Os Direitos Humanos no Islã

Uma das questões mais discutidas atualmente, especialmente em muitos países do mundo ocidental, é a questão dos direitos humanos. Nos últimos séculos, particularmente a partir do século XVIII, esse tema ganhou destaque. O que poucos sabem, no entanto, é que o Islã, desde sua revelação, sempre preservou a dignidade e os direitos humanos, interligando-os diretamente à sua base de crença.

A escravidão, por exemplo, que começou a ser abolida no Ocidente a partir do século XVIII, foi combatida e abolida no Islã há mais de 1400 anos. O Profeta Mohammad (saas) e todos os Imames (as) atuaram ativamente contra a escravidão. Eles compravam pessoas escravizadas e as libertavam, pois a crença islâmica sobre a escravidão é clara: ninguém pode ser escravizado ou feito propriedade de outro, já que foi criado livre por Deus e deve ser submisso apenas a Ele. Para viver o verdadeiro significado da liberdade e da submissão a Deus, o ser humano deve entregar-se totalmente a Ele e somente a Ele adorar. É somente assim que o ser humano pode garantir sua dignidade, sendo que a adoração a Deus é o verdadeiro objetivo da criação do homem. Ele mesmo diz: “Não criei os gênios e humanos, senão para Me adorarem.” (Alcorão Sagrado, 51:56)

Acreditar em Deus, o Único

Acreditar em Deus, o Único, e adorá-Lo exclusivamente, é um dos meios mais importantes para garantir a autonomia na submissão ao Criador e viver com dignidade. Por isso, um dos pilares que assegura os direitos humanos no Islã é justamente essa crença no monoteísmo — crer em Deus, o Único, e dedicar a Ele toda adoração.

Isso se deve ao fato de que muitos sistemas e Estados, apesar de falarem sobre direitos humanos, acabam subordinando-os aos seus próprios interesses. Frequentemente, esses direitos são manipulados, distorcidos ou adaptados conforme as conveniências políticas e econômicas do momento.

Ao estudarmos a história, vemos, por exemplo, que quando os britânicos aboliram a escravidão e lançaram uma grande campanha global contra essa prática, o verdadeiro objetivo por trás disso não era humanitário. O que buscavam, na realidade, era o controle das principais rotas marítimas do mundo, sob o pretexto de inspecionar navios à procura de pessoas escravizadas. Com isso, conseguiram controlar a comercialização de produtos conforme seus próprios interesses. Em outras palavras, usaram uma causa nobre como desculpa para implementar uma agenda econômica e política.

No Islã, no entanto, nunca foi assim. A abolição da escravidão ocorreu por razões puramente humanas e espirituais. O maior beneficiado foi o próprio ser humano — não uma elite ou um grupo dominante. Deus deseja que toda a sociedade seja beneficiada, e não apenas uma parcela privilegiada.

A seguir, serão apresentados alguns dos direitos garantidos pelo Islã a todos:

1) O direito à vida

O direito de viver é um dos mais claros no Islã. Por isso, inclusive o suicídio é proibido. Deus, o Altíssimo, diz: “… e não cometais suicídio, porque Deus é Misericordioso para convosco.” (Alcorão Sagrado, 4:29)

Se tirar a própria vida é proibido, imagine então tirar a vida de outra pessoa, o que é considerado um pecado capital. No Islã, nem mesmo o aborto é permitido, pois a vida do feto também é sagrada.

Narra-se que um homem procurou o Imam Ali (as) perguntando se uma mulher poderia tomar algo para abortar por temer as dificuldades da gravidez. O Imam respondeu negativamente, explicando que, embora ainda não fosse uma pessoa formada, o feto era o início de uma nova vida, uma nova criação. Portanto, também era proibido matá-lo.

Se matar um feto é proibido, imagine tirar a vida de um ser humano adulto:

“… quem matar uma pessoa, sem que esta tenha cometido homicídio ou semeado corrupção na terra, será como se tivesse assassinado toda a humanidade…” (Alcorão Sagrado, 5:32)

O versículo não especifica se a vítima é muçulmana ou não — qualquer pessoa inocente. Por isso, violar o direito à vida é transgredir contra toda a humanidade, e a punição, nos casos confirmados, é severa no Islã.

2) O direito à dignidade

Todo ser humano tem direito à dignidade, independentemente de sua raça, etnia, nacionalidade, condição financeira ou origem. Este é o princípio que levou o Islã a abolir a escravidão, pois ela era uma afronta direta à dignidade humana. Deus, o Altíssimo, diz: “Enobrecemos os filhos de Adão e os conduzimos pela terra e pelo mar; agraciamo-los com todo o bem, e os preferimos enormemente sobre a maior parte de tudo quanto criamos.” (Alcorão Sagrado, 17:70)

Tudo neste mundo — riquezas, ciências, alimentos, recursos naturais — está à disposição do ser humano. Por isso, o Islã combate qualquer prática que reduza ou infrinja a dignidade humana.

Os Imames (as), por exemplo, ajudavam os necessitados durante a noite ou por trás das portas, para não expô-los ao constrangimento, protegendo assim sua dignidade.

3) O direito ao aprendizado

O conhecimento representa o verdadeiro valor do ser humano, e esse direito é garantido pelo Islã a todos — homens, mulheres, jovens, idosos. Não há monopólio sobre o saber; ao contrário, sua divulgação é incentivada.

Durante as batalhas, o Profeta Mohammad (saas) chegou a libertar prisioneiros mediante o compromisso de ensinarem outras pessoas a ler e escrever.

O Islã permite que alguém cobre por compartilhar o que aprendeu (como forma de compensação por investimento), mas impedir o acesso ao conhecimento benéfico é imoral e condenado.

No Tratado dos Direitos, escrito pelo 4º Imam dos Ahlul Bait (as), são abordados os direitos do professor e do aluno com profundidade. Este tratado, com mais de 50 capítulos, revela como o Islã trata os direitos humanos em suas mais diversas dimensões — desde os direitos espirituais até os sociais.

4) O direito ao pensamento e à meditação

Pensar e meditar são incentivados no Islã como formas de alcançar convicção e fé verdadeira. Disse o Imam Assadiq (as): “Meditar por uma hora é melhor do que adorar por um ano inteiro.”

O Islã encoraja o uso da razão, a reflexão sobre o universo e o diálogo aberto, inclusive com ateus e idólatras. Questionar não é pecado; o erro está em permanecer na ignorância ou buscar respostas com quem não tem conhecimento verdadeiro.

5) O direito à segurança

Todo ser humano tem o direito de viver em segurança — inclusive os prisioneiros. Viver sob ameaças, assédio ou medo é algo que o Islã condena fortemente. O Profeta Mohammad (saas) disse: “Quem matar um homem sob pacto (de proteção), não sentirá o cheiro do paraíso, embora o cheiro do paraíso possa ser sentido a 40 anos de distância.”

Pessoas protegidas por pactos, como cristãos e judeus que vivem em paz dentro do território islâmico, têm sua segurança garantida.

Lembro que, em 2015, uma das formas que o grupo terrorista DAESH utilizou para intimidar seguidores de outras religiões e escolas foi marcar as paredes das casas com inscrições como “Cristão” ou “Xiita”. Essa prática foi, sem dúvida, uma das maneiras mais assustadoras de distorcer a imagem do Islã — algo que em nada representa seus verdadeiros ensinamentos.

A questão do pacto é de extrema importância. Enquanto os inimigos respeitarem as leis do Governo Islâmico e não representarem uma ameaça à segurança dos muçulmanos, devem viver em paz e segurança, sem que suas vidas sejam afetadas de forma alguma.

Foi exatamente assim na época do Profeta Mohammad (saas), quando ele firmou pactos com judeus e cristãos de sua época. Todos viviam em paz. No entanto, em determinado momento da história, alguns grupos judeus se aliaram aos inimigos do Islã e passaram a conspirar contra os muçulmanos. Diante disso, mesmo tendo total legitimidade para prendê-los ou condená-los, o Profeta (saas) optou por uma medida menos severa: os expulsou. Ainda assim, mesmo após essa ação, eles continuaram conspirando, sabotando e agredindo os muçulmanos.

6) O direito à crença

A liberdade de crença é um direito assegurado no Islã: “Não há imposição quanto à religião…” (Alcorão Sagrado, 2:256)

A fé deve ser fruto de convicção, não de coerção. O Profeta Mohammad (saas) e os Imames (as) dialogavam abertamente com seguidores de outras religiões e até com ateus, defendendo sempre o método do diálogo e da razão.

7) O direito à igualdade e à justiça

O Islã garante igualdade a todos, independentemente de raça, etnia, gênero ou nacionalidade. Deus afirma: “O mais honrado entre vós, perante Deus, é o mais temente.” (Alcorão Sagrado, 49:13)

Em outra passagem, Deus diz no Alcorão Sagrado: “Ó humanos, em verdade, Nós vos criamos de um macho e de uma fêmea, e vos dividimos em povos e tribos para que vos reconheçais uns aos outros. Sabei que o mais honrado dentre vós, diante de Deus, é o mais temente. Sabei que Deus é Sapientíssimo e bem inteirado.” (Alcorão Sagrado, 49:13)

Todos são iguais perante Deus, e o que realmente importa é o temor a Ele (taqwa). É isso que torna um fiel mais próximo ou mais distante de Deus, mais elevado ou não, mais querido ou não. Não é o dinheiro, a riqueza, a fama, o status social — muito menos o gênero ou a ascendência — que coloca alguém em um patamar superior.

A igualdade é um princípio fundamental no Islã, derivado do princípio da justiça, que é um dos atributos de Deus. A justiça também é um direito garantido no Islã, do qual jamais se abre mão. Nos versículos citados, percebemos claramente como Deus é justo em Sua recompensa: Ele trata a todos de forma igual, e o único critério legítimo é o temor a Deus.

Como disse um dos Imames (as): “Deus criou o Paraíso para aquele que O obedece e faz o bem, e criou o Inferno para aquele que O desobedece.”

A justiça é um atributo divino, e o Islã exige que ela seja aplicada igualmente.

Uma lição profunda sobre isso é o caso do Imam Ali (as), que foi ao tribunal contra um homem judeu que havia tomado seu escudo. O juiz, com base na lei da posse, decidiu a favor do homem judeu. O Imam Ali (as) não resistiu à decisão, mas a lição que tiramos dessa história é a seguinte:

Primeiro, o Imam não se considerou superior nem acreditou que sua palavra, por si só, valeria mais do que a do outro. Ele recorreu aos meios legais disponíveis para reivindicar seu direito e fez valer o princípio da igualdade entre ele e o próximo.

Segundo, o Imam lutou até o fim pelo seu direito, mas aceitou a decisão do juiz, mesmo sendo contrária à verdade. De fato, aquele judeu havia roubado o escudo do Imam durante uma das batalhas. No entanto, o Imam não tinha testemunhas que pudessem comprovar o ocorrido, e o juiz, com base no princípio da posse, considerou que o escudo pertencia ao homem, pois estava em sua posse — e, juridicamente, a posse servia como evidência de propriedade.

Mas a justiça e a igualdade foram tão impressionantes para aquele judeu que ele ficou encantado com o comportamento do Imam Ali (as) se converteu ao Islã.

Aula ministrada por Haj Nasser Al-Khazraji na 4ª edição do Curso Intensivo Islâmico em São Paulo, em 18/05/2025.

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