O Islam e a Globalização

Por Ahmed Ismail

A última década foi palco de uma profunda reorganização econômica mundial, que tem como principal objetivo a implementação de um sistema globalizado definido por blocos econômicos.

O Islam não se opõe a idéia de que se desenvolvam relações de cooperação política e econômica entre as nações . Na realidade, o Islam traz em sua própria essência, a busca pela cooperação e isto significa que nos orienta no sentido de estabelecermos relações justas entre as nações.

Como sabemos, o modelo adotado e os objetivos da globalização econômica em curso não são de modo algum baseados em “cooperação”, e muito ao contrário do que seus defensores propagam, este sistema não é o apanágio universal que resgatará as nações pobres de sua atuais condições de dependência e atraso. O que tem sido verificado ao invés disso, é um crescente abismo entre as nações ricas e as nações do chamado terceiro mundo e os mais honestos cientistas políticos e economistas já reconhecem que na melhor das hipóteses a globalização poderá a longo prazo melhorar as condições de vida de um pequeno grupo de nações consideradas “emergentes” e assim mesmo de uma limitada parcela de suas populações. O que parece evidente é que o planejamento e o modelo de globalização adotado segue e continuará a seguir a lógica do sistema capitalista que tem demonstrado incrível habilidade em acumular riquezas e produzir abundância para poucos e total impotência em encontrar soluções para a miséria e a fome no mundo.

A oposição do Islam, portanto, não é contra a idéia em si, mas sim contra o modelo e o pensamento que o inspira. O Islam como mensagem libertadora e redentora para a humanidade não se alinha a nada que por natureza seja injusto, que promova o predomínio de poucos sobre a maioria, e que desconsidere o direito dos povos a auto-determinação. E este fato não se alteraria mesmo que todas as nações e governos islâmicos aderissem a uma ordem política e econômica mundial nesses padrões. O sistema econômico e a ordem política que agora se estende pelo planeta é o coroamento do pensamento clássico do imperialismo que nos séculos anteriores se firmou ao preço de muito sangue e de muitas vidas.

O mesmo imperialismo que agora superado junto com a soberania dos estados, em nome de um poder real do capital no passado, elegeu a escravidão como prática consagrada reduzindo o ser humano a condição de mercadoria apenas aperfeiçoou seus métodos pelo poder econômico que garante um predomínio que supera a força exercida pelas armas.

A dependência econômica e a incapacidade de escolher entre aceitar ou não as regras ditadas pelo mercado mundial (as potências econômicas) reduz as nações pobres a uma humilhante condição. Muito embora, o objetivo último dessa “nova ordem” seja apontado como o definitivo triunfo do capital, o qual segundo seus defensores levaria a humanidade no século XXI a uma aceitação da desigualdade social como uma necessidade natural, outros aspectos da questão igualmente preocupantes não são considerados com a devida atenção que merecem.

De fato, os blocos econômicos, as grandes corporações e a grande rede de usura internacional representam todas as vilanias humanas que no decorrer dos séculos têm afligido a humanidade, reunidas agora num conjunto estruturado de idéias e práticas que têm o potencial para passar como um rolo compressor sobre todos os valores éticos, religiosos, morais humanistas e culturais que porventura venham a se opor a seus objetivos dando origem ao “novo homem” adaptado para servir, viver e morrer por essa nova ordem, a nova religião: o dinheiro, o lucro como medida para todas as coisas. Junto a essa nova ordem todos os elementos corruptores das sociedades e dos povos estão concentrados e agem de modo sistemático tornando todas as nações reféns do capital e como tal, submetidos a corrupção moral, ao materialismo e as suas conseqüências deletérias.

O crime internacionalizado é um exemplo desse processo. A máquina econômica dirigida pela lógica dominante se alimenta mais do dinheiro produzido pelo tráfico de drogas ilícitas, a indústria de drogas lícitas (álcool e tabaco), a usura e a prostituição do que pelo trabalho. Portanto é natural que esta mesma máquina busque garantir a expansão constante do mercado de consumo para tudo isso. Por esta razão, o modelo de globalização proposto e dirigido sob esta lógica possui um importante componente de DOMÍNIO CULTURAL, o que significa “destruir” ou ao menos “enfraquecer” identidades culturais, sistemas tradicionais e religiosos para o predomínio de uma “Cultura Globalizada” determinada pelo Consumismo e pela adoção de valores materialistas e irreligiosos.

Uma Sutil Rede de Sofismas

Os belos ideais dos teóricos do Liberalismo moderno foram colocados a serviço da usura internacional. Pretende-se fazer acreditar que é a “Liberdade de Mercado” e a democracia que move o progresso das nações quando na realidade a máquina econômica criada é movida mais pela exploração do homem numa escala jamais imaginada. Não se trata apenas de explorar sua força de trabalho, mas também destruir o que há de humano e digno nele, destituir os povos e as nações de seus valores éticos, morais e religiosos. Daí a importância nesse processo de imprimir a esses povos e nações uma “identidade global”, seduzí-los para um estilo de vida padronizado e definido pelo consumismo .

Esse processo de massificação é profundamente ligado ao individualismo que a própria vida moderna e cosmopolita impõe aos povos enfraquecendo sua identidade regional e a conseqüente dissolução dos laços comunitários. Esse estilo de vida cosmopolita cria todas as condições para que esta nova ordem econômica se fortaleça e se agigante. Portanto é compreensível que a globalização da economia seja necessariamente uma globalização cultural.

Há uma considerável parcela de ingenuidade naqueles críticos da globalização que acreditam que seja possível que a despeito do modelo adotado manter-se um certo grau de respeito as culturas locais. No que se refere as tradições e o folclore, isto é, aspectos exteriores de uma cultura, isso é possível (principalmente porque tais aspectos podem gerar lucros pelo turismo). Contudo, no que se refere aos aspectos que compõem o cimento da identidade de um povo, seus laços de solidariedade, sua ética e religião serão seriamente atingidos por uma cultura que por princípio NÃO RECONHECE NENHUM VALOR SENÃO NO LUCRO.

As Perspectivas dos Movimentos Anti-Globalização

Os economistas e cientistas políticos em sua imensa maioria declaram esta como uma etapa vencida e que os não alinhados a esta nova ordem estão condenados a capitulação. Todavia, o próprio mecanismo excludente deste processo, as crises políticas regionais e os desarranjos estruturais em seu próprio núcleo despertam em todo mundo reação da sociedade civil organizada em diversos movimentos.

O crescente e inegável aumento do abismo que divide os ricos e os pobres no mundo permanece como uma incômoda fenda no casco do navio, a despeito dos comentários otimistas e promissores dos defensores do processo.

A vergonhosa insensibilidade das grandes potências para com as condições miseráveis que a maior parte do planeta se encontra aponta para uma realidade bastante diferente do que a preconizada pelos protagonistas da globalização. Nações inteiras, alijadas das vantagens do progresso e da estabilidade econômica são colocadas numa situação de total falta de perspectiva. Seus graves problemas políticos e sociais têm sido sistematicamente ignorados pela comunidade internacional. Países como a Libéria, Serra leoa e Angola apenas para citar alguns, podem se considerar os indigentes num mundo onde as grandes corporações decretam o que há de ser e “que fora do lucro e do Mercado não há salvação”.

Tudo parece indicar um acirramento entre os movimentos anti-globalização e os centros de interesse neste processo. A melhor das hipóteses seria apenas um conflito conceitual, a pior já se faz presente com uma concreta reação de militância de movimentos radicais islâmicos que dirigem sua revolta a um sistema mundial que se mantém pela injustiça e vitima milhões de pessoas.

Uma nova ordem mundial em luta contra o Islam?

Com a queda do comunismo estatal as potências capitalistas encontram no Islam um obstáculo para a implementação de uma nova ordem mundial. Todos os movimentos e ideologias que hoje se opõem a esta nova ordem carecem de uma sólida base que integre as alternativas e respostas para todas as necessidades do ser humano. Em vista disso o materialismo que inspira esta nova ordem pretendida pode de um modo ou de outro, se impor sobre estes movimentos e ideologias e mesmo coopta-los.

Contudo, o Islam foge a esta regra. Sua abrangência, seu apelo espiritual, a clareza e profundidade de seus princípios se coadunam as mais autênticas aspirações do homem. O chamado do Islam tem sido aceito por pessoas das mais diferentes culturas e de todas as camadas sociais no mundo inteiro e ironicamente na Europa e nos EUA. A rapidez do seu crescimento demonstra sua incrível vitalidade o que sem dúvida é um fator preocupante para seus opositores. Os dirigentes desta máquina econômica estão cientes do potencial islâmico que pode despertar consciências.

É relativamente fácil derrotar ideais (por mais belos que sejam ) porém o Islam não é uma mera filosofia, muito menos um conjunto de teorias. Não se tem precedente na história humana de nenhuma ideologia política que tenha sido capaz de imprimir uma identidade tão marcante nos povos como o Islam fez nestes 14 séculos. Em vista disso, as potências ocidentais, num esforço semelhante ao período do colonialismo, buscam destruir a identidade dos muçulmanos pela implementação de um plano de desislamização em vários países de maioria muçulmana agindo em comum acordo com os governantes locais. É patrocinada a atividade de missionários e seitas evangélicas que não pretendem apenas “converter” mas também doutrinar pessoas para a aceitação do estilo de vida e do pensamento ocidental de consumismo e competição. A opinião pública ocidental é mantida imunizada ao Islam por meio de uma sistemática campanha que visa associar o Islam e os muçulmanos “ao atraso e ao fanatismo que se opõe as liberdades e ao progresso.”

A palavra terror é sempre associada na mídia a “fundamentalismo islâmico” numa proposital omissão de qualquer fundamentalismo militante judeu (sionista) ou cristão. A estagnação e o predomínio da tirania em muitos países islâmicos são apontados como “provas” da validade desse argumento. Todavia, grande parte da responsabilidade sobre a situação desses países cabe as potências ocidentais que tal como no período colonial, deliberadamente optam por um apoio político e econômico a regimes corruptos como a Monarquia do clã Saudita que asseguram o atraso e a opressão sobre os povos de seus países.

Na realidade esses regimes despóticos tem sido a mais perfeita garantia para o ocidente de que o Islam seja mantido longe do poder de decisão política e portanto alijado do processo de transformação social.

A brutalidade com que esses regimes reprimem a militância islâmica fazendo uso da tortura e da execução como no Egito e na Turquia é de imensa valia para que prevaleça nestes países a ordem social e política que interessa ao Ocidente. Assim, toda a conjuntura atual dos países árabes aliados do ocidente, contribui para a manutenção de um sistema que impeça o fortalecimento de qualquer movimento integrador dos muçulmanos que signifique um avanço real em direção ao que o Islam preconiza.

A surpreendente vitalidade da revolução Islâmica do Irã destoa do quadro geral e se mantém como uma esperança concreta para todos os muçulmanos.

O Islam rejeita todo modelo político-econômico que desconsidere os direitos de todos os povos ao bem estar e a dignidade. Se o atual modelo de globalização pretende garantir o bem estar de uma minoria as expensas da miséria dos demais, se pretende manter os mesmos paradigmas e a mesma visão imperialista que dominaram o mundo nos últimos séculos, então se torna uma obrigação moral dos muçulmanos se oporem a isso.

O Islam rejeita com maior ênfase os valores materialistas e irreligiosos que inspiram a ordem política, social econômica pretendida para as nações. A dimensão política do Islam por outro lado, predica uma ordem econômica que não signifique a supressão dos valores éticos, morais e religiosos dos povos e que se baseie em princípios de cooperação e solidariedade entre as nações.

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