Os Modelos da Economia Ocidental e do Mundo Islâmico

Por: Ayyatullah Al-Odhma Sayyed Mohammad Baqir Sadr
Tradução: Ahmed Ismail

Todos os muçulmanos estão a empenhar os maiores esforços a fim de lograr uma mudança política e social que nos leve a uma melhor existência e a uma economia mais próspera. Nossa experiência nesse sentido tem demonstrado que os muçulmanos do mundo não poderão recobrar um caminho ou forma de impor-se a seus problemas e ao atraso econômico a menos que adotem o sistema econômico islâmico.(…).

Quando os muçulmanos foram suplantados pela cultura ocidental, se impressionaram pela capacidade dos países ocidentais no manejo do mundo econômico, social e cultural, em vez de manterem firme a crença na pureza e no vigor de sua própria missão para guiar os destinos da humanidade.

Aceitaram a divisão convencional do mundo apresentada pelos países ocidentais, que com base nas potencialidades econômicas e industriais dividiram-no em países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Evidentemente todos os estados muçulmanos foram postos na segunda categoria. De acordo com os países ocidentais era necessário que os países “atrasados” aceitassem a liderança dos países “avançados” e para que conseguissem o chamado desenvolvimento deveriam preparar-se para seguir seus passos em letra e espírito.

O mundo muçulmano, compreendendo um grupo de países economicamente relegados, foi convencido de que seus problemas se deviam ao atraso econômico e que os países ocidentais economicamente avançados estavam autorizados a dirigir o resto do mundo.

Se fez crer aos países islâmicos que a única maneira de superar seus problemas e gozar do nível dos estados avançados seria por meio da panacéia de adotar como experiência positiva e progressista o modelo de vida ocidental e seu sistema econômico.

O mundo islâmico foi dirigido pela experiência ocidental em três fases sucessivas, sendo perceptíveis alguns aspectos delas.

SUBORDINAÇÃO POLÍTICA – Os países ocidentais puseram os povos sob seu governo direto e sua vigilância.

SUBORDINAÇÃO ECONÔMICA – As potências ocidentais, desde que restringem a independência política dos países islâmicos, traçaram planos para mantê-los sob seu controle econômico com vista a explorá-los e ter acesso ilimitado a suas matérias primas. Com o pretexto de resolver seus problemas econômicos foram investidos capitais estrangeiros nos países subdesenvolvidos, tendo por resultado que os postos-chave nestes países foram ocupados por estes.

SUBORDINAÇÃO AO SISTEMA OCIDENTAL – Os países islâmicos depois de conseguirem sua independência política se esforçaram por assegurar a independência econômica e alcançar auto-suficiência, porém, fracassaram em fazer um correto diagnóstico de seus padecimentos econômicos. Não podiam superar a confusão que os tinha enredado nas idéias ocidentais dominantes, por isso seguiram dirigindo suas economias através desses modelos.

Não obstante nesses países houvesse muitas diferentes opiniões a respeito da forma e do modelo de sistema a ser adotado, todos concordavam em escolher um sistema experimentado com êxito pelas potências ocidentais. Isto demonstra em que grau foi afetado o mundo muçulmano pelo pensamento ocidental.

O mundo islâmico adotou em geral os dois modelos do moderno sistema econômico ocidental:

a. Sistema de livre empresa baseado no capitalismo.
b. A economia dirigida com base no socialismo.

O importante tema que foi posto em discussão no mundo islâmico se referia a qual dos modelos seria mais conveniente e benéfico para os muçulmanos superarem o atraso. A princípio, para o desenvolvimento de sua economia interna, o mundo islâmico se inclinou para o primeiro modelo.

A razão era óbvia: os países capitalistas foram os primeiros a chegar ao mundo islâmico e a ali se estabelecerem. Contudo, no curso de sua luta contra o colonialismo e para sua libertação, os muçulmanos entenderam que o único sistema oposto ao sistema capitalista era o sistema socialista. Desde então se desenvolveu uma nova tendência entre os muçulmanos. E com o propósito de fazer com que progredissem suas economias alguns se inclinaram mais para o sistema de economia dirigida com base no socialismo.

A nova tendência resultava do desejo de reconciliar sua crença na liderança ocidental e seu antagonismo político com os países capitalistas. De um lado acreditavam na necessidade de seguir um sistema social progressista, enquanto que por outro rejeitavam sentimentalmente o capitalismo porque estava este associado com a exploração colonial contra a qual estavam lutando.

Portanto, preferiram seguir o sistema socialista que resultava precisamente em uma forma de sistema econômico progressista ocidental. Se anunciaram argumentos favoráveis tanto a uma como a outra forma.

Os defensores do sistema da livre empresa citam os imensos progressos e avanços alcançados pelo mundo capitalista e que ao seguir sua política seria possível desenvolver suas indústrias e elevar a produção em larga escala. Argumentam que se os países atrasados quiserem lograr um rápido progresso e assegurar resultados em breve tempo, deveriam seguir o exemplo dos países capitalistas ocidentais.

Os defensores do sistema socialista estão de acordo que em alguns países ocidentais que seguem a política da livre empresa foram feitos imensos progressos técnicos e industriais, porém insistem em que os países relegados na atualidade não podem esperar sucesso e os mesmos resultados seguindo este sistema. Argumentam que sob este sistema de livre empresa os países atrasados teriam que competir com as nações mais avançadas do ocidente. Obviamente, não é possível em absoluto para os países atrasados competir com as sempre crescentes e vastas potencialidades econômicas do ocidente.

Quando os atuais países avançados da Europa ocidental começaram seu progresso econômico, não tiveram que enfrentar nenhuma rivalidade econômica. Nesta época as circunstâncias eram certamente favoráveis para a adoção do sistema de livre empresa. Por conseguinte, com o objetivo de fazer rápidos progressos de uma maneira ordenada, era essencial para os países atrasados mobilizar todos os recursos e seguir a política econômica dirigida (socialista).

Os defensores de ambos os sistemas censuram os colonialistas por seus fracassos, porém, não pensam em outro modelo que substitua aos mencionados, clássicos da Europa moderna.

De qualquer maneira, o fato é que também existe um terceiro sistema. (…) O sistema econômico Islâmico.

Nos propomos a ver até que ponto podem ser proveitosos estes sistemas ocidentais para combater o atraso do mundo muçulmano. Deixemos de lado seu conteúdo intelectual e religioso, embora que para impor sua aplicação em busca do progresso econômico, seja necessário tomar em consideração as características psicológicas e históricas do mundo islâmico.

Não se pode esperar que tenha êxito algum qualquer sistema econômico, seja capitalista ou socialista, a menos que esteja em harmonia com os fundamentos e as aspirações históricas do povo do lugar onde seja aplicado.

Enquanto fazemos um estudo comparativo de distintos sistemas econômicos e avaliamos as possibilidades de êxito no mundo islâmico, um fator básico deve ser tomado em conta, porque a obra estruturada por um governo não é suficiente para assegurar o desenvolvimento econômico. A luta contra o atraso somente pode ter êxito com a ativa cooperação e apoio de todo o povo. A claridade e o entusiasmo inerente a uma sociedade se demonstra em seu próprio desenvolvimento e vontade de progresso. Sem este desenvolvimento não há possibilidade de executar planos econômicos com sucesso, e por conseguinte, tanto o desenvolvimento material como espiritual dos muçulmanos devem estar unidos.

Inclusive, a experiência da Europa moderna dá testemunho desta verdade histórica. Os dois sistemas econômicos levaram a um desenvolvimento material extraordinário aos povos europeus, em harmonia com suas aspirações e atitudes.

Portanto, quando quiséssemos escolher um sistema para o desenvolvimento econômico do mundo islâmico deveríamos ter em conta os sentimentos e a disposição mental dos muçulmanos como também suas tradições e seus problemas específicos, devendo escolher à luz de tudo isso um sistema que possa infundir-lhes uma nova vida e impeli-los a ativar todas suas energias para combater seu subdesenvolvimento.

Muitos economistas ao ocuparem-se das economias de países atrasados têm cometido um grande desatino ao sugerir um sistema ocidental para o desenvolvimento dos mesmos, sem considerar se o sistema em questão é apropriado ou não às particularidades desses países.

Por exemplo, os muçulmanos expressam um sentimento de hostilidade frente aos colonialistas que tomou corpo como resultado de sua dolorosa história e luta por independência. Por isso vêem com receio todos os critérios ocidentais e desconfiam de todos os sistemas que levaram a efeito a degradação das condições econômicas e sociais dos países colonizados.

Em resumo, os muçulmanos como um todo se voltaram tão contra a todos os sistemas ocidentais que inclusive um sistema ocidental são, sensato, livre de todas as corrupções colonialistas, não o animam para que o adotem a fim de combater seu subdesenvolvimento.

Como as normas colonialistas condicionaram a atitude mental do povo muçulmano este tem optado por manter-se alijado de qualquer doutrina ou sistema social associado ao colonialismo, considerando necessário basear seu ressurgimento social em um sistema não associado ao colonialismo. Por esta razão que alguns países islâmicos a fim de manter uma doutrina política diferente da colonial adotaram o nacionalismo como filosofia, convertendo-o em base para sua organização social e cultural. Esquecem que o nacionalismo não significa mais do que uma atadura ou compromisso histórico e cultural. Nem é uma filosofia com seus princípios e leis e nem tampouco é uma doutrina com seus fundamentos correspondentes. Por natureza o nacionalismo é neutro frente a todas as escolas do pensamento, religiosas, filosóficas ou sociais. Se requer um ponto de vista preciso de acordo com uma filosofia definida para formar a base de uma organização social e cultural.

Parece que muitos movimentos nacionalistas comprovam que o nacionalismo é uma maneira informe de pensamento, que no seu todo, necessita um sistema filosófico e social para obter uma forma definida. Por isso, para dar uma forma a seu nacionalismo e ao mesmo tempo mantê-lo diferenciado do sistema ocidental, deram cor nacionalista a um dos sistemas sociais estrangeiros.

Isto também vale para o nacionalismo árabe. Os árabes sabiam que o nacionalismo somente não seria suficiente. Não era completo por si mesmo e necessitava de um sistema. Portanto proclamaram o socialismo como o seu sistema, dentro da estrutura do nacionalismo árabe. Desta maneira tentaram atrair aqueles que estavam contra todas as doutrinas e filosofia com etiquetas ocidentais ao mesmo tempo tentavam dissimular a realidade colonial visível nos critérios históricos e intelectuais do socialismo.

O único efeito perceptível da introdução do nacionalismo árabe é que não é conciliável com essa parte do socialismo que se opõe aos sentimentos tradicionais do povo, que se supõem não modificáveis da noite para o dia, ou seja, suas tendências espirituais e sua fé.

Assim, o nacionalismo árabe não infunde um novo espírito ao socialismo e nem o converte numa doutrina diferente da dos países colonialistas.(…) Ainda que os expoentes do socialismo árabe tenham sido incapazes de dar um novo sentido ao socialismo, deixaram claro o fato que devido a seus sentimentos anticolonialistas o renascimento da comunidade muçulmana somente é possível sobre a base de um sistema não relacionado com os países colonialistas.

Do ponto de vista islâmico todos os sistemas econômicos ocidentais, qualquer que sejam suas formas, estão estritamente relacionados aos colonialistas. Somente um sistema islâmico que é um símbolo da história e da dignidade muçulmana se encontra livre desta influência colonial. Os muçulmanos são conscientes do fato que apenas o Islam estabelece sua identidade histórica e é a chave para sua perdida dignidade e prestígio. Esta consciência pode ser um importante fator em sua luta contra o atraso econômico. Se adotarem o sistema islâmico e marcharem segundo a linha prescrita por este, seguramente alcançarão êxito.

Contradições entre os Sistemas Ocidentais e a Crença Muçulmana

Além da aversão da comunidade muçulmana ao colonialismo e aos seus sistemas há outra dificuldade maior para aplicar estes sistemas ao mundo islâmico. Existe um conflito entre estes sistemas e a crença muçulmana a qual representa uma força fundamental para os povos islâmicos.(…)

Obviamente, se os muçulmanos encontram algo conflitante entre um sistema prescrito para seu desenvolvimento e a crença da qual se orgulham e respeitam, evitarão ter uma participação ativa nas tarefas empregadas num sistema considerado irreligioso.

Por outro lado, o sistema islâmico não apresentará tais complicações e se posto em vigor também será construído sobre uma base religiosa, porque está fundamentado em mandamentos religiosos que ordenam o respeito entre todos os muçulmanos que crêem sinceramente no Islam como uma ideologia divina revelada a Mohammad (S.A.A.S.).

O êxito de qualquer sistema designado para organizar a vida social em grande escala, depende da consideração dada às ordens e instruções do Islam.

Suponhamos que alguém enquanto planeja colocar em vigor os sistemas ocidentais no mundo muçulmano tenha êxito na destruição da crença islâmica e das forças que a protegem. Mesmo assim, não seria possível fazer desaparecer toda a estrutura da disposição mental de todos os muçulmanos do mundo durante os últimos quatorze séculos.

Portanto, mesmo a destruição da ideologia islâmica não pode abrir caminho para se instalar com êxito os sistemas ocidentais no mundo muçulmano. A realidade é que as qualidades morais e espirituais cultivadas no mundo islâmico são realmente diferentes das existentes no ocidente. Estas últimas estão em consonância com a cultura ocidental e por isso tem contribuído para o êxito do sistema econômico ocidental.

Os valores morais do Islam e do ocidente são basicamente diferentes. O caráter de um homem ocidental está tão em harmonia com seu sistema econômico como o caráter de um muçulmano é incongruente com o mesmo. Este caráter muçulmano está tão profundamente enraizado que não é possível suprimi-lo, mesmo sendo débil a crença religiosa. Ao introduzir qualquer sistema específico em um país, faz-se tão necessário ter em conta o caráter e aptidão de seu povo como considerar os recursos materiais da nação.

O homem ocidental é materialista. Enxerga a terra e não os céus. Mesmo o cristianismo, ao qual abraçou há séculos, fracassou em mudar esta perspectiva. O homem ocidental em vez de centrar sua atenção no céu diminuiu a condição do Deus do cristianismo encarnando-o em um ser terreno. Sua intenção em estabelecer a origem do homem na espécie animal, sua interpretação da humanidade sobre as bases de mudanças na terra e na atmosfera e suas investigações científicas para interpretar o comportamento humano sobre a base do consumo e da produção, provém da mesma perspectiva moral pela qual diminui a Deus sobre a terra. Ao concentrar sua atenção sobre a terra induziu-se a avaliar a matéria, a riqueza e a propriedade de uma maneira conforme a sua própria perspectiva, o que o influenciou no passar da história e deu lugar ao surgimento das escolas existencialistas e pragmáticas que formam a infra-estrutura da filosofia moral do ocidente e a mentalidade de sua gente.

A peculiar atitude mental do homem ocidental frente à matéria, a riqueza e a propriedade levou-o ao empenho em organizar atividades de exploração de uma maneira particular. Criou nele uma insaciável urgência por explorar a matéria prima e usá-la segundo sua conveniência. Dada a debilidade de sua relação com Deus, o homem ocidental descartou a doutrina da soberania divina e rechaçou toda limitação imposta de fora de si. Se tornou mentalmente disposto ao egoísmo e a sentir-se imune a todo efeito negativo deste. Este estado mental transformou-se gradualmente em algo tão dominante, que assumiu a forma de uma filosofia conhecida no ocidente como existencialismo, uma enganosa expressão filosófica que assaltou a imaginação criadora do ocidente.

Os sentimentos de liberdade e de individualismo que são características do homem ocidental, contribuíram muito ao êxito da economia livre no ocidente. Mesmo quando surgiu a economia socialista a intenção foi também utilizar o mesmo sentimento, ainda que de maneira menos visível, ao ponto que o individualismo pessoal foi substituído pelo individualismo de classe.

Todos sabemos que no ocidente essa consciência de imunidade ou liberdade para fazer qualquer coisa foi motivo do desaparecimento da responsabilidade moral. Houvesse esta responsabilidade, os esforços e as atividades dos ocidentais teriam tomado um rumo diferente.

Essa consciência de imunidade ou liberdade (irrestrita) levou a atenção do homem ocidental ao conceito de competição, desde que todos supunham gozar desta liberdade irrestrita. Porém, no caso de choque de interesses, a liberdade de um indivíduo tornava-se restringida às liberdades dos demais. Desta maneira alguém podia gozar de uma completa liberdade somente a custa de outros.

O conceito de competição similar a outros conceitos manifestados nos campos filosófico, político, econômico, social e cultural deu lugar ao surgimento de uma lei natural de luta pela sobrevivência entre os seres e tomou corpo na lei social de luta de classes e a teoria filosófica da interpretação dialética do mundo com base no processo de tese, antítese e síntese. Todas essas tentativas, ainda que tenham etiqueta de científicas e filosóficas, apontam somente uma verdade geral, ou seja, o extremo senso de competição do homem moderno.

A competição teve um papel importante ao guiar a economia e a incessante atividade dirigida ao desenvolvimento nos países ocidentais, tanto dos indivíduos como das classes. No plano individual resultou numa dolorosa e ilimitada rivalidade entre as empresas comerciais e as indústrias com base na economia livre. No plano das classes, proporcionou o ímpeto às sociedades revolucionárias para o desenvolvimento de todo tipo de atividades produtivas e a mobilização de todos os recursos dirigidos ao crescimento econômico.

Esta é a conduta moral do ocidente no que concerne a economia e sob estas condições a economia ocidental cresceu e se desenvolveu. Esta conduta moral é completamente diferente a historicamente praticada pelo mundo islâmico, inspirada nos princípios religiosos.

O homem que vive nos países islâmicos tem estado por muito tempo guiado e educado religiosamente. E de modo natural, o mundo metafísico ocupa e atrai sua atenção em primeiro lugar e ele enxerga o céu antes de enxergar a terra.

A profunda ligação dos muçulmanos com as questões metafísicas mais que com as materiais, os impulsiona, de acordo a seus próprios valores, a prestar mais atenção aos aspectos intelectuais que aos físicos. É devido a esta atitude mental que os muçulmanos não se tornam tão fascinados com o progresso material. Sempre que um muçulmano percebe alguma contradição entre seus interesses materiais e espirituais, adota uma atitude negativa para com os primeiros o que algumas vezes resulta em resignação, em auto-satisfação ou simples letargia. Em razão de sua crença no invisível o muçulmano percebe que está sendo observado por uma força superior. Por isso o muçulmano temente em suas súplicas submete seus problemas a Deus. O muçulmano é comumente guiado por sua consciência. Obtém alívio de sua intuição. Em todo caso sua crença o livra desse tipo de liberdade moral e pessoal própria do ocidental conhecida como liberalismo. Do ponto de vista moral esta limitação interior é em interesse da sociedade em que vive o muçulmano. Ao invés de ter um sentimento de competição e contradição como o ocidental, se sente estritamente ligado e em harmonia com sua sociedade. A universalidade da missão do Islam lhe dá inclusive uma maior dimensão a suas idéias sobre a harmonia e as relações sociais. Sendo esta dirigida a toda humanidade, o muçulmano sente-se um membro da sociedade universal. Se esta consciência tivesse sido utilizada como um fator básico na construção da infra-estrutura do sistema econômico no mundo islâmico, poderia ter resultado em uma grande força motivadora, da mesma maneira que a compatibilidade entre a conduta moral e econômica do ocidental tem contribuído para o êxito de seu sistema econômico.(…) Sem dúvida, se os princípios espirituais são aplicados às questões seculares e os dons da natureza são utilizados com um espírito de amor, a espiritualidade pode tornar-se uma força motivadora para o logro dos mais altos graus de desenvolvimento econômico, desde que desta maneira existiria completa harmonia entre os sentimentos íntimos dos muçulmanos e seus esforços positivos, não devendo haver portanto nenhuma razão para que adotem uma atitude negativa ou se sintam intranqüilos ou incômodos como se fossem negligentes com suas obrigações religiosas(…).

O conceito de limitação interior e do controle superior do sobrenatural não permite aos muçulmanos pensar sobre a liberdade como os ocidentais. Ao contrário, isso lhes ajuda a superar os problemas causados pela economia livre e lhes possibilita desenvolver um sistema alternativo em consonância com sua conduta moral baseada precisamente no conceito do controle Superior.

O sentido de homogeneidade entre os muçulmanos também pode ajudar a comunidade islâmica em sua luta contra o atraso sob a condição que esta luta se leve a cabo com fervor religioso, o espírito do Jihad (combate ou esforço na causa de Deus) para a proteção e consolidação da comunidade.

O Alcorão Sagrado diz:

“Mobilizai tudo quando dispuserdes, em armas e cavalaria, para intimidar, com isso, o inimigo de Deus e vosso, e se intimidarem ainda outros que não conheceis, mas que Deus bem conhece. Tudo quanto investirdes na causa de Deus, ser-vos á retribuído e não sereis defraudados”. (C.8 – V.60)

A provisão de força inclui também a econômica, que se mede pelo volume de produção, sendo da maior importância para a preservação da identidade e soberania da comunidade muçulmana.

O parágrafo anterior deixa muito claro a importância da economia islâmica. Como sistema econômico este pode valer-se completamente dos hábitos e juízos morais dos muçulmanos e transformá-los em uma grande motivação e força construtiva com o propósito de organizar a economia e a vida econômica com base nas diretrizes corretas para lograr o desenvolvimento. Isto somente é possível se adotarmos o sistema islâmico, porque nenhum outro sistema é compatível com a psicologia e a história do mundo islâmico.

Alguns estudiosos europeus admitiram que o sistema econômico ocidental não é congruente com o caráter do mundo islâmico. Como exemplo podemos citar a Jacques Austervi, que admitiu esta realidade em seu livro “Desenvolvimento Econômico”, ainda que não tenha conseguido descrever as razões e circunstâncias lógicas que deram origem aos sistemas morais islâmico e ocidental, chegando por conseguinte a algumas conclusões errôneas.(…).

É suficiente ressaltar que a preocupação dos muçulmanos com as questões espirituais não significa que creiam na predestinação divina e sejam incapazes de empreender atividades criativas. Sua atenção a Deus é em consideração ao princípio de regência do homem sobre a terra. Não conhecemos nenhuma outra concepção mais firme e melhor que a da Khilafah Ilahyyah (regência de Deus), que enfatiza a força ou virtude do homem reconhecendo-o como regente de Deus sobre a terra e como tal governante desta. O conceito de regência que implica no sentido de delegação de faculdades e responsabilidades nega totalmente o conceito de fatalismo. A responsabilidade não tem nenhum sentido sem a liberdade e o senso consciente de nossa vontade. Se o homem não tem participação alguma na marcha dos fatos históricos e sociais como pode ser ele o encarregado de Deus na terra?

Por isso dizemos que a aplicação dos princípios espirituais às questões seculares poria em plena ação a energia e o potencial dos muçulmanos. Ao contrário, se as questões temporais e espirituais se mantiverem separadas, como sucede na política ocidental, a regência não terá nenhum sentido. Nesse caso a atitude dos muçulmanos será naturalmente de indiferença e negativa. A atitude negativa dos muçulmanos não é produto de sua espiritualidade. Provém da separação das questões temporais das espirituais, mantê-las separadas destrói a força motivadora da perspectiva islâmica e leva os muçulmanos a pensarem que todos os sistemas temporais sejam totalmente incompatíveis com sua visão espiritual. Portanto, o Islam, tendo em conta todos os aspectos humanos, permitirá aos muçulmanos organizarem-se em todos os sentidos da vida, tanto o espiritual quanto o social sobre os mesmos fundamentos.

Somente o Islam atende a ambos aspectos da vida humana enquanto todos os demais sistemas se restringem aos aspectos econômicos e sociais. Assim, se organizarmos nossa vida econômica com base no sistema islâmico não significará que estaremos pensando em confinar nossa atenção apenas ao aspecto espiritual. Desde que este sistema é o único capaz de organizar a vida humana sobre diretrizes corretas, nosso dever é organizar ambos aspectos da vida sobre suas bases. Sob o ponto de vista islâmico estes dois aspectos não são heterogêneos, mas sim inter-relacionados (…).

Dados sobre o Autor

Ayyatullah Al-Odhma Sayyed Mohammad Baqir As Sadr nasceu em 25 de Dhul Qida de 1353 hij. (24-9-1933). Pertencia a uma família guardiã da ciência e do saber durante cerca de um século, de ilustres servidores do Islam e dos muçulmanos do Iraque, Irã e do Líbano.

As Sadr se rebelou contra o colonialismo inglês e participou da luta revolucionária do povo iraquiano em meados do século XX. Ele perdeu seu pai quando tinha somente 4 anos e foi criado por sua mãe e por seu irmão mais velho, Ismail Sadr.

Desde a mais tenra idade deu sinais de extraordinária inteligência e grande aptidão no aprendizado das ciências. Com apenas 10 anos de idade se expressou sobre questões doutrinárias e históricas do Islam com tal segurança como se tivesse estudados estas questões durante décadas.

Aos 11 anos escreveu um livro sobre lógica e começou a dar conferências sobre este tema. Em 1945 se instalou em Najaf Al Ashraf e começou a estudar e a ensinar jurisprudência e outros ramos do conhecimento islâmico. Oportunamente, aos 20 anos de idade, foi elevado a categoria de Mujtahid começando, a lecionar sobre Ijtihad e a escrever diversos tratados.

Escreveu 26 livros sobre diversas matérias, incluindo filosofia, economia, lógica, administração pública e problema sociais. Gozou de grande respeito e reconhecimento no mundo islâmico, do Marrocos à Indonésia. E diante de sua ação revolucionária permanente e o triunfo dos muçulmanos liderados por Ayyatullah Khomeini no Irã, o regime ateu e criminoso de Bagdá (Saddan Hussain) se assustou sobremaneira e decretou sua prisão domiciliar em Najaf em meados de 1979.

A 3 de abril de 1980 depois que Ayyatullah As Sadr proclamou seu manifesto, os opressores baathistas o conduziram à prisão de Bagdá, onde após terríveis e bestiais torturas foi martirizado junto com sua irmã Bint Al Húda na noite de 8 de Abril desse mesmo ano.

«
»