A Escola Jafari (Xiita) e a Ciência do Ijtihad

Por: Ahmed Ismail.

O princípio da Busca do Conhecimento entendido como um dos legados do Mensageiro de Deus (S.A.A.S.) (tal como é proclamado no famoso hadith), está perfeitamente refletido no método dos Imames dos Ahlul Bait (A.S.) no trato das questões de jurisprudência, método que foi mantido até nossos dias entre os sábios xiitas.

Quando lançamos um olhar crítico e sincero sobre a realidade vivida pela maioria das comunidades e nações de maioria muçulmana é muito difícil identificarmos qualquer traço que ao menos lembre o profundo apreço ao conhecimento demonstrado pelo Profeta, e mesmo o espírito de busca que impulsionou os muçulmanos nos primeiros séculos a extraordinários avanços em todas as áreas do conhecimento.

É lamentável a situação atual de atraso, ignorância e analfabetismo que predomina na maior parte do mundo islâmico resultante de uma sucessão desastrosa de fatores históricos e políticos que remontam desde os primeiros períodos e califados.

Iniciamos este artigo fazendo uma conexão entre a busca do conhecimento (que tem um sentido muito amplo) e o Exercício do Ijtihad, tal como é mantido na escola Xiita para destacar que na realidade o Princípio da Busca do conhecimento ao qual o Mensageiro enfatizava, era em si, um efetivo fator de sustentação da Correta Aplicação do Din, enquanto a Sabedoria se mantivesse viva e atuante o desvio dos maus, a influência dos hipócritas e os desvarios dos ignaros não assumiria o controle sobre a nação muçulmana.

Segundo fiéis tradições “a busca do conhecimento” referida no hadith “a busca do conhecimento é dever de todo muçulmano e de toda muçulmana” diz respeito de modo específico aos fundamentos da Fé: TAWHID (unicidade Divina) – NUBUWWA (profecia) – YAWMUL QIÁMA”H (dia do juízo). Não com menor ênfase o profeta exortou os muçulmanos ao apego ao Livro de Deus e aos Imames da Orientação, o que nos deixa evidente uma ligação compulsória entre os fiéis em geral e a orientação abalizada dos sábios dentre eles, que seriam os mais capacitados na compreensão do Alcorão e da Tradição. Os quais eram apresentados em seu exemplo máximo nas pessoas dos Imames recomendados dos Ahlul Bait (A.S.).

Ainda nas tradições encontramos relatos fidedignos que asseguram o distinto grau de conhecimento do Alcorão de Ali Ibn Talib (A.S.), de modo similar o dizer do próprio Mensageiro (S.A.A.S.) que afirmou: “Eu sou a Casa do conhecimento e Ali é a porta, e todo aquele que buscar o conhecimento deverá fazê-lo pela sua porta.”

Com efeito, os vários levantamentos históricos denotam que os primeiros muçulmanos tinham por princípio procurar Ali Ibn Talib e alguns dos demais Sahaba reconhecidos como sábios, tais como Ibn Abbas e Abdullah Ibn Mas”ud , para dirimir suas dúvidas. Nas gerações subseqüentes o Ijtihad foi exercido pelas pessoas reconhecidas por sua erudição. Não obstante diferentes Fatawa surgissem sobre as questões, por um longo tempo houve um ambiente de debates, estudos e respeitoso convívio entre sábios e estudantes. As pessoas costumavam recorrer a companheiros do profeta, aos Tabiïn ou aos sábios ligados aos Ahlul Bait (A.S.) sem que houvesse divisões como as conhecemos. Portanto o fundamento do Ijtihad, ou seja, a existência e a continuidade de pessoas capacitadas (mujtahidin) para exercê-lo em todas as épocas é uma condição indispensável para os muçulmanos e para garantir que os Preceitos da Shariah sejam aplicados de maneira sábia e conscienciosa sobre todas as questões da vida e da sociedade humana.

Infelizmente, o espírito de busca do conhecimento que pode ser comparado como uma chama incessante de vivacidade e crescimento do espírito, o ímpeto de vitalidade que levou os muçulmanos a assumirem uma posição inusitada na história foi pouco a pouco sendo substituído por interesses mundanos e rivalidades. A vertiginosa expansão islâmica produziu uma gama de problemas estruturais e políticos e culturais que corroeram as bases iniciais da Ummah.

Os homens sábios e virtuosos ainda eram respeitados pelo povo, contudo, os governantes em sua absoluta maioria ao sentirem a impossível conciliação entre os seus interesses de poder mundano e a Justiça predicada pelos ensinamentos dos homens de virtude e conhecimento não raro se voltavam contra esses com despotismo e crueldade, poupando apenas os que não ousassem interferir nas questões de Estado. Multiplicaram-se os eruditos sem virtude, abrigados na máquina estatal e entregues a subserviência aos poderosos. As cortes dos califados onde o luxo e a pompa ofendia o Islam reservava aos sábios duas alternativas igualmente amargas: ou o apoio a tirania e ao erro por omissão ou abjeta conivência ou a perseguição, o degredo, a prisão e muitas vezes a morte.

A dinastia muwayyda se caracterizou sobretudo por essa insidiosa censura e perseguição aos sábios religiosos que pudessem por meio de seus ensinamentos ameaçar o sistema tirânico que detinham. A ascenção dos Abássidas ao califado em 132 (hijira) não alterou em absoluto esta situação.

Entretanto, um importante fator era determinante no sentido da evolução do conhecimento nas outras áreas. O império islâmico em franca expansão possibilitou o intercâmbio entre ricas culturas. Os muçulmanos detinham uma incessante inclinação para a pesquisa e os sábios da época levaram esse ímpeto da busca do conhecimento a um limite poucas vezes visto na história.

No século 3 da hijira o califa abássida Al Ma’mun incentivou sobremaneira a pesquisa científica e filosófica, houve uma considerável abertura para o debate e mesmo os sábios religiosos gozaram de liberdade de expressão. Nesse período uma imensa quantidade de obras filosóficas e científicas foram traduzidas para o idioma árabe do grego e do aramaico o que mais tarde tornou possível que o Ocidente tivesse acesso ao patrimônio intelectual das civilizações antigas, patrimônio este que constitui um dos pilares do pensamento ocidental.

Os dois séculos seguintes assistiram simultaneamente o exercício do conhecimento científico e filosófico. Matemáticos, filósofos, alquimistas, geógrafos, médicos, astrônomos, todos com importantes contribuições e obras que estabeleceram diretrizes para os sábios ocidentais por pelo menos 6 séculos.

Porém, no âmbito do pensamento religioso o crescente interesse filosófico, o esoterismo (îrfan) e o diálogo com outras tradições religiosas ainda que fosse um fator enriquecedor despertou em muitos sábios religiosos adeptos de abordagens restritas e literais um forte espírito de rejeição e oposição a tudo que entendessem como “inovações”. É inegável que se verificou o surgimento de inúmeras abordagens e práticas que poderiam ser classificadas como “inovações”, entretanto a decisão tomada no século 5 da Hijira pela maioria sunita de interditar o Ijtihad não é de modo algum justificável. Os sunitas adotaram como Ijtihad fundamentado apenas os pareceres jurídicos de Abu hanifa, Al Malik, Ax Xáfi e Ahmad Ibn Hambal. Em outras palavras o Ijtihad a partir de então estava interdito obrigando os religiosos, eruditos ou leigos, tomarem por base ou seguirem apenas o Ijtihad desses sábios.

Se o pensamento religioso com esta medida era condenado a estagnação entre os sunitas, pode-se dizer que um processo de similar estagnação começava no âmbito do conhecimento científico e intelectual. Um considerável e influente número de clérigos passou a dedicar-se a uma sistemática oposição a tudo que lhes soasse como filosofia ou “conhecimento profano”. O anterior incentivo a busca, ao estudo e a pesquisa foi gradativamente sendo substituído por um espírito de desaprovação a tudo isso. A cultura oficial significava o Estudo Religioso. Apossou-se dos antigos centros intelectuais uma mentalidade fechada em si mesma que se apegava de modo febril aos dogmas dos teólogos literalistas e dava as costas a qualquer conhecimento que estivesse fora dessa limitada esfera. As escolas mantidas pelo estado tornaram-se madrassas religiosas e rapidamente o ímpeto intelectual da civilização islâmica que tanto tinha assombrado a Europa foi sendo apagado. Quase ao mesmo tempo a Europa iniciava a implementação de universidades onde o conhecimento científico e filosófico dos árabes era amplamente difundido e pesquisado num ambiente que privilegiava o intelecto e o debate de idéias. Os séculos seguintes testemunharam a ascenção do ocidente e a flagrante decadência intelectual da civilização islâmica.

É evidente que a censura oficial dirigida por uma ortodoxia intolerante aliada a um poder tirânico e centralizador não foi o único fator que produziu esta derrocada. Todavia, este fator foi o desencadeante de uma sucessão de males que persistem até nossos dias.

No campo da cultura em geral o que se verificou foi um gradativo abandono do interesse na pesquisa e na instrução. As madrassas mantidas pelo estado estavam destinadas ao ensino teológico. Não obstante outros ramos do conhecimento humano continuassem a ser cultivados em menor escala, o brilho e a originalidade foram sendo perdidos.

Quando da queda definitiva de Andaluzia (um antigo centro de cultura e ciência) no final do séc. XV retomada pelos europeus iniciou-se um longo período de refluxo. Ali não só a derrota militar entrava para a História, mas também o prenúncio que a época que produziu pensadores da estirpe de Al Farabi, Ibn Sina e Ibn Ruxd Al Andaluzi entre tantos outros estava terminando.

O mundo islâmico começava a pagar um alto preço pela perseguição ao pensamento e a busca do conhecimento perpetrada por governantes despóticos e clérigos obtusos.

No campo teológico não foi diferente . A decisão do fechamento do Ijtihad adotada pela maioria sunita colocou em cheque a aplicabilidade da Religião Divina em relação aos problemas humanos.

A primeira conseqüência devastadora para o senso de unidade dos muçulmanos foi, ao contrário do que se pensava, uma ainda maior onda de “inovações”. Muitos adotaram a prática do Al Ijtihad Al Hurr (livre Aplicação) num processo crescente que fez surgir seitas, crenças espúrias mescladas ao Sufismo, inspiradas ora pela filosofia, ora pelo hinduísmo ou outros sistemas e tradições.

Na medida que a ortodoxia sunita se mostrava incapaz de corresponder as necessidades práticas e o próprio intelecto desnudava sua inconsistência era natural que o espírito religioso do povo se inclinasse para a busca de outros sistemas de aplicação da Religião.

As crendices populares se expandiram e se mesclaram ao Islam, favorecidas pelo atraso, pela miséria e pelo analfabetismo crônico que dominou o mundo islâmico nos séculos seguintes. O avanço imperialista europeu sobre o Oriente a partir do século XVI já encontrou esta triste realidade que contrastava com o poder e a riqueza das cortes.

O domínio colonial aumentou sensivelmente estas condições precárias o que se refletiu no campo teológico com o surgimento de diversos movimentos que se inspiravam numa “volta nostálgica as raízes e a grandeza dos primeiros tempos”. Porém, o elo comum de todos esses movimentos de orientação sunita é a limitada percepção intelectual desde que seus programas de aplicação se encontram atrelados a uma forma de interpretar o Din de 1200 anos atrás.

Nos tempos atuais uma segunda conseqüência deste erro histórico (tão desastrosa quanto a primeira) se verifica em vários países islâmicos. Por um lado, governos ditatoriais manipulam a Religião para impor ao povo o que seja de sua conveniência. Controlando Universidades e escolas religiosas estes regimes mantém uma política de sujeição dos clérigos. Seitas como o Wahhabismo propagam os seus princípios espúrios como sendo O ISLAM sob os auspícios de uma elite monárquica aliada aos interesses das potências ocidentais.

Por outro lado vemos em muitos países islâmicos terríveis distorções do Islam que convivem e até incentivam costumes tribais de brutalidade. Interpretações errôneas e mesmo adulterações claras do verdadeiro sentido de passagens do Alcorão são utilizadas para justificar crimes, execuções sumárias sem julgamento, castigos cruéis e todo tipo de injustiças.

O Ijithad al Hurr (livre aplicação) exercido por sábios ignaros e mesmo por leigos (muitas vezes aconselhados pelos primeiros) produzem crimes que envergonham a todos os muçulmanos. O movimento Taliban é um exemplo dessa conseqüência histórica lamentável sob todos os seus aspectos.

Em lugarejos do Paquistão é comum que leigos com o pretexto de defesa da honra assassinem filhas, esposas e até mães baseados em meras suspeitas e sustentam tais crimes em “seguro Ijtihad” que eles próprios ou líderes locais deduziram.

O IJTIHAD E A BUSCA DO CONHECIMENTO ENTRE OS XIITAS

Como é sabido, o exercício do Ijtihad permaneceu entre os xiitas como uma prática instituída nos primeiros tempos do Islam. Como no passado, cabe aos mais sábios de cada época exerce-lo e aos demais muçulmanos acatar os princípios de aplicação.

O conhecimento filosófico e metafísico ao contrário do que ocorreu entre a maioria sunita, foi na verdade incorporado como importante ferramenta de base intelectual para enriquecer e aprofundar as capacidades dos sábios em seu trabalho de estudo e análise do Livro de Deus

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e da tradição autêntica. Aliás, é evidente o fato de que a explanação filosófica sempre esteve presente nos Imames (A.S.) como uma distinta característica.

Enquanto o conhecimento filosófico desaparecia entre os sunitas por volta do séc.XIII, esta ciência permaneceu viva entre os xiitas e destacados eruditos dessa área surgiram século após século. Há um espírito dinâmico no exercício do Ijtihad entre os xiitas que se mostra capaz de dar respostas racionais e aplicáveis a todas as questões da vida moderna.

Além desta aplicação científica, a segunda e não menos importante característica do exercício do Ijtihad entre os xiitas é o seu sólido fundamento no “conhecimento abalizado” que é a própria autoridade do conhecimento, ou seja, o ijtihad é mantido como um direito restrito aquele que tenha alcançado o grau de Mujtahid, que detenha todos os atributos requeridos para isso e que seja reconhecido pelos demais mujtahidun numa área específica ou na jurisprudência geral. Isso é uma garantia plena de que não se propaguem os desvios as apropriações irresponsáveis da Shariah e as interpretações falsas.

Os xiitas duodécimos (que seguem o Imamato dos doze Imames de Ahlul Bait) mantêm-se firmemente ligados a esta disposição que define o perfeito Ijtihad e o Taqlid apoiados nas provas histórica, testemunhal, racional. Essa característica que se demonstra afinada aos fundamentos essenciais do Alcorão, dos ensinamentos do profeta (S.A.A.S.) e dos Imames dos Ahlul Bait (A.S.) não pode ser encontrada senão entre os xiitas duodécimos. Todas as seitas posteriores surgidas entre os xiitas (Ismaili, Zaidya, etc.) fogem a esta regra fundamental. O que explica o fato de que o exercício do Ijtihad entre esses grupos apresenta sempre incoerência ou histórica, ou testemunhal ou racional. Entenda-se porém, que embora o exercício do Ijtihad seja uma atribuição restrita àquele que possua as atribuições necessárias para tal de maneira alguma é negado o acesso ao conhecimento nem ao homem nem as mulheres muçulmanas no âmbito xiita. E este fator faz uma imensa diferença num mundo islâmico que se encontra acorrentado a forças que o compelem ao atraso e a ignorância. Urge a comunidade islâmica mundial livrar-se de todo este ranço histórico e político que não almeja senão a perpetuação de regimes tirânicos que manipulam o Islam e os muçulmanos.

Esse processo libertador passa por uma revitalização do pensamento e da razão. É vergonhoso que continuemos a repetir discursos do tipo “Islam a religião da justiça e do bem” e permitirmos que os de mentalidade vil façam uso do Islam para legitimar o mal e a injustiça contra os próprios muçulmanos e muçulmanas.

Uma profunda reavaliação da aplicação da Shariah em todos os inúmeros campos da atividade humana, uma re-definição do status da mulher e das obrigações do Estado para com os indivíduos estão em pauta para que os muçulmanos reencontrem o passo, perdido há muito. Do contrário continuaremos a multiplicar nossos problemas e nossas divisões.

A falência moral dos governos da grande maioria dos países islâmicos encontra quase sempre apoio em grupos de juristas. Não há uma única ditadura ou um único regime corrupto do Oriente Médio que não possua o respaldo “religioso” e este é o sintoma mais evidente da estagnação do pensamento e da razão.

É nesse contexto que o retorno do exercício do Ijtihad entre os sunitas tal como se manteve ativo entre os xiitas se afigura como a única alternativa que pode trazer de volta a Ummah a vitalidade original do Islam tal como foi predicado e posto em prática pelo Profeta (S.A.A.S.).

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