O Islam: a Atitude e a Participação Social e Política

Por: Ahmed Ismail

A perspectiva islâmica de atitude política não é de modo algum distinta do que é comumente entendido como atitude religiosa. Esta peculiaridade do Islam não encontra paralelos ou similaridades em nenhuma outra tradição religiosa anterior, embora nos primórdios do cristianismo e em alguns outros breves momentos de sua história tenham surgido movimentos que postulavam a prática religiosa como um instrumento de transformação sócio-política.

Contudo, a expressão desta atitude no Islam difere em muito de quaisquer das propostas utópicas (por vezes isolacionistas) destes grupos de cristãos primitivos. No caso específico do Islam não é proposto um “se fechar para o mundo” ou uma negação radical do progresso, ao contrário, a atitude religiosa (que é eminentemente política) busca integrar o mundo e integrar-se a ele.

O Islam rejeita absolutamente o ascetismo tal como é compreendido no mundo ocidental. Em nenhuma passagem do Alcorão se encontra qualquer evidência que aponte para nada parecido a um isolamento místico. O tema central do Alcorão é dirigir a mensagem ao homem em seu contexto social, toda a ênfase no aspecto individual se desenvolve no ambiente social. Isto é, a atitude religiosa encontra sua razão de ser no conjunto humano. Porquanto, o Alcorão versa sobre a expressão religiosa nas relações sociais, na família, nos meios de sustento, no exercício da liderança, nas relações entre as comunidades como uma continuação natural da expressão religiosa do culto (fé, prece, jejum, etc.). Essas expressões jamais estão dissociadas no Alcorão.

O ascetismo devidamente compreendido como o verdadeiro ascetismo é antes, uma correta abnegação (piedade, temor a Allah) presente no íntimo, tal como foi vivido e praticado pelo Mensageiro de Allah (saas) e pelos Imames de sua Casa (as), sem que isso jamais significasse “alienação ou isolamento da sociedade”.

A atitude religiosa em sua verdadeira acepção é, ou necessariamente deve expressar-se, como uma atitude política. Deve produzir efeitos benéficos no meio social e servir como um referencial de erradicação do mal e da injustiça. Do contrário estará muito aquém de sua razão de ser. Atitude política sob a perspectiva do Islam é a que se encontra expressa nos Ayat Sagrados:

“E QUE SURJA DE VÓS UMA NAÇÃO QUE ORDENE O BEM, DITE A JUSTIÇA E PROÍBA O ILÍCITO. ESTA SERÁ (UMA NAÇÃO) BEM AVENTURADA.” (3: 104).

“NA VERDADE, ENVIAMOS NOSSOS MENSAGEIROS COM SINAIS MANIFESTOS, E COM ELES ENVIAMOS O LIVRO E A BALANÇA, PARA QUE OS HOMENS PROMOVAM A JUSTIÇA…” (57:25)

A aplicação destas diretrizes pode variar segundo as mais diversas circunstâncias. Entretanto, em quaisquer que sejam é uma obrigação religiosa e moral dos muçulmanos empenharem-se no sentido de colocá-las em prática.

No que diz respeito as circunstâncias, é óbvio que em cada sociedade os meios de expressão desta atitude religiosa e política também diferem e é lógico que os indivíduos devem agir dentro do que lhes seja possível, fazer o que está a seu alcance no sentido de que o bem se propague, a justiça se cumpra e o mal seja refreado.

Um claro exemplo da aplicação desses princípios na vida prática de um muçulmano é demonstrado por esta narrativa atribuída a Imam Ali Amr Ul Muminin (as) numa comunicação que reporta à instruções legadas pelo Mensageiro de Allah (saas):

“Ó CRENTES, AQUELE QUE OBSERVAR EXCESSOS SENDO COMETIDOS E PESSOAS SENDO INDUZIDAS AO MAL, E DE CORAÇÃO, DESAPROVAR ISSO, ESTARÁ A SALVO E LIVRE DE RESPONSABILIDADE SOBRE ESSES ATOS; E AQUELE QUE DESAPROVAR ESSES ATOS COM A LÍNGUA SERÁ RECOMPENSADO E ESTARÁ NUMA POSIÇÃO MAIS DESTACADA DO QUE O PRIMEIRO, MAS QUEM OS DESAPROVAR COM A ESPADA, PARA QUE A PALAVRA DE ALLAH PERMANEÇA SUPREMA E AS PALAVRAS DOS OPRESSORES PERMANEÇAM ÍNFIMAS, FIRMAR-SE-Á NO CAMINHO DA DIRETRIZ E PERMANECERÁ NO CAMINHO RETO, SENDO QUE SEU CORAÇÃO SERÁ ILUMINADO COM CONVICÇÃO. ENTÃO, ENTRE ELES HÁ AQUELE QUE OS DESAPROVA COM SUAS MÃOS, SUA LÍNGUA E SEU CORAÇÃO. TAL HOMEM ADQUIRIU PERFEITA VIRTUDE. E ENTRE ELES HÁ AQUELE QUE DESAPROVA O MAL COM UA LÍNGUA, COM SEU CORAÇÃO, MAS NÃO COM SUAS MÃOS. ESTE HOMEM ADQUIRIU DOIS HÁBITOS VIRTUOSOS TENDO LHE FALTADO UM. E ENTRE ELES HÁ UM TERCEIRO QUE DESAPROVA O MAL COM SEU CORAÇÃO, MAS NÃO COM SUA LÍNGUA E SUAS MÃOS. ESTE É AQUELE AO QUAL FALTAM AS DUAS MELHORES QUALIDADES DAS TRÊS, E É CREDITADO APENAS NUMA DELAS. ENTÃO NOS DEPARAMOS COM AQUELE QUE NÀO DESAPROVA O MAL NEM COM A LÍNGUA, NEM COM O CORAÇÃO, NEM COM AS MÃOS. ESTE É APENAS UM MORTO ENTRE OS VIVENTES (…).”

O contexto que a tradição expõe é uma atitude de resistência ao erro. Podemos de modo semelhante, identificar diferentes níveis de atitude ou empenho para que o bem prevaleça. Em ambos os casos, o que é inadmissível para o muçulmano (o que o desqualifica como tal) é a ausência de qualquer esforço “na ordem do bem e na coerção ao mal”. A expressão “morto entre os viventes” referida aquele que “não se levanta contra o erro, nem com suas mãos, nem com sua boca e tampouco com seu íntimo”, em outra tradição atribuída ao Profeta (saas) é apresentada como “total ausência de qualquer grau de fé”.

Atitude Religiosa e Atitude Social

A atitude religiosa que se valida como uma atitude social efetiva na comunidade se expressa por um vasto leque de meios e ações. O mais elementar princípio da atitude religiosa diz respeito à própria pessoa, desde que a fé não é um mero conceito teórico, ela se confirma pelas ações. Um bom muçulmano que expresse sua fé por meio de um caráter digno e isento de deformidades morais, está por seu próprio comportamento contribuindo para que o bem se propague.

Um segundo nível desta atitude religiosa se efetiva quando um indivíduo expressa um correto procedimento para com aqueles que estão mais próximos dele (seus pais, sua família, seus dependentes). Se por exemplo um muçulmano constituir uma boa família e criar seus filhos com uma correta orientação para o Din e seus princípios éticos e morais, estará proporcionando um bem ainda maior para a sociedade.

O terceiro nível desta atitude religiosa se realiza quando isso se torna extensivo à comunidade nas relações com as demais pessoas, especialmente as mais próximas na vida cotidiana. Via de regra esta atitude religiosa-social está ao alcance de todas as pessoas de acordo com o âmbito que lhe compete.

Todavia, a vida em sociedade em razão de sua complexidade requer uma atitude de maior extensão; temos uma vida pessoal que invariavelmente está relacionada a uma vida comunitária e política, as quais exercem forte influência sobre a primeira. O que significa que os problemas de uma comunidade e de uma sociedade inteira pertencem a cada um dos indivíduos que a compõem. Na verdade não se pode delimitar onde termina uma e se inicia a outra, tal é a complexidade das relações entre estas esferas da vida social. Este é um ponto em que se exige da atitude religiosa uma similar atitude comunitária e social, pelo simples fato de que não podemos nos furtar dos problemas da sociedade em que pertencemos como se eles não nos dissessem respeito.

Imaginemos a sociedade como um imenso navio. O que aconteceria se este navio se encontrasse num mar revolto prestes a soçobrar contra recifes e todos os seus tripulantes cruzassem os braços dizendo: “Isto não é problema meu?” Ou se todos tentassem se salvar sozinhos cada qual a seu modo? A condição predominante nas sociedades atuais se assemelha a desse navio e a correta atitude islâmica é de assumir nossas responsabilidades sejam as relativas a nós mesmos, sejam relativas a sociedade a que pertencemos.

A mais nefasta atitude, a mais anti-social (e por isso de certo modo, suicida) é a de atribuir a responsabilidade aos demais, eximir-se de uma correta contribuição social. Esta verdadeira doença social (de fundo ético e moral) se reflete nas ações mais corriqueiras, omissões diárias e ainda que muitas vezes indiretas, constantes colaborações com o que é prejudicial para a sociedade. É comum que muitas pessoas reclamem que as ruas estejam sujas nas grandes cidades e também é comum que elas próprias atirem lixo em terrenos baldios e nas calçadas e não se mobilizem por meios legais para exigir um serviço de limpeza pública eficiente. Também é comum que digam: “Esta é uma sociedade corrupta!” enquanto elas próprias aceitam receber e conceder privilégios e favores por meios corruptos. As sociedades atuais estão imersas nestas contradições que colocam a todos na condição dúbia de vítimas e algozes pela ausência de uma correta atitude comunitária, social e política.

No caso específico do muçulmano, este conta com as claras diretrizes e princípios do din aplicáveis em todo e qualquer aspecto de sua vida e é compulsório para ele fazê-lo segundo a sua capacidade. E no âmbito comunitário e social é onde sua atitude religiosa pode ser plenamente exercida, o que resulta numa atitude política considerável se uma comunidade islâmica (ainda que minoritária num país) passe a adotar esta correta atitude na sociedade em que vive. Novamente vem a baila o conceito de comunidade se sobrepondo sobre a ação individual. Assim é em virtude da própria natureza do pensamento islâmico que enfatiza o “espírito de comunidade” como uma força potencial de transformação social. Onde a competência individual não pode alcançar, será a comunidade que realizará.

Tomemos o exemplo concreto de nosso país. Como indivíduos os muçulmanos representam uma parcela ínfima da sociedade. No momento atual sequer contamos com lideranças políticas capacitadas que possam trabalhar para o Tahsin (nem da comunidade, nem da sociedade como um todo). Ou seja, estamos partindo de um ponto próximo ao zero porque não temos ainda sequer uma consciência real de nossas responsabilidades como indivíduos e como comunidade islâmica perante o país em que vivemos. Nosso senso de comunidade islâmica é mais uma equivocada “consciência de colônia” que além de não corresponder a verdadeira consciência de Ummah Islâmica, também não tem adotado uma correta atitude religiosa, social e política tal como o Islam nos exige. Então como indivíduos, os muçulmanos permanecem profundamente limitados nesta sociedade. Enquanto outros grupos religiosos contam com uma considerável participação política e social (e a têm usado apenas para os seus interesses de grupo).

A solução a médio e longo prazo seria despertar o maior número de indivíduos (muçulmanos) para a consciência comunitária islâmica, não isolacionista ou fechada para a sociedade, mas sim, integrada ao resto da sociedade para uma expansão dos valores islâmicos e uma contribuição efetiva em todos os campos da vida social, e em especial na participação política.

Desde que a condição atual não nos isenta de nossas responsabilidades com respeito a correta atitude religiosa e social não devemos de maneira nenhuma adotar uma conduta contemplativa e acomodada, nos limitando a criticar os demais e a lamentar. Isso os hipócritas e todos os de caráter duvidoso o fazem muito bem, seremos bons muçulmanos se nos assemelharmos a eles? Decerto que não.

As diretrizes e os princípios éticos e morais do Islam são perfeitamente aplicáveis e nos servem como uma orientação segura para nossas ações. Quando afirmamos que o Islam é uma religião comunitária, isto é comumente entendido como um preceito social de direitos e deveres entre os muçulmanos. Não é exatamente isso que o Alcorão afirma e esta definição não corresponde de modo perfeito o que a tradição (sunna) do Mensageiro (saas) e dos Ahlul Bait (as) exemplifica.

É evidente que diversos ayát ordenam e detalham o elo comunitário e fraterno dos muçulmanos, frisando sobremaneira direitos e deveres mútuos. Porém são igualmente estabelecidos direitos e deveres referentes a todas as pessoas (muçulmano ou não-muçulmano).

O profeta (saas) e os Imames de sua linhagem (as) atestaram com sua conduta, suas palavras e ensinamentos este libelo social e humanitário extensivo a todas as pessoas. O próprio sentido de Dâwah fii SabiliLlah repousa neste estabelecimento de relações bondosas e justas com palavras e ações que resultem para o bem das pessoas, para a justiça e o combate ao mal.

Deus diz no Alcorão: “Ó HUMANOS, NÓS VOS CRIAMOS DE MACHO E FÊMEA E VOS DIVIDIMOS EM POVOS E TRIBOS, PARA RECONHECERDES UNS AOS OUTROS…” ( 49: 13)

A conclamação do ayát é universal, não cita nenhuma diferença, não distingue a priori e principalmente expõe um objetivo nobre e sábio: “PARA RECONHECERDES UNS AOS OUTROS”. Este objetivo abrange vastos aspectos, porém nos limitando ao assunto, citaremos o reconhecimento fundamental da vida em sociedade: a condição humana e todas as suas implicações, isto é: reconhecer nos outros a nossa própria natureza, aprender que as nossas necessidades básicas são as mesmas de nosso semelhante, e a sociedade em que vivemos espelha o que somos ou como nos encontramos. Portanto, este processo de atitude religiosa e por extensão, comunitária, social e política começa no indivíduo, em suas relações com os outros.

É interessante observar que nas tradições fiéis uma especial ênfase é encontrada em várias narrativas sobre os “direitos dos vizinhos”.

Uma análise superficial poderia compreender isso como um mero traço educacional que visava promover o sentimento amistoso e o respeito mútuo. Contudo, as implicações desta “correta atitude religiosa e social” possuem um profundo significado sociológico: Que é a comunidade? Que é a sociedade? Onde ela começa? Por onde qualquer mudança pode começar? É possível que um político responda que é a massa popular, sem nome, a qual ele não conhece. Um tecnocrata talvez respondesse apontando para os números em um gráfico. Porém, a resposta certa todos nós sabemos: o “vizinho” é o elo imediato que responde a essas questões.

O Profeta (saas) antecipou em séculos a estratégia sociológica de resolução dos dilemas sociais e da humanização da vida em comunidade: a ação local, partindo do indivíduo para o coletivo. Nas tradições do Mensageiro (saas) e dos Imames (as) encontramos a ênfase nesta ação individual, na transformação das relações básicas dos indivíduos para que toda a sociedade seja beneficiada e para que as condições para mudanças positivas surjam.

Para aquele que sinceramente deseja adotar a correta atitude religiosa e comunitária, é necessário que saiba que isso não pode ser realizado enquanto suas ações não sejam cuidadosamente dirigidas de modo a proporcionar benefícios para ele e para os mais próximos dele; e que haja o máximo esforço para que não proporcione prejuízos ou incômodos aos demais. É preciso também que saiba que uma correta atitude religiosa não é possível enquanto os problemas e os sofrimentos dos outros não lhes digam respeito. Tal como o conhecido hadith diz sobre o muçulmano que dorme saciado de sua fome enquanto o seu vizinho está faminto.

Numa grande cidade, numa imensa nação, até onde podemos afirmar com certeza que seja o limite dessa vizinhança? Ainda assim tomemos como princípio a ação local.

Entretanto, é preciso não nos iludir com as soluções paliativas e o enganoso caminho da filantropia. Nada do Alcorão ou da Sunna autêntica tem por base a filantropia como um fim em si mesmo. O Islam é uma mensagem de transformação do homem e da sociedade, não algo para tapar buracos e que não se destina a solucionar os problemas do homem e da vida em sociedade.

A correta atitude religiosa não pode se limitar a aplacar as conseqüências dos erros, dos desmandos e das injustiças (embora o faça em caráter imediato). Filantropos e sociedades beneficentes são necessários; especialmente quando uma sociedade seja vitimada por um sistema cruel e opressor que produza uma situação de miséria e que o materialismo e o individualismo predominem em todos os aspectos da vida do país. O que não deve ser entendido é que a filantropia e o assistencialismo sejam o apanágio que resolverá todo o problema. Este é o erro mais comum na atitude religiosa corrente e predominante na mentalidade cristã tradicional que infelizmente também se tornou usual em alguns setores islâmicos.

Não é incomum que um governo materialista e corrupto, para fins de propaganda mantenha subvenções a sociedades assistencialistas numa situação tão bizarra quanto a de um traficante de drogas que subvencione organizações de tratamento de drogados! Isso ocorre por que os que dominam o sistema possuem plena consciência do curto alcance e do limitado potencial de transformação (ou revolução) social do pensamento filantrópico. A correta atitude religiosa e social que o Islam exige de cada um de nós é uma atitude consciente, que é pôr em prática o Din em todos os setores de nossa vida e estabelecer ações participativas e solidárias aliadas ao dâwah (propagação do din).

Não cabe aqui sugerir esta ou aquela forma específica de atuar na comunidade ou na sociedade. Via de regra, toda iniciativa para o bem comum, para reparar injustiças, para promover o correto, seja ela organizada, em grupo, ou individual merece a participação e a colaboração de um bom muçulmano tanto quanto lhe seja possível.

Atitude Religiosa e Atitude Política

A atitude religiosa tal como deve ser compreendida no Islam, é em si, uma atitude política. E esta atitude é permeada por uma profunda e atuante conscientização política e social que não está restrita a uma visão local ou temporal. Isto é, a atitude política do muçulmano se baseia na correta compreensão do caráter global dos problemas e das soluções. Isto não é atrelado a uma participação político-partidária (embora não a descarte). Entretanto, a participação direta individual e o contato da comunidade islâmica nos autênticos movimentos sociais que lutam por causas justas, são fundamentais. Esta correta atitude religiosa e política requer, portanto, uma considerável formação cultural (daí a ênfase do Islam na busca do conhecimento). Em outras palavras, o muçulmano deve se empenhar em instruir-se e informar-se o mais que lhe seja possível para que possa formar uma consciência política vigorosa a ser aliada de sua formação religiosa, ética e moral.

Quando uma irmã muçulmana traja-se de modo decente e adere ao hijáb numa sociedade em que a exposição e a exploração da mulher é a regra dominante, quando um bom muçulmano ganha a vida de modo lícito abstendo-se de negociações envolvendo juros, interceptação de mercadorias roubadas ou exploração de mão de obra numa sociedade em que a esperteza é consagrada como virtude, nestes casos (a título de exemplo) a atitude religiosa está a cumprir um importante papel político de atuação positiva na sociedade. E esta atitude adquire um caráter mais significativo e atuante se aliada ao Dâwah fii SabíliLlahi.

Na verdade há uma contraposição de forças que envolvem esta atitude religiosa e política no mundo ocidental. Primeiramente, as sociedades ocidentais da atualidade estão estabelecidas sobre a separação oficial do Estado e da Igreja. Portanto, o pensamento predominante é o que “a religiosidade não deve gerir ou interferir nos assuntos temporais” o que ameaça a qualquer pessoa temente a Deus de ser discriminada como “fanática” ou “retrógrada” se por razões de consciência e fé se opor aos costumes irreligiosos aceitos pela sociedade. O mesmo se dá (com sérias conseqüências) quando essa pessoa se nega a servir o Estado naquilo que fere sua consciência e crença religiosa. Os chamados objetores de consciência tornaram-se um incômodo problema para os estados belicosos nas duas grandes guerras.

A correta atitude religiosa e política no caso específico dos muçulmanos, encontra um outro desafio nos países ocidentais: o forte preconceito contra o Islam e a situação política mundial que elege o Islam como um opositor do pensamento e da cultura ocidental. Logo, a ignorância e a desinformação são obstáculos consideráveis que só podem ser vencidos com um empenho pessoal e coletivo bem orientado.

Novamente surge o dilema do qual os muçulmanos não podem se furtar numa sociedade em que constituem uma minoria: a atuação religiosa, social e política embora seja uma iniciativa pessoal não pode e não deve se manter neste estágio, é premente a necessidade de uma integração de forças que resulte em uma atuação comunitária que utilize todos os recursos que a sociedade dispõe.

Contudo, esta atuação comunitária deve conter em si a mesma, correta atitude individual e a mesma clareza de objetivos. Por isso reafirmamos que o atual conceito de comunidade islâmica no Brasil há de ser reavaliado e retomar as bases e os autênticos objetivos do Islam. Caso continuemos a admitir que comprometimentos étnicos e raciais dirijam os rumos da comunidade islâmica no Brasil isso permanecerá como um entrave para a nossa correta atuação religiosa, social e política tal como o Islam exige dos muçulmanos.

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