a ação política do modo mais enérgico. Colocou-se sozinha diante de um poder recém-estabelecido – ainda que as pessoas divergissem a respeito de sua natureza – enquanto Ali (A.S.) por outras circunstâncias, preferiu enfrentar o problema de uma maneira diferente.

Fátima (A.S.) estava sozinha na Mesquita, sozinha diante das mulheres dos Ansar e dos Muhajirun, sozinha na arena de Medina e sozinha em suas atitudes, quando as emoções da tristeza do falecimento do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) se agitavam num momento e em outro se transformavam no entusiasmo revolucionário. Assim, Fátima (A.S.) legitimou a participação política das muçulmanas, protagonizando o papel de oradora, sendo uma força dinâmica de oposição, com todo esforço e energia que esse papel exigia. Ela se distinguiu em sua oposição, desejou que esse protesto indignado permanecesse após sua morte ao expressar sua vontade de ser sepultada durante a noite, para que nenhum daqueles que a oprimiram ou que se desviaram da senda reta estivessem presentes.

A Fiel, A Testemunha

Narrou-se de Imam al Kadhem (A.S.): “Certamente que Fátima foi “siddiqat” (Fiel) e “shahidat” (Testemunha)”. O que deixa evidente que Fátima (A.S.) alcançou a posição dos que vivem a verdade com o seu ser, com Allah e com as criaturas ao eu redor. Vocês agora sabem que, ela foi a mais fiel das pessoas depois de seu pai (S.A.A.S.), como A’isha narrou, e que alcançou a posição de testemunha, isto é, será uma das pessoas que prestará testemunho sobre a conduta da ummah, como é o caso dos Profetas (A.S.) escolhidos por Allah. É a combinação do termo “shahidah” com o termo “siddiqah” que nos sugere essa interpretação de “testemunha”, como os seguintes versículos expressam: “Aqueles que obedecem a Deus e ao Seu Mensageiro, contar-se-ão entre os agraciados por Deus; profetas, verazes, mártires e virtuosos. Que excelentes companheiros!” e “Dia em que convocaremos uma testemunha entre cada povo…” e outros versículos que abordam a posição do shahadah (testemunha) na ummah.

Não há dúvida que essa posição é superior a daquele que é martirizado na senda de Allah, pois, o termo em seu primeiro significado é a descrição de Allah o Altíssimo: “… acaso, não basta teu Senhor, que é Testemunha de tudo?” (C.41 – V.53) e também a descrição dos profetas de Allah: “Que será deles, quando apresentarmos uma testemunha de cada nação e te designarmos testemunha contra eles?” (C.4 – V.41).

E quando Allah escolhe alguém para a posição de testemunha, como fez com Sayydat Fátima (A.S.), esta escolha não se dá sem razão, ocorre em virtude das características que tornam esses indivíduos amados por Allah, o que os torna dignos de portar a Mensagem manifestando os valores da fé em sua vida.

Capítulo 4 – Perguntas e Respostas

1 – A infalibilidade dos Imames (A.S.) provavelmente se deve a sua condição de líderes da nação (ummah). Qual seria o sentido da infalibilidade de Fátima (A.S.), se ela não era um profeta nem um Imam?

R – Fátima (A.S.) é a mãe dos Infalíveis (A.S.). Ela deu-lhes todo seu esforço e virtudes, e entre estas, a infalibilidade que Allah concedeu a ela. Contudo, a questão da infalibilidade é uma questão humana que tem origem na Graça Divina. Enquanto que para o papel do Imamato na condição de liderança, a infalibilidade é algo obrigatório, Allah pode conceder a infalibilidade à outra pessoa, sobretudo a mulher que foi preparada para ser um Imam, não no sentido literal do termo, mas como um exemplo. Cremos que essas mulheres alcançaram o nível de infalibilidade, como um fato estabelecido que foi o caso de Maria (A.S.) e de Fátima (A.S.); mas, podemos encontrar algumas mulheres que não tiveram um versículo revelado respeitante à sua infalibilidade, porém, não estiveram distantes dessa posição, como Sayydat Zaynab (A.S.) – mulheres que se aproximaram da infalibilidade no momento em que assumiram sua responsabilidade com Allah e os seres humanos. Além disso, Allah, através de Sua graça à Fátima (A.S.) quis mostrar aos seres humanos que as mulheres podem ser elevadas, com a graça e bênção divina, às mais sublimes posições, e à infalibilidade. Quis ainda, criar um exemplo a ser seguido por todos, homens e mulheres, para que os homens soubessem que assim como eles podiam ter um infalível como modelo de vida, as mulheres também podiam, porque não há diferença entre homens e mulheres no que diz respeito à infalibilidade.

2 – Qual, além da infalibilidade, era a diferença de Fátima (A.S.) e as outras mulheres?

R – A diferença era que Fátima (A.S.) possuía um grau de profundidade espiritual que fazia dela uma manifestação da Mensagem. A maior parte das mulheres tem um compromisso com a Mensagem que se origina do exterior (do ambiente e da cultura em que vivem). No caso de Fátima (A.S.) esse compromisso tinha origem em seu coração, em sua mente e em sua alma, pois, ela viveu por toda sua vida com a mensagem e sob a proteção do Mensageiro (S.A.A.S.), e se abriu para o completo vigor da missão divina na casa de Ali (A.S.) movendo-se no sentimento da Mensagem com Al Hassan e Al Hussein (A.S.). Portanto, Fátima (A.S.) viveu a Mensagem. Esta é a diferença entre a profundidade (que menciono) e a superficialidade. Não podemos encontrar nada na vida pessoal de Fátima (A.S.) que nos indique algum lazer ou momento de despreocupação, e isso a torna um modelo a ser seguido, um exemplo incomparável.

3 – Como Fátima (A.S.) alcançou esse grau de fé?

R – Como e onde Fátima (A.S.) viveu? Viveu sua infância presenciando a revelação a seu pai (S.A.A.S.), dia e noite, e assim, sentia a atmosfera da revelação constantemente. Fátima (A.S.) aprendia algo com o Profeta (S.A.A.S.) todo dia e presenciava seu modo de ser, sua espiritualidade e suas preces. Ela costumava acompanhá-lo nas batalhas, seguindo-o no dinamismo da Mensagem, recebendo seu amor e sendo amável com ele, aprendendo com a sua conduta, o que por fim se manifestou na conduta dela própria. Assim, na casa do Profeta (S.A.A.S.) Fátima (A.S.) viveu o espírito e os detalhes da Mensagem. Sabemos que ela não teve outro professor, todo o conhecimento dela teve origem no Mensageiro de Allah, e todo o tempo de sua formação foi passado ao lado dele. Allah presenteou-a com essa graça e misericórdia, para completar o quadro: Fátima (A.S.) aprendeu por seu próprio esforço o que assimilou do Profeta (S.A.A.S.), com a graça de Allah. Assim, vemos que quando Fátima (A.S.) se mudou para a casa de Ali (A.S.) foi capaz de conviver com seu espírito, perseverança e esforço sagrado.

4 – Ao dialogar com um irmão sunita, ele disse: “Vocês dizem que Fátima é a Senhora das mulheres do Mundo, ao passo que, de acordo com o Alcorão a Senhora das mulheres do mundo é Maria (A.S.).

R – É narrado tanto por fontes sunitas como xiitas que Fátima (A.S.) é a Senhora das mulheres do Mundo.

5 – Ouvi dizer que a sua opinião é de que Fátima (A.S.) não tinha direito sobre Fadak. Isso é verdade?

R – Fadak é uma realidade islâmica, uma realidade fatímida.

6 – Ainda sobre Fadak: Algumas pessoas dizem que se Fátima (A.S.) tivesse direito sobre Fadak, Imam Ali (A.S.) teria devolvido a propriedade aos seus donos legais (Ahlul Bayt), ao se tornar califa, uma vez que estava apto a fazê-lo.

R – A questão de Fadak não era, nem para Ali nem para os Ahlul Bayt (A.S.), uma questão financeira. Tanto que Ali (A.S.) afirmou: “O que farei com Fadak ou qualquer outra coisa, quando a própria vontade terminar amanhã num túmulo?” Para eles, se tratava de um símbolo do califado usurpado. Quando Ali (A.S.) se tornou califa, não viu qualquer benefício em retomar Fadak e não quis ser acusado de usar o poder para seus interesses pessoais. Além disso, é possível que tenha pensado que tal devolução criaria problemas como os criados por aqueles que proclamavam: “Ó a sunna de Umar!” Quando ele (Ali) alterou algumas coisas que Umar havia introduzido na prece do “tarawíh”.

7 – Também sobre Fadak: é perfeitamente sabido que os Ahlul Bayt (A.S.) não tinham preocupações com as coisas mundanas, então, porque Fátima (A.S.) exigiu que o primeiro califa devolvesse Fadak a ela?

R – Fadak era um direito de Fátima (A.S.), um presente do Mensageiro de Allah ou uma herança legada. Era natural que Fátima exigisse tal direito, o que não indica necessariamente uma preocupação com dinheiro ou bens materiais. Exigir o direito, seja por necessidade ou por responsabilidade familiar, é uma reivindicação legítima que é ordenada por Allah. Este é o ponto. Em segundo lugar, a reivindicação sobre Fadak estava ligada ao assunto do califado; um legítimo direito do qual Fadak era uma das indicações. Relata-se que um dos califas abássidas disse ao Imam Al Kadhem (A.S.): “Eu estou pronto a devolver Fadak a vós (Ahlul Bayt), estabelecei, pois, os limites”, supondo que se tratava apenas de uma determinada área do Hijaz. Todavia, o Imam disse: “Se eu especificar os limites de Fadak, tu jamais me devolverá”. O Califa perguntou: “Quais são seus limites?” O Imam respondeu que os limites de Fadak eram os limites de todas as terras islâmicas! Portanto, Fadak era o ponto de partida não a meta. Ibn Abi Al Hadid mencionou em seu comentário sobre o Nahjul Balaghah que perguntou ao seu mestre; “Por que Abu Bakr não devolveu Fadak a Fátima (A.S.); se dependesse dos muçulmanos, eles não o teriam feito?” Ele respondeu: “Se Fátima tivesse recebido Fadak de volta, teria exigido o califado para Ali, e, assim, Abu Bakr decidiu encerrar a questão no início para que ela não estendesse mais sua reivindicação”.

8 – Como podemos conciliar a atitude de Fátima (A.S.), que morreu ressentida com Abu Bakr e Umar, com a de Ali (A.S.), que prestou juramento de lealdade a eles? Existem pessoas que não conseguem entender isso. Poderíamos dizer que Fátima (A.S.) foi impelida pelas emoções e que ficou ressentida em virtude de seu próprio interesse, enquanto que Ali (A.S.) agiu racionalmente?

R – A atitude de Fátima (A.S.) foi a mesma atitude de Ali (A.S.)! A atitude de Ali foi de rejeição da mesma maneira que a dela. Aliás, quem disse que a atitude de Fátima foi motivada pela emoção? Acaso sua emoção a moveu pelo direito de Ali ao califado, mais do que a própria emoção de Ali? Não, Fátima ficou ressentida pelo direito, não por si mesma, e defendeu o direito da mesma maneira que Ali (A.S.) fez, com toda resolução e vigor. Por isso, lemos no Nahjul Balaghah as palavras dele: “Juro por Allah que Ibn Abi Quhafah (Abu Bakr) vestiu (o califado) como uma túnica (que não cabia nele) e é sabedor que meu lugar com respeito a isso (o califado) é semelhante ao do eixo em relação à moenda. A torrente flui de mim e nenhum pássaro consegue me alcançar”. Esse discurso representa o protesto e a rejeição de Ali ao que havia ocorrido.

Sim, depois disso, Ali (A.S.) percebeu que os interesses do Islam estariam assegurados na tolerância… “Então, adotei a paciência, embora houvesse ardor em meus olhos e sufocação nas gargantas”. Ele emitiu um pronunciamento maravilhoso explicando sua paciência e tolerância naquela situação, apesar da rejeição às falsas reivindicações. Em sua missiva ao povo do Egito, eu gostaria que todos os muçulmanos lessem isso, para conhecer a abordagem de Ali (A.S.) sobre a realidade islâmica, quando as divergências e a conturbação surgiram. Ele disse: “Fiquei surpreso ao ver as pessoas rodeando o homem para lhe jurar fidelidade. Portanto, eu retive minha mão, até que vi muitos a retirar-se do Islam e tentando destruir a religião de Mohammad (S.A.A.S.). Então, eu temi que se não protegesse o Islam e os seus adeptos, e que nele ocorresse uma brecha ou uma demolição, aquilo que poderia significar para mim um grande golpe, maior do que a perda do poder que, de qualquer modo, iria durar poucos dias, assim como todas as coisas passaria, como a miragem passa, como as nuvens se dissipam. Portanto, com esses acontecimentos eu me levantei (e fiz pé firme), até que o erro foi destruído e desapareceu, e a religião obteve a paz e a segurança”. (Nahjul Balaghah, carta 62)

E ele costumava dizer: “Eu fiz a paz (com eles) conquanto os interesses dos muçulmanos estejam seguros e que não haja injustiça, senão com a minha pessoa”.

9 – A fratura da costela de Fátima (A.S.): qual é a sua verdadeira opinião sobre o assunto?

R – Qualquer pessoa que disser que eu afirmei que a costela de Fátima (A.S.) não foi fraturada estará mentindo! Algumas pessoas disseram esse absurdo por mais de cinco anos. Aqui, tenho que dizer isso a vocês, para esclarecer o assunto: Para começar, reitero que eu não neguei o fato (da fratura sofrida por Fátima), e que qualquer um que disser isso, estará mentindo. Eu somente considerei o fato improvável; levantei uma objeção com base na análise histórica. Disse: Eu não reajo positivamente a isso porque o amor dos muçulmanos por Fátima (A.S.) tem sido maior do que o amor deles por Ali (A.S.), e maior também do que o amor por Al Hassan e Al Hussein (A.S.) e mesmo do que o amor pelo Mensageiro de Allah (S.A.A.S.). Disse que seria improvável que alguém cometesse tal ato, mas, reconheci que más intenções tinham sido tramadas – não para estabelecer a inocência de alguém, mas por medo da reação dos muçulmanos. Existem muitas narrativas: alguns disseram que a casa de Fátima (A.S.) foi invadida, outros, que não. Por isso, eu disse: “Vejo que (o fato) é improvável e não reajo positivamente à palavra em si”. O mundo emitiu um estrondo e os céus caíram na terra, palavras começavam a ser forjadas e espalhadas. Essa reação ainda não enfraqueceu em mais de um lugar, e os panfletos estão sendo distribuídos ao redor do mundo. Parece que todos os perigos que os muçulmanos enfrentam e toda injustiça que vivemos tivesse se transformado em nada e todos os assuntos se resumissem nessa questão histórica!

Na realidade, esse é um sintoma de atraso, é uma prática de muitos em nossa arena islâmica. Esse problema ainda infesta as fileiras daqueles que pouco se importam com os riscos que desafiam o Islam, e a permanência desse problema significa que não estamos nos dedicando às questões principais num nível apropriado de consciência.

10 – Muita sabedoria, lições e profundidade espiritual repousam como tesouros ocultos nas narrativas dos Ahlul Bayt (A.S.). De que modo alguém pode se abrir para essa grande graça?

R – Falamos mais de uma vez que nosso problema com Ahlul Bayt (A.S.) é que somente os fechamos na prisão da tragédia! E quando ampliamos os horizontes, o fazemos somente na área dos milagres e das graças especiais. Quanto ao seu pensamento, sua abordagem da vida, sua autêntica diretriz profética na vida, sua abordagem abrangente do Alcorão e tudo o que disseram e puseram em prática, o que pode fornecer respostas às questões, dúvidas e problemas que nossa geração está sofrendo e que as gerações futuras sofrerão, não há nenhum trabalho que apresente ou explique esse tesouro de modo satisfatório. Nós os cortamos do dinamismo da vida e os fizemos entrar no movimento das lágrimas, e, por conseguinte, fizemos uma ampla oportunidade se tornar estreita! Vocês compareceram nessa estação, a mais do que um encontro para marcar o aniversário da morte de Fátima (A.S.). O que ouviram sobre Fátima (A.S.)? Aqui estou a falar em termos gerais, pois, entre os oradores existem aqueles que assumem a responsabilidade do esclarecimento acerca das diretrizes dos Ahlul Bayt (A.S.). Contudo, a maioria deles se concentrou na tragédia e na tristeza. Enfatizamos a tristeza, porém, essa ênfase tem a ver com o método da Mensagem, e não com uma lamentação. É uma tristeza que abrange força, vigor, esclarecimento, crítica e confrontação.

11 – É uma exigência que os homens sejam como o Mensageiro (S.A.A.S.) ou como Ali (A.S.) e que as mulheres sejam como Fátima (A.S.) cem por cento, para que alcancem um nível de sociedade saudável? Ou é a graça e as características dessas personalidades algo mais do que necessário para uma sociedade saudável, sendo, então, requerido que os homens possuam apenas certa porcentagem do Mensageiro e de Ali, e as mulheres possuam certa porcentagem de Fátima (A.S.)?

R – No mundo dos modelos a seres seguidos, não se espera que vocês alcancem o nível de “modelo a ser seguido”, mas somente considerá-los o ápice do exemplo de virtudes e valores, o que comprovou sua natureza realista, pois, na verdade, foram seres humanos. Foi o que Allah disse: “Tendes no Mensageiro de Deus um excelente exemplo para aqueles que esperam contemplar a Deus e o Último dia, recordando muito a Deus”. (C.33 – V.21) E o que Ali (A.S.) disse: “Teu Imam está contente com a vida tendo duas peças de roupa e dois pedaços de pão; tu não podes suportar isso, mas certamente podes me apoiar na piedade, no esforço, na castidade e na probidade…” (Nahjul Balaghah c.45) Imite-os, se não puder ser exatamente como eles. Certamente, imitar os virtuosos é um êxito.

Os maiores exemplos humanos entre os profetas, imames e virtuosos são os pontos máximos que podemos aspirar. Alguns são capazes de se aproximar do pico, outros permanecem no sopé da montanha, mas, em qualquer caso, temos que perseverar na busca da bem-aventurança que eles manifestaram, pois, essa é a senda do Islam. O Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) não fez nada que estivesse alheio ao Alcorão e ao Islam, o mesmo aconteceu com Ali (A.S.) e Fátima (A.S.), mas, a diferença entre eles e nós é que manifestaram o Alcorão e o Islam em sua consciência empregando aquilo que Allah havia lhes concedido, um conhecimento que não podemos alcançar porque não contamos com meios para isso.

12 – O amor a Fátima (A.S.), sem uma tentativa prática de aplicar o sistema alcorânico tal como foi aplicado por ela (A.S.), basta para conduzir as mulheres até Fátima (A.S.) no Dia do Juízo?

R – Fátima (A.S.) viveu ao lado do Mensageiro de Allah (S.A.A.S.), de Ali (A.S.), de Al Hassan (A.S.) e Al Hussein (A.S.), da consciência dos Imames (A.S.) e de todos os que se esforçaram na causa de Allah. O essencial é que as mulheres vivam o Islam em obediência a Allah e ao chamado para Sua religião e causa, da maneira que Fátima (A.S.) viveu, ao menos em certa medida.

Um Chamado de Sua Eminência

Ayyatullah Sayyed Mohammad Hussein Fadlullah aos Muçulmanos e aos Seguidores dos Ahlul Bayt em Particular. (Este chamado é um extrato dos discursos e palestras de Sua Eminência).

Eu digo a vocês com todo amor… todos têm me ouvido dia e noite, nos seminários, palestras e sermões de Jumu’ah, assim, como é razoável que algumas pessoas dessa geração não me compreendam? Eu pergunto a vocês: quem falou com vocês como eu fiz, quem esteve com vocês em todos os assuntos como eu fiz; quem trabalhou – e eu me sinto honrado (por isso) – se pondo à serviço de vocês? É aceitável que palavras irresponsáveis sejam proferidas, e não uma voz que diga: abrandem essa injustiça?

Poderei eu dizer algo sobre essa questão? Até onde me diz respeito esse assunto é como expressar: “Se você não tem raiva de mim, eu não me importo com mais nada”. Minhas preocupações, a primeira e a última, não são a respeito de vocês, mas, a respeito de Allah o Sublime – “Ó Meu Senhor! Se Tu me derrubares quem poderá me erguer, se Tu me elevares, quem poderá me derrubar?”

A esse respeito, eu digo: Eu relembro a vocês Allah na situação islâmica, eu relembro a vocês Allah na senda dos Ahlul Bayt (A.S.). Não deixem que ninguém estrague isso, não permitam que ninguém ofenda ou lance um estigma sobre isso, que ninguém conturbe com palavras esse assunto.

Por quarenta anos, tenho estado a dizer para os velhos e os jovens entre vocês que não existe nenhuma questão sem importância e nenhuma questão embaraçosa, o fato é resultante do diálogo, e eu estou pronto para travar diálogo com todos, para responder aos jovens e aos velhos, e vocês sabem disso. Portanto, não me defendam, defendam a situação islâmica em que se encontram, defendam a realidade que estão vivendo, pela qual o mundo todo está atacando e agredindo a vocês.

Sejam conscientes, tenham consciência política e compreendam como os inimigos se infiltram nas arenas de atuação. Não dizemos que todos que estão envolvidos nisso estejam trabalhando para os inimigos, mas, dizemos que exploram os pontos fracos.

Assim sendo, meus queridos, não há problema algum (até onde eu saiba) nessa questão. Como eu disse a vocês, se não tivesse sido esse assunto teriam criado confusão e destruição na situação islâmica de modo ameaçador e eu, teria dito: “Que Allah os perdoe!”. Todavia, pessoalmente, a questão não me preocupa, mas sim a situação islâmica. Eu digo: Oro a Allah pela orientação deles, mas, se eles não desistirem, eu não os perdoarei porque ofenderam o Islam e os muçulmanos, e eu não me refiro a um grupo ou a uma pessoa em especial, mas ao fenômeno e a situação.

Se algumas pessoas persistirem – a despeito de todas as nossas palavras e nossa franqueza na reverência a Fátima (A.S.), glorificando e explicando sua infalibilidade, e a despeito de nossas numerosas e longas palestras, por mais de cinquenta anos, sobre os Ahlul Bayt (A.S.) – se continuarem a inventar mentiras sobre o que dissemos, a produzir falsas concepções sobre a Senhora Fátima (A.S.) e sua infalibilidade, ou sobre o Imamato de nosso Líder, o Emir dos Fiéis (A.S.), o que foi estipulado e enfatizado pelo Fiel Profeta (S.A.A.S.) em muitas circunstâncias e lugares, sendo que a mais famosa ocasião disso foi em Ghadir Khum; então oramos a Allah para que os oriente, se forem merecedores disso, do contrário, seu julgamento pertencerá a Allah. E nós, teremos uma posição equiparada a deles no Dia do Juízo, no dia em que as pessoas estarão em pé diante do Senhor dos Mundos e da Criação, Aquele que não negligenciará nenhuma ação, pequena ou grande, porque terá tudo registrado num livro, e a decisão de nossa disputa será na presença de nosso avô o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.), do Emir dos Fiéis (A.S.) e da Fiel Az Zahrá (A.S.), então, veremos quem triunfará naquele dia!

[1] A comunidade islâmica.

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