Palavra do Sheikh Ghassan Abdallah (Centro Islâmico de Santiago do Chile) no Encontro Islâmico no Brasil

O terrorismo e as formas de enfrentá-lo.

O que é o terrorismo?

Um termo que se procurarmos nos dicionários das comunidades internacionais contemporâneas não encontraremos um significado exato e claro, não encontraremos um significado real, abrangente e direto, mesmo que todas as comunidades se posicionem contra o terrorismo.

Isso porque há uma duplicidade nas referências que identificam este fenômeno, o qual se transformou num pesadelo que abala o mundo.

Quando o lema “Combate ao Terrorismo” se transforma em uma ideologia de domínio do mais forte sobre o mais fraco, e esta lei serve como base para as ações do opressor contra suas vítimas para que por exemplo haja legitimidade em uma ocupação e assim a resistência se transforme em terrorismo, a tentativa de interpretar o que é terrorismo se torna vã. Sob estas bases, aqueles que ocupam a Palestina e horrorizam seus habitantes, cometendo os piores massacres sobre este povo, se transformaram nos defensores da paz e do amor, e seus heróis receberam prêmios Nobel da Paz das mais respeitadas organizações internacionais, as quais deveriam ser na verdade defensoras da paz. E com isso, a resistência do povo palestino é interpretada como terrorismo.

Quando o lema “Combate ao Terrorismo” se transforma em uma ideologia de domínio do forte sobre o fraco as guerras de extermínio em massa contra o povo da Bósnia onde mais de 300 mil pessoas foram martirizadas, mais de 60 mil mulheres violentadas e cerca de um milhão e meio de pessoas foram transformadas em refugiados, torna-se meramente uma guerra civil, e com base nisso o ocidente simplesmente não interfere neste genocídio.

O passado do oriente, acompanhado do seu presente, testemunharam as piores torturas e atos sanguinários de violência que levaram à matança de milhares de iraquianos e afegãos sob o lema de “Combate ao Terrorismo”, por meio de criminosos formados em escolas que até hoje formam este tipo de indivíduos. Mesmo sabendo que há muitas maneiras de lidar com estas situações, como cercos e etc, a escolhida é sempre o uso da força sobre os inocentes. O terrorismo é combatido com mais terrorismo, em nome da moderação.

Não intenciono instigar ódio ou o preconceito contra nenhum grupo, mas a história nos cita exemplos de como foi o fim destas injustiças, e qual foi o fim dos seus praticantes. Deus disse no Alcorão Sagrado: Aquela é uma nação que já passou; colherá o que mereceu vós colhereis o que merecerdes, e não sereis responsabilizados pelo que fizeram”. (C. 2 – V. 141)

O imperialismo mundial não deve esquecer a história, que jamais será apagada, mas ele continua com seus planos para esmagar os sonhos e a liberdade das nações, e com seus planos visa apenas a sua expansão e soberania, mesmo que erguida por cima de nossa liberdade, honra e avanço.

Por isso, queridos irmãos e irmãs, não podemos falar sobre o terrorismo e as formas de enfrentá-lo ignorando a realidade de sua existência, que durante toda a história foi acompanhada da teoria da exclusão do próximo como um meio de dominação e valorização exclusiva dos interesses dos mais fortes.

Na verdade, os que renegam os próximos são os verdadeiros terroristas, seja lá qual for a religião e escola de pensamento que alegam seguir. E com base nisso repudiamos e condenamos quando o Islam se transforma em um refém numa cela, e sobre ele se apontam os dedos da acusação, manipulação e falsidade, apresentando-o desta forma para o mundo inteiro.

Nossa responsabilidade no enfrentamento ao radicalismo

Isso não nos isenta da responsabilidade de enfrentar o extremismo que nasce no útero do mundo islâmico. Temos que conhecê-lo e identificar suas raízes e objetivos, que nos devem ser muito nítidas após anos e anos de tortura e sofrimento nas mãos destes extremistas.

Os imperialistas querem impor seu domínio sobre o mundo islâmico, e em específico sobre o Oriente Médio, por conta de suas fontes de energia. E depois do fracasso dos combates diretos contra os povos para a implementação forçada do sistema de globalização mundial o mundo começou a pensar em como agir e em como apresentar seus argumentos. Deus disse no Alcorão Sagrado: “… Vos mostro apenas aquilo que viso…” (C. 40 – 29)

Eles queriam que o terrorismo surgisse do ambiente islâmico para que assim a nação se destruísse por dentro, com o Islam combatendo o Islam enquanto assistem esta guerra acontecer. Eles assistiram a formação da maior indústria de assassinos e formas de matar da história, quando homens bomba e a violência bárbara se transformaram em um ninho de morte e destruição. Quando convivemos e olhamos para estas crueldades pouco a pouco vamos imaginando e aceitando que estas barbaridades façam parte da cultura, e que o derramamento de sangue dos inocentes seja algo habitual, e passamos a acreditar que não há nenhuma presença de valores humanos elevados e nem de amor, perdão e misericórdia nas normas e ensinamentos da religião. Lembrando que o termo “Misericórdia” é um dos termos mais presentes no Alcorão Sagrado, e se nos aprofundarmos mais neste significado perceberemos que a Misericórdia é o centro de todas as ações e significados da lógica do Islam, sendo que o sofrimento ou o castigo não são os fatores principais do Islam, pois eles existem apenas quando o crime ou a violência se transformam em uma ameaça contra a segurança da sociedade.

O surgimento do takfirismo (negação da fé alheia)

Quando analisamos e estudamos este fenômeno para conhecermos suas razões e motivações com o intuito de identificarmos os meios para o seu enfrentamento sabemos que mesmo este fenômeno tem motivações pessoais e humanas, assim como o primeiro caso do filho do Profeta Adão (A.S.), quando matou seu próprio irmão. Percebemos que há sempre outras motivações e razões para estes atos, como o domínio e controle das riquezas, povos e da política. Razões estas que levam as grandes potências e o imperialismo mundial a criar o caos a fim de se infiltrar e interferir nas nações islâmicas, sempre acompanhados de veículos de mídia mercenários que instigam o preconceito e o ódio para dividir a nação e desperdiçar suas energias e força com brigas e intrigas.

Mas certamente não podemos ignorar que houve um ambiente fértil e receptivo para a infiltração destas grandes potências imperialistas, que se aproveitam da ignorância e da falta de conhecimento das pessoas que possuem um entendimento artificial e básico das tradições islâmicas para criar uma interpretação artificial das tradições, sem deixar espaço para que haja um aprofundamento das tradições, que carregam em sua essência vários detalhes que devem ser levados em consideração durante o estudo das questões islâmicas, o que inclui a história e a contextualização daquilo que se pretende analisar e entender.

Infelizmente, hoje em dia a doutrina e as jurisprudências que deveriam focar na conscientização humana e no fortalecimento de seus valores e princípios de convivência se transformaram em um vazio que apresenta ao mundo um homem sem consciência que contradiz totalmente o discurso alcorânico, discurso que em realidade traz em seus versículos ensinamentos compatíveis com a razão e o sentimento, que alinham a matéria e o espírito, em todos os assuntos apresentados.

Sim queridos irmãos e irmãs, dizemos tudo isto visando a responsabilidade, e não apenas para mencionar pontos em vão, já que todos nós, sunitas e xiitas, somos iguais neste campo. Esta tradição e herança registrou diversos conflitos e agravou as discussões entre as diferentes ramificações islâmicas, e podemos citar o exemplo da tradição da “Nação Salva”, que pode iniciar o sentimento de rejeição e reprovação do próximo entre os grupos que nela acreditam, já que isso significa crer que apenas sua escola de interpretação será salva, e as demais serão arruinadas.  Isso indiferentemente do que os sábios e pensadores interpretam sobre a veracidade desta tradição e sua confiabilidade. Alguns registram a sua veracidade e outros a interligam com uma corrente menos confiável e fraca. O grande sábio Allamah Sheikh Sobhani certa vez disse sobre aqueles que narraram esta passagem: “Mesmo que esta tradição tenha sido narrada muitas vezes nos livros das diferentes escolas xiitas e sunitas, algo que pode denotar a sua confiabilidade, já que vários sábios a narraram, entre eles o Sheikh Assaduq em seu livro Al-Khisal, e Allamah Al-Majlesi em seu livro Bihar Al-Anuar, digo que ainda assim há existência de diferentes textos sobre a forma narrada, a menção de diferentes grupos que serão arruinados de acordo com a tradição, e diferentes interpretações sobre o grupo salvo, o que causa dúvida sobre a veracidade de sua real existência”.

Outros sábios, mesmo que alegando a diversidade na narração desta tradição, negam sua confirmação como sendo um dito do Profeta Mohammad (S.A.A.S.), e dizem que esta tradição não é uma tradição forte, já que apresenta uma discordância sobre os grupos salvos e arruinados, sendo que alguns sábios confirmam que esta tradição faz parte do conjunto de tradições introduzidas por governantes déspotas do passado para proteger e preservar seus poderes e governos, para que assim a nação vivesse sempre em discordância ideológica e espiritual. Alguns sábios confirmaram que os verdadeiros argumentos que decidem o destino das nações e das escolas islâmicas de pensamento são as questões principais e prioridades da crença das escolas, e que estes temas dificilmente podem ter suas origens garantidas nos livros de tradições. Sheikh Hussein Al-Kheshen fala sobre isso em seu livro “Será que o paraíso é dos muçulmanos?”

Nós mesmos, se confirmarmos o que os sábios confirmaram em seus estudos e análises sobre a confiabilidade ou a produção destas tradições, devemos nos perguntar: Será que o Profeta Mohammad (S.A.A.S.), que carregava a razão, a sabedoria e a piedade divina, e foi a personalidade teológica mais elevada do mundo e o dono de um coração grande, que transbordava amor e compaixão a todos, não se preocupava com a evolução de sua nação e com o distanciamento dela de todo tipo de desvio e perdição? Isto está confirmado no Alcorão Sagrado quando Deus louvado seja disse: “Chegou-vos um Mensageiro de vossa raça, que se apieda do vosso infortúnio, anseia por proteger-vos, e é compassivo e misericordioso para com os fiéis”. (C. 9 – V. 128) Ele (S.A.A.S.) sempre recordava a nação sobre a importância do distanciamento dos desvios, da perdição e dos riscos e ameaças de desunião, e aqui citamos seu testamento, no seu último discurso, na Peregrinação da Despedida, quando disse à nação islâmica: “Ó povo, ouça o que vou dizer para vocês. Não sei se vou encontrá-los no próximo ano nesta situação ou não. Ó povo, suas almas e honra são tão sagradas quanto este dia neste local, até o dia em que vocês encontrarão seu Senhor. Eu transmiti? Ó Deus, seja a testemunha. Ó povo, “os crentes são irmãos uns dos outros”. “É ilícito que alguém se apodere do dinheiro de algum outro sem antes obter a permissão do proprietário”. Eu transmiti? Ó Deus, seja a testemunha. Depois de mim, não voltem ao ateísmo matando-se. Eu deixei entre vocês o que irá protegê-los contra o desvio se vocês se apegarem ao que deixei. É o Livro de Deus e minha família, meus Ahlul Bait. Ó Deus, seja a testemunha. Ó povo, seu Senhor é um e seu pai é um, pois todos vocês são de Adão e Adão foi criado a partir do pó. “O melhor entre vós para Deus é o temor de Deus todo poderoso. Exceto por meio da piedade, nenhuma pessoa árabe é preferida a uma não-árabe”. Eu transmiti? Aqueles que estiverem aqui devem transmitir para os que não estiverem”.

Ao mesmo tempo, o que machuca o coração é quando alguns citam tradições e relatos que são claros em seus significados, mas os interpretam injustamente contra um grupo ou uma categoria de pessoas, usando palavras e termos atraentes e adornados que dão uma cobertura aparentemente legítima ao engano. E o pior é que ninguém se dá o trabalho de averiguar, discutir ou criticar a legitimidade destes atos que são pretensamente sustentados por tradições, o que é algo injusto, já que ninguém se posiciona contra as resoluções e decretos que são extraídos dos mesmos.

Por outro lado, calúnias e mentiras sobre detalhes da vida íntima do grandioso Profeta Mohammad (S.A.A.S.) foram declaradas por parte de alguns indivíduos, declarações que não possuem nenhum fundamento religioso ou histórico e que são desculpas para apenas manchar o nome do Profeta (S.A.A.S.), utilizadas como pretexto por parte dos inimigos do Islam, que se aproveitam disto para atacar o respeito e honra do grandioso Profeta (S.A.A.S.). E ainda usam como pretexto a liberdade de expressão para causar tumultos e crises entre a nação islâmica e o ocidente. E o pior disso é que algumas destas calúnias são narrativas falsas atribuídas a familiares e amigos mais próximos do Profeta (S.A.A.S.). Isso ilude o leitor e o induz a aceitar e não discordar das narrativas, pois acreditam que a chance de uma pessoa próxima narrar algo e isso ser verdadeiro seria a lógica. Mas ninguém se dá ao trabalho de analisar e estudar a questão ou a tradição, que pode ter sido introduzida por inimigos e historiadores mercenários no decorrer da história. Alguns apenas ouvem e captam estas falsas tradições, e mesmo que elas contradigam as palavras mais lógicas e diretas ditas por Deus, o Altíssimo, no Alcorão Sagrado, eles ignoram e simplesmente aceitam o que é falso. O exemplo disso é o versículo de Deus direcionado ao seu Mensageiro (S.A.A.S.) dizendo: “Porque és de nobilíssimo caráter”. (C. 68 – V. 4). O significado deste versículo deveria ser utilizado como critério para a interpretação de qualquer tradição ou passagem que aborde a vida do Mensageiro de Deus (S.A.A.S.), levando em conta que as narrativas devem se alinhar ao título de “nobre caráter” que foi designado ao Profeta Mohammad (S.A.A.S.).

E a partir daqui citaremos quais poderiam ser os principais motivos para o surgimento do tarkfirismo.

A purificação das tradições

É claro que a fonte teológica dos muçulmanos em suas crenças e jurisprudências se resume a duas: o Alcorão Sagrado e a Sunnah (tradição do Profeta Mohammad S.A.A.S.). O livro sagrado de Deus é um ponto de concordância entre todos os muçulmanos, e todos conhecem sua fidelidade, ou seja, o texto original revelado jamais foi alterado. O que está de acordo com a promessa divina feita no próprio Alcorão, quando Deus o Altíssimo disse: A falsidade não se aproxima dele (o Livro), nem pela frente, nem por trás; é a revelação do Prudente, Laudabilíssimo”. (C. 41 – V. 42) E também na seguinte passagem Nós revelamos a Mensagem e somos o Seu Preservador”. (C. 15 – V. 9).

No entanto, ao contrário do Alcorão Sagrado, a Sunnah foi um palco de manipulações e falsidades que representam a transgressão sobre a posição do Mensageiro de Deus (S.A.A.S.), e por isso que ele (S.A.A.S.) sabia deste perigo e alertou a todos sobre o que ocorreria dizendo: “A falsidade se multiplicou contra mim, e quem mentiu garantirá seu assento no inferno”.

O Imam Ali (A.S.), o aprendiz e aluno fiel do Mensageiro de Deus (S.A.A.S.) falou sobre a origem disto, comentando sobre a categoria dos narradores e seus objetivos. Algo que pode ser pesquisado por todos.

E com base nisso, não podemos simplesmente adotar e absorver cegamente tudo simplesmente porque foi narrado ou dito sobre o Mensageiro de Deus (S.A.A.S.) e seus Ahlul Bait (A.S.), pois temos que ativar os mecanismos de raciocínio e lógica, pesquisando e contextualizando os significados destas passagens e tradições com o objetivo de chegar a seus significados corretos e em seguida aderir ao que propõem. E se não for assim para quê então estudamos as ciências “Ilm Al-Rijal” (a ciência dos homens) ou a “Diraya” que pesquisa a veracidade da tradição e sua confiabilidade? Tudo isso existe para que seja realizada uma purificação e julgamento nas tradições e passagens históricas.

A purificação das tradições é de responsabilidade dos sábios

Os principais responsáveis pela purificação das tradições e por fazer com que elas passem por uma peneira com o objetivo de identificar as tradições falsas são os sábios, já que os governantes e os políticos são os que mais manipulam e falsificam a história e as tradições com o intuito de atingir seus objetivos e proteger seus interesses, causando assim danos e grandes prejuízos à vida das nações muçulmanas. Portanto, os sábios devem assumir o seu papel e carregar a responsabilidade de pesquisar e identificar as tradições, separando as falsas das verdadeiras. E um dos principais sábios, que iniciou esta grande missão, foi o Allamah Mohammad Al-Ghazali (K.S.), que dizia: “Uma nação que busca a sabedoria em sua fonte e não a encontra não sente a criação da razão, a cooperação significativa, nem a liberdade preservada ou a justiça verdadeira. E depois de todo esforço ela retorna a sua estaca zero. Esta nação se preocupou em pesquisas teóricas, questões parciais insignificantes e divisões aparentemente religiosas, mas compostas internamente por paixões pessoais. E com esta fórmula o fruto destes esforços foram amargos, e socialmente nos transformamos na última nação da terra na escala da evolução humana”.

Em seguida o grande sábio Al-Ghazali explica o porquê do surgimento disso tudo dizendo: “Os tipos das trapaças variam de acordo com cada era, mas todas têm um único motivo que é o distanciamento do livro sagrado de Deus e a incapacidade de sua compreensão e entendimento”.

Ele continua dizendo: “A religião de Deus é honrada demais para simplesmente ser aderida através da boca de tolos”. E continuou dizendo sobre o futuro do despertar islâmico: “O despertar islâmico fracassará caso estes tolos continuem a ter suas vozes e discursos ouvidos. Não haverá um renascimento se não houver antes um olhar crítico sobre as tradições. Nossas tradições!” (Livro: Nossas tradições no equilíbrio da razão e da shariah, página 57)

Apresentar as tradições no tribunal da razão

Partindo deste ponto torna-se muito clara a importância de apresentarmos as tradições sob a luz do Alcorão Sagrado, para que ele seja a referência e o critério para a aprovação ou rejeição de uma tradição, e cada uma delas que contradigam o conteúdo e os ensinamentos do Alcorão Sagrado deve ser reprovada, pois será completamente falsa.

É claro que quando mencionamos contradição com o Alcorão Sagrado não nos referimos a contradição das palavras e do texto literalmente, e sim do conteúdo daquela tradição, que não pode contradizer o conteúdo e o espírito do Alcorão Sagrado em seus ensinamentos e valores. Além disso, apresentar as tradições e as passagens sob os critérios da razão pois a razão representa a única ferramenta que compreende o Wahi (Revelação), e a razão jamais deve contradizer a revelação. Senão, como então caminharão junto como argumento?

O conselho do Imam Moussa Al-Kadhem (A.S.) a Hisham ibn Hakam foi: “Ó Hashem, Deus assentou duas provas sobre as pessoas, sendo uma externa que são os Profetas (A.S.), e a segunda interna, que é a razão”.

Além disso, temos que apresentar as tradições sob parâmetros científicos corretos, especialmente nos temas que abrangem jurisprudências e crenças. Como também apresentar as tradições, especialmente aquelas que são relacionadas a personalidade do Profeta Mohammad (S.A.A.S.), de acordo com a realidade histórica e a tradição prática dele. Ditos e tradições narradas sobre o profeta Mohammad (S.A.A.S.) muito vezes não são verdadeiros, sendo até mesmo calúnias narradas de forma inadequada e errônea. A interpretação destes ditos não deve seguir um padrão tradicional, de verdadeiro ou falso, e sim deve clamar para a pesquisa, descobrindo a confiabilidade do narrador daquele dito, a base e o fundamento daquela tradição, fatos históricos que abordaram a tradição e o tempo de sua revelação, e o mais importante, comparar a mensagem e o conteúdo da tradição com a Sunnah prática do Profeta Mohammad (S.A.A.S.) e os ensinamentos do Alcorão Sagrado, para verificar se há compatibilidade.

A história nos revela que mesmo no início da revelação e profecia de Mohammad (S.A.A.S.), desde quando ele sofria com a perseguição dos Quraishitas que o insultavam e caluniavam, chamando-o de louco, feiticeiro ou matador de esperanças, ele (S.A.A.S.) jamais renegou ou rejeitou nenhum dos seus opositores e inimigos, ou sequer ordenou atos de violência contra os mesmos, isso até mesmo quando ele estava no auge de sua posição quando reconquistou Meca, em um momento da história onde todos esperavam que se vingaria daqueles que o perseguiam, insultavam e planejaram sua morte, o Profeta (S.A.A.A.S.) reconquistou a cidade sem o derramamento de uma gota de sangue, algo raro na história da humanidade. Assim que ele (S.A.A.S.) chegou a Meca perguntou a seus companheiros como seria aquele dia, e eles responderam: “Hoje será o dia da vingança e da degola, e a dignidade de ninguém será preservada”. Então, neste momento o Profeta (S.A.A.S.) respondeu: “Não, hoje será o dia da Misericórdia e do Perdão, hoje a dignidade será preservada”.

Há algumas narrações sobre o Profeta Jesus Cristo (A.S.) que informam que ele tenha dito: “Não vim pregar a paz, e sim a espada”. Evangelho de Mateus, 10: 34-35.

Dizemos para estes que narram esta passagem: Desde quando vocês levam em conta os dizeres do Livro Sagrado para que se argumente sobre seus versículos? E desde quando o profeta Jesus (A.S.) levantou uma espada? Ele foi perseguido pelos tiranos e opressores sempre pregando a palavra de Deus e da fé entre as pessoas, e possuía a mais humilde das vidas, pois registra-se que ele não possuía sequer um teto para se abrigar, e que o seu teto era o céu e sua casa eram as rochas das montanhas, já que os faraós da época o perseguiam onde ele estivesse.

Todos os profetas dissolveram a relação entre o pensamento e a violência. Eles libertaram a batalha do campo das ideias e do campo físico, pois Deus, o Altíssimo, preservou os corpos de todo tipo de agressão, e não deu o direito a ninguém de agredir o próximo, seja qual for sua crença ou ideologia (Livro “Estudos e Pesquisas no Pensamento Islâmico”, de autoria de Jaudat Said, página 13).

O Príncipe dos Fiéis, o Imam Ali ibn abi Taleb (A.S.), disse a Malik Ashtar, em sua famosa carta de recomendações quando o nomeou governante do Egito: “…. Deverás evitar derramamento de sangue sem justificativa, porque nada atrai mais a punição divina e é maior em más consequências, e mais efetivo no declínio da prosperidade, fazendo travar a vida, do que o derramamento de sangue injustificado. No Dia do Julgamento, Deus começará procedendo com sua apreciação nos casos de derramamento de sangue cometido pelas pessoas. Não tentes intensificar tua autoridade por meio de derramamento de sangue proibido, porque isso enfraquecerá e reduzirá a tua autoridade, e a destruirá e a substituirá por outra…” (Nahjul Balagha).

Concluímos que o enfrentamento ao terrorismo político poderá ser bem-sucedido com o combate a corrupção e o alavancar da justiça social. No entanto, o terrorismo dos takfiris é baseado na interpretação errônea dos textos sagrados, e necessita de uma releitura correta e científica dos textos e tradições, levando sempre em consideração os critérios do Alcorão Sagrado no detalhamento dos ensinamentos e racionalização das ideias. O combate militar sem o combate teológico talvez possa encurralar o terrorismo em um local específico, mas não poderá eliminá-lo, e os terroristas permanecerão defendendo as suas “verdades” em seus enclaves, e nós testemunharemos a cada dia um novo encontro trágico com o terrorismo.

Louvado seja Deus, o Senhor do universo.

Sheikh Ghassan Abdallah
Líder religioso do Centro Cultural Beneficente Islâmico de Santiago do Chile.

 

 

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