Sua discussão com os ascetas que instruíam o povo a não buscar o sustento

Su an Athawri relatou: Quando eu vi Abu Abdillah (A.S.) trajando roupas tão brancas como ovos, disse a ele: “Essa não é a tua roupa”. O Imam (A.S.) respondeu: “Ouça-me atentamente para que possas ser beneficiado neste mundo e no outro se partires desta vida observando a Sunnah autêntica e o correto, não a heresia. Digo a ti que o Profeta (S.A.A.S.) viveu num tempo de fome e pobreza. Em épocas de prosperidade, os piedosos não os iníquos, os crentes não os hipócritas, e os muçulmanos não os descrentes, serão os merecedores do gozo dos prazeres. O que negaste, Athawri? Por Allah eu juro, apesar do que vês, nem uma única manhã ou tarde veio a mim e me encontrou a deixar um dos direitos de Allah que sejam compulsórios a mim sem o perfeito cumprimento, desde que atingi a maturidade”.

Depois disso, alguns indivíduos demonstrando abstinência e convocando os demais para que fossem como eles, compareceram e disseram ao Imam (A.S.): “Nosso conhecido não pôde responder a ti porque as evidências dele não foram apresentadas”. “Bem”, disse o Imam, “apresentai, pois, as vossas evidências”. “Nossas evidências são do Livro de Allah”, disseram eles. “Apresentai-as então. Em verdade, se assim for devem ser seguidas e praticadas”, disse o Imam (A.S.). Eles disseram: “Quando Ele fala da conduta de alguns dos companheiros do Profeta, Allah, o Abençoado, diz: “…preferem-nos em detrimento de si mesmos…” (Alcorão Sagrado, C.59 – V.9), mesmo nas coisas que mais necessitavam. Em outra passagem no Alcorão Sagrado, Allah diz: “E porque, por amor a Ele, alimentam o necessitado, o órfão e o cativo”. (Alcorão Sagrado, C.76 – V.8). Estamos satisfeitos com essas duas evidências”.

Um dos presentes disse: “Não percebemos que te absténs dos alimentos saborosos, e no entanto, ordenas às pessoas que deixem seus bens para que fiques satisfeito com elas”. Abu Abdillah (A.S.) falou: “Abandonai a retórica inútil”. Então ele se dirigiu ao grupo e disse, “Deveis dizer-me se tendes ou não algum conhecimento sobre a distinção entre os versículos ab-rogados e os versículos de ab-rogação do Alcorão, e os versículos estipulantes (decisivos) e os alegóricos, sobre os quais muitos se desviaram e outros tantos pereceram”. “Temos algum conhecimento”, responderam. “Não temos um conhecimento completo”. “Assim”, disse o Imam (A.S.):

Esse é próprio ponto de refutação às vossas evidências. Naturalmente, não possuís conhecimento integral da Sunnah, possuís? No que se refere ao que mencionastes sobre o que nos disse Allah da boa conduta daquelas pessoas, essa questão diz respeito a algo que foi autorizado (concedido) a elas. Não estavam proibidas de fazer tal coisa. Obterão suas recompensas de Allah. Depois disso, Allah o Glorificado ordenou que se fizesse o contrário de suas ações. Portanto, Sua ordem ab-rogou as ações deles. Allah alertou os crentes, por Sua clemência, a que não seguissem tais ações para que não prejudicassem seus dependentes e a eles próprios, uma vez que há entre seus familiares, as crianças, os senis e as mulheres de idade avançada. Os que são muito fracos para suportar a fome. Esses certamente morrerão, se eu, quem ganha seu sustento, lhes der somente pãezinhos e deixá-los à beira da inanição. Em vista disso, o Profeta (S.A.A.S.) disse: “As cinco tâmaras, pãezinhos, dinares ou dirhams que foram dados em caridade devem ser primeiramente destinados aos pais, em segundo lugar aos dependentes ou a si mesmo, em terceiro lugar aos parentes e aos crentes fiéis mais próximos, em quarto lugar aos vizinhos pobres e em quinto, por Allah, que é de menor recompensa”. O Profeta (S.A.A.S.) também disse sobre aquele homem dos Ansar que ao falecer libertou todos os seus cinco ou seis servos, deixando seus filhos vivendo em privação: “Se eu tivesse sido informado de sua atitude, eu não teria permitido que fosse sepultado junto aos muçulmanos”. Meu pai contou-me que o Profeta (S.A.A.S.) disse: “Começa o gasto com os teus dependentes, de acordo com o grau de proximidade”.

Além disso, o Livro de Allah também refutou o que dissestes, e alertou contra isso. Allah o Majestoso, o Sábio, diz, “…que quando doam não se excedem nem são mesquinhos, colocando-se no meio-termo”. (Alcorão Sagrado, C.25 – V.67) Não vistes que Allah o Sublime abomina o ato de preferir a outros que estais recomendando, e que descreve aqueles que preferem outros a si mesmos como os que se excedem? Em mais do que uma ocasião, Allah diz no Alcorão Sagrado: “Allah não ama os que se excedem”. (Alcorão Sagrado, C.6 – V.141) Allah alerta contra o excesso (a liberalidade excessiva) e a mesquinhez. Ele instrui para que se alcance a moderação. Um indivíduo não deve dar tudo o que tem em caridade e em seguida orar a Allah para que lhe dê algo, pois, em tais casos, Allah não o atenderá. O que é provado por meio do hadith que é relatado do Profeta (S.A.A.S.): “Certos indivíduos de meu ummah não serão atendidos quando suplicarem a Allah: um homem que amaldiçoa seus pais, um homem que amaldiçoa aquele que se apossa de seus bens, sem que tenha estabelecido um contrato com testemunhas, um homem que amaldiçoa sua esposa quando pode se divorciar dela, e um homem que se senta em sua casa e ora a Allah pedindo para que lhe dê a provisão, se negando a sair em busca do sustento. Para tal homem, Allah, o Majestoso, o Poderoso, diz: “Ó Meu servo, tornei possível a ti tomar as direções na busca do sustento, dei-te a força su ciente e órgãos saudáveis para que caminhasse na terra para trabalhar; portanto, não tens desculpa para te negar à busca do sustento e a seguir minhas instruções, para que não te tornes um fardo adicional para os teus. Eu posso agraciá-lo se for da Minha vontade e Eu posso privá-lo se for da Minha vontade. Então, não tens nenhum direito que Me obrigue a esse respeito”. Outro indivíduo cujas súplicas não são atendidas é o homem a quem Allah havia agraciado com sustento abundante, porém, ele doou tudo em caridade e em seguida orou a Allah pedindo o sustento. A esse homem, Allah diz: “Dei a ti sustento abundante. Devias tratar com tua riqueza de modo equilibrado tal como Eu te ordenei. Não devias ter sido extravagante depois que Eu te alertei contra o excesso”. O último tipo de indivíduo cuja súplica não é atendida é aquele que suplica a Allah acerca de algo que resulte no desrespeito das relações. Em seguida, Allah instruiu o Profeta (S.A.A.S.) sobre a maneira que deveria gastar em caridade.

O Profeta não ficou tranquilo certa vez, quando passou uma noite inteira guardando consigo uma quantidade de ouro em sua casa, assim, ele a doou em caridade antes do amanhecer. Na manhã seguinte, um pedinte veio até ele, porém, o Profeta (S.A.A.S.) não tinha nada mais para dar. O pedinte o censurou por isso e ele (S.A.A.S.) se sentiu deprimido, pois era muito compassivo e bondoso. Assim, Allah instruiu o Profeta (S.A.A.S.) dizendo: “Não feches a tua mão excessivamente nem a abras completamente, porque te verás censurado, arruinado”. (Alcorão Sagrado, C.17 – V.29) O que quer dizer, “as pessoas costumeiramente pedirão a ti e não te desculparão se não tiveres o que dar. Se deres tudo o que tiveres, não terás mais nada para dar”. As palavras citadas antes foram ditas pelo Profeta (S.A.A.S.), que foram testificadas pelo Livro e pelos fiéis.

Quando agonizava, Abu Bakr foi indagado sobre o que doaria de seus bens no testamento, disse ele: “Eu doarei um quinto ainda que seja demasiado. Allah está satisfeito com o quinto”. Assim sendo, Abu Bakr doou de seus bens em seu testamento um quinto, quando Allah permitiu que doasse (somente) um terço. Ele teria doado em testamento um terço de seus bens se soubesse que seria melhor para ele.

Atitudes semelhantes foram tomadas por homens virtuosos e ascetas, como Salman e Abu Tharr (que Allah esteja satisfeito com eles). Salman costumava separar sua parte anual do tesouro público até que recebesse a parte referente ao ano seguinte. Alguns perguntaram: “Ó Abu Abdillah, és conhecido por seu incomparável altruísmo e não sabes se morrerás este ano ou não, contudo, reservas tua anuidade?” Ele respondeu: “Por que não terei esperança de viver um outro ano quando vós antecipais minha morte? Ó ignorantes, deveríeis saber que a alma será lenta para responder ao seu dono se ele não conseguir para ela uma fonte de renda su ciente para o sustento. Se a alma sente que a subsistência está assegurada, ca confiante e tranquila”. Abu Tharr possuía umas poucas camelas e ovelhas que usava na ordenha e no abate, quando seus dependentes desejavam comer carne, ou para recepcionar visitantes ou ainda, quando seus vizinhos passavam extrema dificuldade. Nesses casos, costumava distribuir a carne de modo equitativo e tomava uma parte para si, igual as dos demais.

Ninguém era mais abstinente do que aquelas pessoas sobre as quais o Mensageiro de Allah (S.A.A.S.) teceu elogios. Ainda assim, não chegaram a um estado de total ruína, enquanto que vós agora estais a instruir os indivíduos a lançarem fora suas propriedades e pertences preferindo outros à si próprios e aos seus dependentes. Vós, ó grupo, deveis saber que ouvi meu pai relatar, de autoridade de seus pais (A.S.) que o Profeta (S.A.A.S.) disse: “A mais estranha coisa que já vi é o crente el. Se for cortado com serras, será um bem para ele; e se for dado a ele tudo que houver entre o oriente e o ocidente, também será. Tudo o que Allah faz ao crente el é um bem para ele”.

Então, acaso as explicações que apresentei até aqui influenciarão vossa crença ou deverei dizer mais? Deveis saber que Allah, o Majestoso, impôs a todo crente, no início do Islam, a obrigação de combater dez politeístas e ordenou que não dessem as costas e fugissem, pois aquele que se omitisse encontraria um lugar no Inferno. Depois disso, Allah mudou essa decisão por Sua clemência e impôs a todo crente que combatesse dois politeístas; o que foi um tipo de indulgência. Portanto dez foi ab-rogado por dois. Dizei, pois, se seria injusto que os juízes impusessem a obrigação aos maridos de cobrir as necessidades de suas esposas, pois alguns deles alegavam ser ascetas e que não possuíam nada para dar? Se afirmardes que seria injusto, imputareis injustiça ao povo do Islam. Se afirmardes que seria justo, então estareis vos contradizendo. O que tendes a dizer sobre os juízes que recusam o testamento daqueles que dedicam mais do que um terço de suas propriedades aos necessitados? Se, por suposição, todas as pessoas fossem tão inclinadas ao ascetismo como vós e distribuíssem suas propriedades aos outros, a quem se deveriam pagar os fundos obrigatoriamente pagos como penalidades por quebra de juramentos e votos, as doações do zakat que são impostas àqueles que possuem um número determinado de camelos, ovelhas, vacas, ou quantia em ouro, prata, tamareiras, passas ou outras culturas passíveis da cobrança de zakat? Se vossas opiniões forem corretas, então será inapropriado à qualquer um possuir alguma coisa dos bens mundanos, mesmo se estiver em extrema necessidade daquilo. Péssimas foram vossas opiniões, para as quais convocaram as pessoas por vossa ignorância do Livro de Allah o Majestoso e das tradições do Profeta (S.A.A.S.), como também dos seus ahadith que são testificados pelo Livro Revelado. De modo semelhante, péssima é a vossa negligência quanto à análise das questões simbólicas, da exegese do que ab-roga e do que foi ab-rogado, do que é decisivo e do que é alegórico, e das ordens e avisos do Alcorão Sagrado.

Contai sobre Salomão, filho de Davi o Profeta (A.S.), quando pediu a Allah que lhe concedesse um reino que ninguém jamais tivesse visto algum semelhante. Allah, Glorificado seja o Seu Nome, deu-lhe o reino como pediu. E no entanto, Salomão foi instado à retidão e às ações correlatas a isso. Ademais, nem Allah nem qualquer um dos crentes o criticou por seu reino. Antes dele, Davi o Profeta (A.S.) possuiu um grande império e grande poder. José o Profeta (A.S.) é outro exemplo. Ele disse ao soberano do Egito, “Con a-me os armazéns do país que eu serei um bom guardião deles…” (Alcorão Sagrado, C.12 – V.55) Assim, lhe foi entregue o reino e seus arredores até o Iêmen, sob sua responsabilidade. Todos buscavam suas provisões com ele quando atravessavam períodos de fome. Ainda assim, ele (A.S.) foi instado à retidão e às ações correlatas a isso. Ademais, ninguém o censurou por esse reino. Zulqarnain é outro exemplo. Ele amou a Allah e Allah o amou, tornou tudo fácil para ele, e concedeu-lhe o reino do oriente e do ocidente da terra. Contudo, ele foi instado à retidão e a agir de acordo com isso. Ademais, ninguém o censurou por esses reinos.

Portanto, ó grupo, sigais as características morais para as quais Allah o Majestoso instruiu os crentes, abandonai as coisas que Allah ordenou ou alertou que se abandonasse, abandonai os assuntos em que tendes dúvida ou ignorais, encomendai o conhecimento para as pessoas adequadas, para que sejais recompensados e desculpados por Allah, o Abençoado, o Sublime, e estudai o conhecimento sobre o que ab-roga e o que foi ab-rogado, sobre os textos decisivos e os textos alegóricos do Alcorão Sagrado; além da distinção entre as questões que Allah tornou halal (lícitas) e as que tornou haram (proibidas) no Alcorão Sagrado. Deixai a ausência de esclarecimento para as pessoas dadas a isso, pois o povo da ignorância é numeroso enquanto o povo do conhecimento é escasso. Allah disse: “… acima de todo conhecedor está o Onisciente”. (Alcorão Sagrado, C.12 – V.76)

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