A Aderência ao Din e o Apelo à Razão

Por Ahmad Ismail

A fé no sentido que o Alcorão expõe aos humanos se fundamenta em dois elementos inerentes a natureza humana: o sentimento e a razão. Em diversas passagens o Alcorão exorta o homem para atentar à sua volta e para si próprio de maneira que através do sentimento e da razão ele se aperceba das realidades espirituais que compõem o Din (religião).

“Para que fui criado?” “Qual o sentido de minha vida nesse mundo?” “Há algum objetivo em minha existência?” Essas e outras questões relevantes permeiam a consciência humana, entretanto, comumente adotamos um modo de pensar e agir que coloca essas questões num plano secundário, como se não fizessem parte de nossa vida ou como se pertencessem a algo fora de nossos propósitos. A Religião (no sentido mais verdadeiro do termo) é uma retomada dessas questões e o Alcorão adota como método o “chamar o homem à consciência de si e do mundo que o rodeia”. Sentimento e razão, fé e intelecto são chamados a um exame no qual não partem do princípio de “conflito”, pois o Islam nos ensina que a razão pode (e deve) ser iluminada pela fé e a fé pode ser amparada pela razão.

A LEI DIVINA

Uma das afirmações que se apresentam e que dá a razão essencial a mensagem divina trazida por todos os profetas enviados é a da “existência de uma LEI DIVINA”. Ou seja, desde que há um Criador e Senhor do universo, necessariamente existe uma LEI, um conjunto de preceitos ordenados pelo mesmo à criatura humana.

Pelo uso do raciocínio o homem chegou à percepção das leis naturais que regem a natureza que o cerca, ao se formarem as comunidades humanas imediatamente surgiu a necessidade de leis para que tais comunidades não se conduzissem ao caos e a dissolução, ao homem que detenha o mínimo de sensatez sua razão dirá que seria inconcebível que se exista um Criador e Senhor do universo, que este tenha ordenado todas as coisas existentes sem uma Lei para cada uma delas. Por isso, em diversos versículos o Alcorão exorta o homem ao USO DO RACIOCÍNIO o que significa que se este o faça terá condições de compreender a realidade de sua existência e a essência da Mensagem Divina a ele apresentada. Ao mesmo tempo, o Alcorão afirma com veemência que a recusa ao raciocínio é absolutamente condenável e indigna ao humano chegando a comparar os que se negam ao raciocínio aos animais e assevera que estes aos olhos de DEUS são as piores criaturas.

Aceitando-se por princípio lógico a EXISTÊNCIA DE UMA LEI DIVINA originada não da mente humana ou das disposições sociais e culturais, mas sim, do próprio Senhor do universo, a razão afirma que essa lei é LEI PARA TODA A HUMANIDADE, pois seria inconcebível que o Mando Divino se dirigisse para apenas alguns e não para outros. Seria mesmo absurdo acreditar que os mandamentos e preceitos anunciados pelos profetas enviados fossem apenas para aqueles que acreditassem neles e que os que não os aceitassem estariam isentos de seu cumprimento. Isso seria o mesmo que alguém acreditasse que num país onde a lei proibisse o furto, estaria isento de obediência e de punição por não acreditar ou não se sujeitar a ela.

Os livros sagrados, cada um circunscrito ao seu tempo traziam um conjunto de preceitos temporários e um conjunto de Leis permanentes. Quando um novo profeta era enviado tinha, de modo geral, como missão, reafirmar o que era permanente e eventualmente ab-rogar os preceitos temporários. De qualquer modo, tornava-se compulsória a aceitação de sua mensagem por parte do povo a quem tinha sido enviado. Esse foi o caso por exemplo de Moisés (A.S.) ao anunciar a Torá e de Jesus (A.S.) ao anunciar o Injil (Evangelho). Assim, a Lei descida e anunciada por Moisés era Lei compulsória a ser obedecida por todo povo judeu, a vinda de Jesus tornava então do mesmo modo compulsória a obediência de todo povo judeu à mensagem por ele trazida.

No que se refere ao Alcorão se aplica uma nova realidade. O Alcorão foi revelado e se destina não a um povo, raça ou época específica. Sendo a ESCRITURA DIVINA DEFINITIVA a qual sela e abroga todas as anteriores e sendo destinado A TODA HUMANIDADE; a LEI DIVINA (SHARIA`AH) nele constante é lei compulsória para todos os seres humanos até o final dos tempos. Isto é , crendo ou não crendo, obedecendo ou não, nenhum ser humano está isento de seu cumprimento. O Alcorão afirma entretanto que “NÃO HÁ COMPULSÃO NA RELIGIÃO, POIS JÁ SE SEPAROU A VERDADE DO ERRO” o que significa que em nenhum momento o homem é forçado a aceitar o que quer que seja, sua liberdade de pensamento e ação é inalterável; pelo uso do raciocínio e da emoção o homem pode escolher ou a verdade ou o erro, pode alcançar o conhecimento correto ou permanecer na ignorância, pode chegar até a senda reta ou trilhar os caminhos do engano e da ruína espiritual.

DEUS, O ALTÍSSSIMO o denomina em outra passagem de “O DISCERNIDOR” (AL FURQÁN). Isto é, a escritura que separa o verdadeiro do falso, a luz da sabedoria das trevas da ignorância, a Senda Reta dos caminhos da perdição. Como DISCERNIDOR o Alcorão define e detalha A FÉ (IMAN) e A DESCRENÇA (KUFR) e aponta as características presentes nos que crêem e nos que não crêem com absoluta clareza a fim que cada criatura possa refletir sobre si próprio.

A ORIENTAÇÃO DIVINA

Um outro aspecto que se destaca é o HUDÁ (ORIENTAÇÃO, GUIA). O Alcorão afirma em diversas passagens que é condição essencial para o humano alcançar a compreensão da verdade e da fé, que DEUS O GUIE, O ORIENTE. A orientação (hudá) é assim ressaltada como beneplácito, graça, misericórdia divina. É natural que diante disso se pergunte: porque DEUS guia a uns e não a outros, e mais ainda, porque orienta a uns e desvia a outros? À luz do Alcorão a resposta a essa questão repousa no coração humano, no seu íntimo, num nível de realidade que é invisível para os seres humanos, no âmbito cujo conhecimento pertence unicamente a DEUS.

O QALB (coração) aqui referido é a dimensão mais profunda do homem de onde nascem as intenções. Portanto, a orientação divina ou a ausência dela depende da natureza das características presentes e das intenções que movem os atos e as escolhas do ser humano.

Novamente voltamos à ênfase do Alcorão ao exercício do raciocínio. De fato, as principais características que o Alcorão afirma como sendo as que mais competem para a ruína espiritual e a perdição do ser humano são as que estão firmemente relacionadas à RECUSA AO RACIOCÍNIO, a saber: A IDOLATRIA, A VAIDADE (ORGULHO), A AVAREZA (MESQUINHEZ) E A HIPOCRISIA. Efetivamente essas quatro características são componentes típicos do Kufr (descrença), derivam deles todos os demais desvios nos quais a humanidade se encontra.

A exortação alcorânica ao raciocínio propõe que por meio deste o homem se abra à orientação divina que possa conduzi-lo das trevas até a luz, libertando-o destes quatro estados citados acima e de todos os desvios decorrentes. Todavia a recusa ao raciocínio é a característica predominante naqueles que o Alcorão denomina como TAGHÚN (REBELDES), os que deliberadamente e com absoluta teimosia renegam a orientação divina.

Dentre todas as criaturas o líder dos TAGHUN é Satã, logo, se uma pessoa seja pela idolatria, pela vaidade (ou orgulho), pela avareza ou pela hipocrisia tornar-se um TAGHUN, será um dos abominados. E ninguém chega a essa condição sem que antes tenha se recusado ao raciocínio. O apego aos erros e desvios dos antepassados, que se traduzem em seus costumes e crenças é o típico exemplo dessa recusa ao raciocínio. No passado, como em nossos dias, há uma tendência viciosa na mente humana a repetir e se apegar a tudo aquilo que se relacione a tradição ou cultura a que pertence, o que muitas vezes funciona como um freio à razão, uma compulsiva tendência do ego de não reconhecer a necessidade de mudança e de reavaliação do modo de viver e de pensar.

O Alcorão relata diversas histórias de povos e indivíduos em diferentes épocas que movidos por esses quatro estados de JAHILYYAH (IGNORÂNCIA ESPIRITUAL) promoveram sua própria ruína incorrendo na abominação e no castigo divino. É importante destacar que em todos os casos relatados a mensagem divina foi levada a esses povos e indivíduos, em todos os casos foram exortados ao arrependimento, foram alertados de diferentes maneiras e em todos os casos SE RECUSARAM AO RACIOCÍNIO. E movidos por seu próprio apego ao erro, perpetraram ainda maiores injustiças e ofensas a DEUS e aos seus mensageiros.

Com efeito o Alcorão afirma: “…E ELE (DEUS) LANÇA A ABOMINAÇÃO SOBRE OS QUE NÃO RACIOCINAM.” (C.10 – V.100)

Diante dessa conclusiva palavra compreendemos algo do mecanismo da justiça divina, Deus, O conhecedor dos corações não oprime nenhuma criatura, não é injusto com nenhuma delas.
ELE concedeu ao homem todas as faculdades e meios necessários para compreender a mensagem e agir em acordo com suas leis, deu olhos para ver e ouvidos para ouvir e o dotou de um coração para perceber e discernir o certo do errado, enviou Profetas e Admoestadores, proporcionou leis e preceitos para que tivesse o bem-estar e paz, selou as melhores e eternas recompensas, amparou-o com imensos e incontáveis benefícios de modo que nenhuma criatura possa ter argumento contra ELE no Dia das Retribuições. Portanto cada homem colherá nesse dia os frutos de suas próprias escolhas.

DUA`A FINAL

“SENHOR NOSSO, INCLUI-NOS ENTRE OS QUE RACIOCINAM, ENTRE OS QUE OUVEM E SEGUEM O MELHOR. TORNA-NOS AGRADECIDOS QUANTO AS TUAS INCONTÁVEIS BENÇÃOS, AS QUE PODEMOS VER E AS QUE SÃO INVISÍVEIS E APENAS DE TEU CONHECIMENTO. Ó DEUS, EM VERDADE TUA JUSTIÇA É PERFEITA SOBRE TODAS AS COISAS E NENHUMA ALMA CRERÁ SEM TUA PERMISSÃO. CONCEDE-NOS ENTENDIMENTO ACERCA DE NOSSAS PRÓPRIAS CULPAS E NÃO DESVIE NOSSOS CORAÇÕES DEPOIS DE TER NOS GUIADO. Ó COMPULSOR DOS CORAÇÕES COMPELE-NOS A OBEDIÊNCIA A TÍ E APIEDA-TE DE NÓS E DE TEUS SERVOS BONDOSOS. ALLAHUMMA SALLI ALA MOHAMMAD WA ALI MOHAMMMAD”.

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