A Arte de Criticar

A Necessidade do Espelho


Se não houvesse espelho no qual olhássemos os nossos rostos, estaríamos aptos a conhecer os aspectos da beleza ou do defeito neles? Conseguiríamos arrumar e organizar os nossos cabelos? Como conseguiríamos nos embelezar?


Alguém pode responder: “Se não houvesse espelho, talvez pudéssemos utilizar a superfície da água parada como espelho, no qual pudéssemos ver os nossos rostos. Se não fosse a superfície da água, poderíamos utilizar as superfícies minerais brilhantes. Se não fosse isso nem aquilo, os olhos dos outros são espelhos. Ao ver algo agradável em nós, aparece o sorriso em seus rostos, como indício de que somos agradáveis, no seu ponto de vista”.


De todas as formas, a necessidade do espelho é coletiva e não é limitada apenas às moças e mulheres. Se elas os utilizam mais é porque têm mais desejos de serem mais bonitas aos olhos do outro sexo.


O Que o Espelho Faz?


Além de nos permitir vermos os nossos aspectos como eles são, sem nenhuma cortesia ou dissimulação, o espelho possui uma “língua falante”, que diz: “Esse é bonito ou feio. Esse está limpo ou sujo. Esse é aceito ou não aceito. Esse é velho e esse é novo”. O testemunho do espelho é aceito porque é veraz e não demonstra inimizade por alguém se mostra os seus defeitos, nem amizade, se mostrar as suas qualidades. Esse é o papel do espelho correto, sem defeitos.


Porém, se estiver enferrujado ou com alguma imperfeição, ele não mostrará o rosto como realmente é, porque a ferrugem veda a beleza da face e talvez aumente a sua feiúra. Ha espelhos, como é sabido, de todos os tipos e formas. Se o espelho for côncavo ou convexo, redutor ou aumentador, ele não apresenta a imagem correta de quem está na sua frente, mas deformada, como se tivesse sofrido algum acidente penoso.


Concluindo, de acordo com o espelho aparece a imagem. Por isso, a Nobre Tradição Profética diz que “o crente é o espelho do irmão crente”. Com isso, o Nobre Mensageiro (s.a.a.a.s.) refere-se ao espelho correto, não ao defeituoso, o que aumenta ou o que reduz a imagem. Ou seja, o crente é responsável por transmitir a imagem como ela é realmente, sem deformação, acréscimo ou diminuição. Se vir o que gosta no irmão, declara isso, sem cortesia ou lisonja. Ao ver o que o aborrece, não se cala, guardando aquilo para si.

O espelho, além disso, guarda segredo se vir algum defeito na pessoa. Ele não o transmite a quem o utiliza na sequência, dizendo-lhe que viu no rosto do outro esse ou aquele defeito. Por isso, gostamos do espelho, pois ele não aprecia intrigas.


O mais importante é que o espelho não tem memória. Ele não registra na mente a imagem anterior, mas apresenta sempre a imagem atual. Se antes viu na pessoa algum defeito e chamou a sua atenção para aquilo, não o faz lembrar pela segunda ou terceira vez, para constrangê-lo. Se olhá-lo novamente após arrumar o seu defeito, a pessoa terá uma imagem atual, esquecendo-se da anterior. Esse é outro aspecto que nos faz gostar do espelho.


O crente, portanto, é como o espelho. Não se envergonha perante os outros, não divulga o que vê de seus defeitos, mas guarda segredo. Ele é sincero consigo, mas guarda os outros, como se fosse um segredo que não pode ser divulgado, a não ser para quem já o conhece.


Ficou por dizer que o espelho não descobre apenas as qualidades ou os vícios da imagem do rosto, do embelezamento, do cabelo, das vestes, mas mostra a beleza e a feiúra dos nossos movimentos. Se a pessoa se colocar adornada na frente do espelho, este não se coloca contra ela, mas mostra a sua beleza e solenidade como é. Se a pessoa se colocar altiva e começar a fazer movimentos acrobáticos, o espelho não ficará neutro, mas lhe dirá que a pessoa estará sujeita à gozação.


O mesmo faz o outro espelho: o irmão que é sincero consigo quanto à sua religião. Se o indivíduo quiser desmentir o espelho e aparecer diante das pessoas sem estar arrumado, estará sujeito à crítica. Nesse ponto, a pessoa deve lamentar apenas a si mesma.


A nossa discussão sobre o espelho diz respeito, na verdade, à crítica, conselho e orientação.


A Autocrítica


O que se deseja com a autocrítica, como o próprio termo indica, é criticar a si mesmo. Quando a pessoa se olha muito no espelho, está examinando defeitos e faltas para arrumar o que pode ser arrumado antes de se apresentar aos demais, evitando que os defeitos fiquem à mostra, sujeitando-se às críticas alheias.

Isso significa que o indivíduo é o primeiro crítico de si mesmo. Quanto mais preciso e sincero for consigo próprio, menor se torna o círculo da crítica externa. As pessoas irão criticá-lo se ele negligenciar a si mesmo. Mas se ele for bem educado e se preocupar em se esmerar, isso será objetivo de elogio, não de crítica.

Portanto, a primeira base da crítica é: “Critique a si mesmo.” A autocrítica, na realidade, é um dos aspectos da auto- conquista, considerada o empenho maior. Por isso, lemos na Nobre Tradição: “Julgai a vós mesmos antes de ser julgados, avaliai a si mesmos antes de ser avaliados, pois o Crítico é Vidente”. Ou seja, de Deus, glorificado e altíssimo seja, nada se oculta. Ele conhece todos os segredos: “Criamos o homem e sabemos o que a sua alma lhe confidencia, porque estamos mais perto dele do que a (sua) artéria jugular.” (Alcorão Sagrado, 50:16). Portanto, Deus é Crítico Vidente, conhece o oculto e o mais secreto. Se o indivíduo aparecer para as pessoas com aspecto diferente da realidade, querendo enganá-las, eles acreditam. Mas, no mesmo instante em que engana as pessoas, ele fica totalmente exposto perante o Senhor do Universo. Isso é o que faz o crente piedoso e benévolo: observar a “Câmera Oculta” sempre, porque ele diz, na sua autocrítica: “se não consigo ver a Deus, exaltado seja, Ele me vê.” Por isso, envergonha-se tanto na sua solidão como no meio das pessoas. Quem nada comete de errado às ocultas e se envergonha de fazê-lo às claras, vive tranqüilo e feliz. A Nobre Tradição Profética diz: “Vosso primeiro campo sois vós mesmos. Se conseguirdes dominar-vos, conseguirão dominar aos outros. Caso contrário, não conseguirão dominar aos outros. Portanto, experimentai educar-se primeiro.”


Se você quer conhecer o alcance da sua capacidade de ser bem sucedido, realizando as maiores vitórias, você tem a si mesmo à sua disposição. Você consegue se restringir? Você consegue prestar contas a si mesmo como faz uma pessoa estranha? Você consegue ser sincero consigo mesmo nas entrevistas de exame pessoal, sem ocultar nada? Caso afirmativo, você será o ganhador nesse concurso.

Situações da Autocrítica

1 – Prestar contas quanto às idéias e intenções

As mais importantes e mais elevadas críticas são desse tipo. A pessoa critica a si mesma nas primeiras etapas da ação, ou seja, no seu nascedouro, formulando perguntas como: “Por que desejo fazer isso? O que me induz a fazer isso e deixar de fazer aquilo? Será que procuro fama e elogio das pessoas ou desejo satisfazer a Deus? Será que presto serviço aos meus amigos para satisfazer a Deus, Que me ordenou a auxiliar os outros na prática do bem e na piedade, ou o faço para que digam que sou prestativo?” Com esse tipo de crítica, consegue-se colocar todas as ações, sem exceção, sob o microscópio, para ver se elas nos aproximam de Deus ou nos fazem lucrar com o mundo e agradar às pessoas.

Prestar contas quanto às idéias e intenções é uma operação pessoal imensa. Ela não está relacionada à crítica das ações em seu berço apenas, mas a outra etapa, como se o indivíduo se perguntasse a respeito de um ato que intenciona fazer com o objetivo de se aproximar de Deus. A pessoa percorre algumas de suas etapas e numa estação do caminho se pergunta: “Será que continuo com a minha promessa? Será que a minha intenção continua como no início ou mudou? Será que pensei em mudar para outra direção?” Esse é o aspecto das intenções. Quanto à questão das idéias, sabemos que Deus não nos pedirá contas por elas, como um dos aspectos de Sua generosidade e misericórdia, por não as termos colocado em prática. Porém, quando criticamos as idéias demoníacas e tentadoras de Satanás, que nos são sussurradas para a prática de um ato vil, sujo, ruim, fora, portanto, dos limites da Lei Islâmica, conscientes de que isso constitui corrupção do que há em nosso interior, estaremos criticando a nós mesmos, coibindo-nos de prosseguir com essas idéias até o fim.


2 – O Atendimento às Paixões e aos Ímpetos


Se a pessoa não conseguir perceber os pontos fracos em sua personalidade, a não ser tarde, isso significa que o descuido é temporário. Conforme diz o ditado: “Antes tarde do que nunca”. Se ela perceber que vai se envolver com as paixões e afundar nos ímpetos mas, com coragem, parar para se autocriticar com veemência, irá descobrir que o que pretendia fazer é vergonhoso, o que denotaria uma vontade fraca. Certamente, o prazer mundano é efêmero. Por isso, o crente não pode fazer algo que o humilhe. Assim, estará exercendo uma real autocrítica: “E juro, pela alma que reprova a si mesma.” (Alcorão Sagrado, 75:2).


3 – A Ilusão e a Soberba


Pode ser que o indivíduo, numa primeira etapa, não perceba que está numa situação de ilusão e não se apresse em tratá-la e eliminá-la. Ele se ilude e se faz de importante. Se alguém lhe disser que ele está iludido, ele não se importa porque você não enxerga isso. Talvez considere a atitude do amigo como inveja, ou crítica de alguém tendencioso, ou de quem tem má intenção. Mas, se a crítica se repetir e vier de mais de uma pessoa, o indivíduo deve se autoanalisar e indagar numa crítica objetiva: “Será que todos estão enganados? Devo acreditar em mim e não neles? Como a opinião deles coincide se eles estão desunidos?” A pessoa deve, então, observar o seu comportamento diário e analisar a sua situação com cuidado para ver se está de fato iludida e com soberba, sem sentir. Essa análise pessoal e a formulação de perguntas fazem parte de um tipo de crítica superior, porque tiram a pessoa da situação de dúvida em que se encontra: “Quando lhe é dito que tema a Deus, apossa-se dele a soberba, induzindo-o ao pecado” (2:206) para: “Quanto aos tementes, quando alguma tentação satânica os acossa, recordam-se de Deus; ei-los iluminados.” (7:201).


OLHOS:


“O testemunho do espelho é aceito porque é veraz e não demonstra inimizade por alguém se mostra os seus defeitos”


“O mais importante é que o espelho não tem memória. Ele não registra na mente a imagem anterior, mas apresenta sempre a imagem atual”


“Quanto mais preciso e sincero o indivíduo for consigo próprio, menor se torna o círculo da crítica externa”


“As mais importantes e mais elevadas críticas são relativas às intenções e aos ímpetos de cada um”

 

 

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