A Fé e a Dimensão do Invisível

Por: Ahmed Ismail

Em nome de Allah o Clemente o Misericordioso

A Fé, em sua correta acepção, trata-se de uma realidade permanentemente ligada à dimensão do invisível. Desde que o Alcorão em todos os versículos concernentes a isso, apresenta a fé nesse contexto restrito da dimensão além do alcance dos sentidos e do conhecimento humano. O Islam não admite qualquer outra manifestação de crença como sendo “fé”.

Diz o Altíssimo no Alcorão:

“Eis o livro que é indubitavelmente a orientação dos tementes a Deus; Que crêem no incognoscível, observam a oração e gastam daquilo com que os agraciamos; Que crêem no que te foi revelado (ó Mohammad), no que foi revelado antes de ti e estão persuadidos da outra vida”. (C.2 – V.2 a 4)

A crença no invisível é citada antes de todas as demais distinções dos tementes (para os quais o Alcorão é orientação). De fato, se refletirmos sobre os fundamentos do dín perceberemos que todos eles pertencem à dimensão do oculto, do que é imperceptível ao homem neste mundo (a existência de Allah, a autenticidade da Profecia e do Imamato, a recompensa e o castigo divino, a vida no além, a ressurreição, o dia do Juízo, o Paraíso, o Inferno, etc.). Quando dizemos dimensão do invisível (oculto), queremos dizer que essas realidades transcendem a compreensão e os sentidos humanos, não estão sujeitas às limitações do tempo e do espaço (tais como as conhecemos) e em suma, pelo propósito divino de testar os corações estão ocultas da mente e dos sentidos da criatura humana. A profecia e mais especificamente o Wahí (inspiração divina) é a ponte entre a humanidade e o conhecimento quanto à existência dessa dimensão invisível, porém, este é um ponto de delicado entendimento. A mensagem anunciada pelos profetas em nenhuma circunstância retirou os véus dessa realidade oculta, ou seja, nenhum mensageiro de Allah mostrou a ninguém a vida após a morte, o inferno, o paraíso ou Allah, isto seria anular o propósito divino e a própria validade da fé.

Evidencia o Alcorão:

“Ele é Conhecedor do incognoscível e não revela os Seus mistérios a quem quer que seja, Salvo a um mensageiro que tenta escolhido, e faz um grupo de guardas marcharem, na frente e por trás dele…” (C.72 – V. 26 e 27)

Esse ayat nos informa que os mistérios relacionados a essa dimensão invisível pertencem a Allah e que no cumprimento de seus propósitos, Ele revelava algo desses mistérios a seus profetas e mensageiros, seja por revelação, inspiração, sonhos, visões ou como na viagem noturna de Sayydna Mohammad citada no Alcorão.

Há, porém, uma outra modalidade de inspiração relativa a outros aspectos da realidade espiritual e humana, que não pertence exatamente à dimensão do invisível e nem aos mistérios divinos, que eventualmente pode ocorrer às pessoas em sonhos ou mesmo premonições e visões tal como o Alcorão cita na Sura Yusuf que tenha ocorrido (em sonho) aos dois companheiros de Nabí Yusuf na prisão e depois ao Rei do Egito, os quais apresentaram seus sonhos ao profeta Yusuf para que ele os interpretasse. Há também a inspiração de natureza demoníaca, comum aos falsos profetas, adivinhos e similares. É muito importante distinguir essas modalidades de inspiração, comuns a todos os seres humanos, da Revelação Profética, e termos claro que a dimensão do Invisível e da realidade oculta relacionada à Fé não é acessível a tais modalidades de inspiração.

O propósito divino da fé, como realidade permanentemente ligada à dimensão do invisível para o homem, é de tal modo inquestionável que em todos os livros sagrados e na missão de todos os profetas foi o aspecto mais destacado e decisivo no destino dos povos, a quem os mensageiros foram enviados. Mesmo os sinais (milagres ou portentos) que Allah conferiu a alguns de seus profetas enviados, muito ao contrário do que em geral as pessoas compreendem, não foram jamais “evidências para os descrentes” com o intuito para que passassem a crer. O Alcorão nos informa que sempre que algum dos mensageiros apresentava, com a anuência de Deus, os sinais ao povo, isto só servia para aumentar a fé dos que já acreditavam antes, e para aumentar a descrença dos que não acreditavam, que passavam a difamar seus mensageiros acusando-os de magos. O mesmo ocorreu com o Mensageiro de Allah, quando do início de sua missão, em diversas ocasiões, como relata o Alcorão.

O Imam Ali também narrou que foi testemunha ocular de quando o Profeta foi desafiado por uma facção dos coraixitas para que se apresentasse um sinal eles o aceitariam como Profeta e creriam nele. Pediram-lhe então que fizesse que uma árvore próxima se movesse e parasse diante dele. O profeta disse: “Em verdade Allah tem poder sobre todas as coisas, se ELE fizer isso para vós, então acreditareis e prestareis testemunho da verdade? Responderam: Sim. Então ele disse: “Eu vos mostrarei tudo o que quiserdes, mas eu sei que não vos curvareis para a virtude e sei que há entre vós aqueles que serão lançados à vala e aqueles que tomarão partidos (contra mim)”. Em seguida o Profeta disse: “Ó árvore, se crês em Allah e no dia do Julgamento, e sabes que sou o profeta de Allah, sai com tuas raízes e te posta perante mim com a permissão de Allah!” Foi exatamente assim que aconteceu diante de todos, e ao final aqueles que o desafiaram, sem exceção, acusaram-no de feitiçaria.

Portanto, quando os mensageiros e enviados de Allah eram agraciados ou fortalecidos com algum sinal, o propósito disso era a defesa da verdade ou o amparo aos mensageiros e aos seus seguidores ou um beneplácito de Allah aos crentes, enquanto os que negaram aos mensageiros e não tinham fé no invisível, jamais se persuadiram por meio dos sinais apresentados. É bem verdade que aqueles que por ignorância quanto à senda divina eventualmente pela graça de Allah se persuadiram, como o caso dos magos do Faraó diante de Moisés, e de Asiah, a esposa do Faraó. Contudo, aos Mukaddhibín (negadores da verdade), os cegos pelo orgulho e pela idolatria, em nada lhes serviu a admoestação e os sinais. Qual seria a razão disso?

A fé no invisível é a condição para que o humano seja orientado na senda divina. Portanto, aquele que espera “ver” para crer, jamais crerá e jamais será orientado à senda da salvação, a menos que passe a crer na dimensão do invisível.

Diz Allah o Poderoso no Alcorão:

“Acaso, aguardam que se lhes apresentem os anjos ou teu Senhor, ou então que lhes cheguem sinais d’Ele? No dia em que lhes chegarem alguns se Seus sinais será inútil a fé do ser que não tiver acreditado antes, ou que, em sua crença, não tenho agido com retidão. Dize: Aguardai, que nós aguardaremos”. (C.6 – V.158)

Sendo a fé no invisível, a convicção sobre a realidade espiritual, a fé que se estabelece sem evidências dos sentidos ou de sinais é a única forma de fé autêntica. Concluímos que toda crença que se fundamente em supostas visões, sinais ou milagres não é de modo algum fé em sua verdadeira acepção, ao invés disso, é uma declaração pessoal de descrença na realidade espiritual Divina (que está além da percepção humana); por que é como se a pessoa afirmasse “creio porque vi, creio por que recebi isto ou aquilo, se não tivesse visto ou recebido não creria, continuaria descrente”.

Ora, imensa é a pretensão do homem! Julga que Allah, o Senhor dos céus e da terra, o que não precisa de nada e de ninguém, aquele que se enviar a humanidade inteira para o fogo, não será privado de um único átomo de sua Glória e Poder, se prestaria a enviar sinais e visões para o mundo, preocupado em fazer que este ou aquele creia quando já enviou seus Mensageiros e revelou seus Livros Sagrados e o Livro Discernidor que separa a senda Reta do erro?

Desde que a Dimensão do Invisível não pode ser conhecida pelos sentidos humanos na vida terrena, e apenas aos Mensageiros foi permitido algum nível de percepção desses segredos, em que se baseiam e qual é a origem das tantas reivindicações humanas quanto às visões relativas a esses segredos?

Anteriormente mencionamos duas modalidades de inspirações e dons humanos de percepção (que não devem ser confundidos com Profecia), certas capacidades da mente que na maioria das vezes não são sequer compreendidas por aqueles que eventualmente as possuem. Como por exemplo, no caso do Rei do Egito do tempo do Profeta Yusuf que teve um sonho premonitório com sete vacas gordas que devoravam sete vacas magras e com sete espigas verdes e outras sete secas, entretanto ele não possuía a capacidade de entender e interpretar o sonho, que na verdade era uma premonição verídica, a qual o Profeta Yusuf interpretou para o rei. Assim é inegável que há entre os humanos essas potencialidades latentes que pertencem a níveis da mente inconsciente e que mesmo a ciência já aceita como fato. Os profetas e os Imames também possuíam essas faculdades plenamente desenvolvidas, porém, o grau de profecia não reside em tais faculdades, antes, é perfeitamente distinto delas e a reivindicação da profecia nos tempos atuais é uma flagrante falsidade pois Allah, o altíssimo, declara no Alcorão:

“Em verdade, Mohammad não é o pai de nenhum de vossos homens, mas sim o Mensageiro de Deus e o prostremos dos profetas; sabei que Deus é Onisciente”. (C.33 – V.40)

De maneira que, Mohammad foi o último enviado de Allah a humanidade e sua mensagem foi a que selou todas as anteriores, não havendo após ele nenhum profeta ou Livro sagrado ou nova lei divina, o que equivale dizer que Allah já fez descer à humanidade toda a verdade, todos os preceitos da senda divina, não havendo razão para uma nova mensagem ou um novo profeta. Logo, se qualquer pessoa reivindica profecia, está a dar uma prova evidente de sua falsidade. Na realidade, a falsa profecia tem sido a origem da maioria das seitas que tem se multiplicado no mundo. Todas essas manifestações místicas (de natureza demoníaca ou fruto dos dons psíquicos) se caracterizam pelas mesmas discordâncias com a verdade trazida pelos profetas:

1. Os muitos falsos profetas que se levantam no mundo, a despeito de propagarem doutrinas contrárias entre si, apregoam o politeísmo (quando se afirmam seguidores das escrituras) ou a idolatria (quando se apóiam no paganismo). Ou seja, em nenhum caso conclamam ao Monoteísmo.

2. Todos eles reivindicam e prometem sinais da dimensão do Invisível e tentam provar sua autenticidade com supostos sinais (o que os profetas verdadeiros jamais fizeram).

3. Suas doutrinas e inovações contradizem os preceitos divinos trazidos pelos profetas de Allah e geram novas seitas (quando os verdadeiros profetas jamais fundaram seitas ou dividiram a religião).

4. No caso dos falsos profetas que se inspiram nas escrituras bíblicas, as doutrinas que professam reafirmam todas as muitas adulterações que foram processadas (historicamente provadas tais como a crença na trindade, na salvação pelo sangue de Jesus) o que por si só, é uma prova de sua falsidade (pois se fossem verdadeiros denunciariam essas adulterações e não, as seguiriam).

Diz Allah no Alcorão:

“Mas a quem menoscabar a Mensagem do Clemente destinaremos um demônio, que será seu companheiro inseparável. E embora o demônio o desencaminhe da verdadeira senda, crerá que está encaminhado”. (C.43 – V.36 e 37)

A falsa profecia é uma das modalidades do fitna (poder de sedução) de Shaitan, no qual aqueles que são dominados pela vaidade e pelo orgulho são induzidos a crer serem possuidores do conhecimento do invisível. Shaitan os convence por vários meios a se tomarem por criaturas especiais, sob sua inspiração esses humanos promovem mais e mais inovações e falsas doutrinas criando todo tipo de confusão e desvio. Esse “poder de sedução” também se manifesta em relação aos seus seguidores e aos incautos em geral. São amplamente conhecidos os métodos de oratória empregados por esses pregadores em que induzem multidões a todo tipo de equívocos, distorcendo os ensinamentos, interpretando livremente as passagens dos textos bíblicos segundo suas próprias intenções e as necessidades dos ouvintes. O Profeta Mohammad nos alertou quanto a certos tipos de oratória, as quais ele assemelhou a magia. Em todas as épocas, maus e falsos sábios ou sacerdotes distorceram as palavras das escrituras sagradas para adquirirem domínio sobre o povo, e assim, a religião que tem como objetivo essencial libertar o homem tem sido ironicamente manipulada para que seja uma nova prisão para as consciências.

O objetivo da fé relacionada ao Invisível

O propósito divino de ocultar dos sentidos do homem as verdades sagradas da dimensão invisível é testar os corações, discernindo a fé autêntica das muitas formas de descrença. Se fosse mostrado aos homens algo da realidade do akhirah, por exemplo, para que vissem com seus próprios olhos, o valor da fé se perderia. Em adição a isso, Allah, exaltado seja, enviou seus mensageiros como predicadores e admoestadores da humanidade, revelou os livros anteriores e o Nobre Alcorão no qual diz:

“E expomos aos homens, neste Alcorão, toda a espécie de exemplos para que meditem”. (C.39 – V.27)

E ainda:

“E na terra, há sinais para os que estão seguros na fé. E também (os há) em vós mesmos. Não vedes, acaso? (C.51 – V.20 e 21)

“E em vossa criação e de tudo quanto disseminou, de animais, há sinais para os persuadidos. E na alternação do dia e da noite, no sustento que Deus envia do céu, mediante o que vivifica a terra depois de haver sido árida, é na variação dos ventos, há sinais para os que raciocinam”. (C.45 – C.4 e 5)

Portanto, o homem na vida terrena está cercado dos sinais divinos, suficientes sinais para conduzi-lo à fé e ao temor, na convicção acerca da dimensão invisível. Na verdade, somente o que não medita e que possui um coração ímpio condiciona a sua crença a sinais, milagres ou graças especiais, um homem em semelhante condição espiritual está à mercê da sedução de Shaitan, a quem foi dada autoridade sobre o descrente.

Diz Allah, o Altíssimo no Alcorão:

“Disse: Ó Senhor meu, por me teres colocado no erro, juro que os alucinarei na terra e os colocarei, a todos, no erro; Salvo, dentre eles, os Teus servos sinceros. Disse-lhes: Eis aqui a senda reta, que conduzirá a Mim! Tu não terás autoridade alguma sobre os Meus servos, a não ser sobre aqueles que te seguirem, dentre os seduzíveis. O inferno será o destino de todos eles”. (C.15 – V. 39 a 43)

E ainda:

“Deus é o Protetor dos fiéis; é Quem os retira das trevas e os transportam para a luz; ao contrário, os incrédulos, cujos protetores são os sedutores, para que os arrastam da luz, levando-os para as trevas, serão condenados ao inferno onde permanecerão eternamente”. (C.2 – V.257)

Os fiéis, cuja fé é sincera e íntegra na realidade invisível e que agem com retidão e temor contam com a proteção de Allah nessa questão. Portanto, Shaitan não tem autoridade sobre eles; já os que não crêem no que Allah revelou (e por isso condicionam sua crença a sinais e graças) e que não seguem a senda de retidão ordenada por Allah, sobre estes, Shaitan possui forte influência e os ilude das mais variadas formas e em muitos casos “criando dificuldades para vender facilidades”. Isto é, os coloca em situações difíceis e então os seduz ao politeísmo e a blasfêmia e quando cometem aquilo que o agrada, abraçando qualquer uma das muitas seitas criadas pela falsa profecia, Shaitan retira a dificuldade (enfermidade, sofrimento, problema, etc) para que pensem que foram agraciados com um sinal ou benção divina. Com isso, ele os afasta mais e mais da Senda Divina, enquanto permaneçam descrentes quanto a dimensão invisível.

De fato, a sabedoria divina condicionou a fé autêntica a uma permanente ligação à dimensão do invisível para que esta seja um selo no coração dos fiéis neste mundo e no dia do Juízo. Este selo é um sinal da misericórdia de Allah sobre aqueles que o amam em quaisquer circunstâncias, seja quando agraciados ou quando afligidos pelo sofrimento, aqueles que se mantém firmes e esperançosos na recompensa que não podem ver, e que se mantém temerosos quanto a punição que seus sentidos neste mundo não podem perceber, e que por isso mesmo se empenham no bem e no afastamento do mal. Os que estão persuadidos e convictos das promessas divinas anunciadas pelos profetas e que cujos corações tenham sido purificados da dúvida e da descrença.

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